De casa nova (e bem melhor), o nosso maior evento de carros mantém utilitários esporte e motores modernos em alta
A grande festa do automóvel no Brasil — o Salão Internacional do Automóvel de São Paulo — abriu ao público nesta quinta-feira (10) em sua vigésima nona edição com grandes novidades. E não apenas aquelas expostas nos estandes dos 90 mil metros quadrados de pavilhão, mas também o próprio pavilhão.
Que o Salão precisava de um local mais adequado, não havia dúvidas. Por anos debateu-se para onde levar o maior evento nacional do gênero se deixasse o Pavilhão do Anhembi, que o sediava desde 1970. O maior problema do antigo local, como sabe qualquer um que o tenha visitado, era o insuportável calor do ambiente não climatizado. Havia outros pontos melhoráveis como o estacionamento térreo, que demandava longas caminhadas sob sol para grande parte dos usuários.
O São Paulo Expo traz classe mundial a nosso Salão, com climatização central e o fim dos degraus, mas algumas coisas não saíram como previsto
A mudança para o São Paulo Expo veio resolver tudo isso. Todo refeito e modernizado, o antigo Expo Imigrantes (nome em alusão à rodovia em cuja margem se localiza) impressiona logo à primeira vista e traz classe mundial a nosso Salão. Tem climatização central, edifício-garagem para estacionamento e transporte gratuito para os visitantes a partir da estação Jabaquara, conveniente para quem preferir o transporte público. Não existem mais degraus nos estandes, que representavam obstáculo a cadeirantes e risco a visitantes distraídos: todos os desníveis são por suaves rampas. Algumas coisas, porém, não saíram como previsto.
Dos dois dias reservados à imprensa, a terça-feira teve temperaturas confortáveis, mas à tarde registrou-se queda de energia. Na quarta, o conforto térmico havia desaparecido: desde manhã o pavilhão estava muito quente, talvez tanto quanto o Anhembi. A organização teria acionado no fim do dia geradores de energia, cuja operação estava prevista para os dias de público, mas visitantes na quinta relataram à imprensa que o calor continuava. É preciso tratar o assunto com atenção, pois grande parte da divulgação do evento em todo o ano destacava a climatização como uma das principais vantagens da mudança.
Utilitários esporte brilham
Calor à parte, o que se viu de mais relevante no Salão 2016? A profusão de utilitários esporte talvez seja o maior fenômeno. Dos acessíveis Hyundai Creta e Renault Captur ao sofisticado Maserati Levante, mais e mais fabricantes ingressam no segmento ou renovam seus participantes para atender à demanda pelos “altinhos”, apreciados pelo porte robusto e a sensação de domínio do trânsito. Sensação temporária, é claro: quando todos estiverem de SUVs pelas ruas, talvez surja a ideia de um carro de dois andares para seus ocupantes voltarem a ver os demais de cima.
A onda é tamanha que leva de carona quem não poderia ser chamado assim. A Renault inclui o Kwid — um hatch como o Fiat Mobi ou o VW Up, seus futuros concorrentes — entre os “três utilitários esporte” que lançará no próximo ano, enquanto a Honda usa a mesma expressão para o WR-V. Ora, como pode o Fit ganhar outra frente e alguns centímetros de altura de rodagem e se transformar de hatch em SUV? A manobra de marketing lembra a mania de chamar carros de quatro portas com perfil esportivo de cupês ou mesmo dar a charmosa denominação a SUVs com vidro traseiro inclinado, como BMW X6 e afins.
Os “altinhos” são apreciados pela sensação de domínio do trânsito, Que é temporária: quando todos estiverem de SUVs, talvez surja a ideia de um carro de dois andares
Para quem vai ao Salão atrás de supercarros e outros modelos que impressionam, não faltam opções. Marcas como Ferrari, Lamborghini e Tesla estão restritas a um espaço cercado e com acesso restrito, mas várias outras expõem esportivos de maneira acessível ao público e uma variedade de modelos conceituais (estes sempre mantidos a alguma distância, pois costumam ser carros preciosos cedidos pelas matrizes para exposição). Foram previstos também simuladores de pilotagem e de teste de impacto (no estande da Toyota), além de numerosas avaliações de direção na área externa do pavilhão.
A bandeira da eficiência energética é que parece pouco agitada em nosso Salão. Nos eventos internacionais veem-se centenas de modelos de produção e de conceito com mecânica elétrica, híbrida ou mesmo pilha a combustível, solução ainda caríssima, mas oferecida por Toyota e Honda. Aqui temos à venda poucos modelos híbridos (BMW i8, Ford Fusion, Lexus CT, Toyota Prius) e um único elétrico (BMW i3), com alguns fabricantes demonstrando opções sem previsão de chegar ao mercado. A pilha a combustível aparece nos estandes das duas japonesas citadas como mera demonstração de uma tecnologia a que não temos acesso.
Se serve de consolo, por toda parte busca-se reduzir o consumo de combustível para atender a metas firmadas entre governo e fabricantes por meio do programa Inovar-Auto. Motores de longa data como o Fire da Fiat e o 1,6-litro de duas válvulas por cilindro da Renault enfim caminham para a substituição; técnicas que aumentam a eficiência nos motores, transmissões e outros órgãos são adotadas por várias marcas. A diferença de tecnologia entre o mercado brasileiro e os mundiais de ponta, ao menos quanto a motores a combustão, tem sido reduzida.
Para encerrar, um curioso contraste revela a situação de cada marca em relação ao que pode oferecer ao público, seja em produtos à venda, seja para mera exposição. Enquanto estandes de médio porte — Audi e BMW vêm à mente — estão repletos de carros, um mais desejável que o outro, fabricantes com espaços imensos como a Fiat parecem não ter o que exibir. Em meio a tantas Toros que talvez demonstrem o leque completo de versões, veem-se um solitário 124 Spider e alguns modelos que já estavam no Salão quando parte dos visitantes não tinha nascido.
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