Toyota e Hyundai lançam no Brasil seus produtos
para consumidores “emergentes”: isso é bom ou ruim?
Engana-se quem acredita que o crescente culto à “cultura da periferia” tem a ver com algum tipo de movimento de valorização a essa gigantesca parcela da população. Novelas, filmes, revistas, redes sociais — os produtos da mídia parecem, cada vez mais, explorar as temáticas da humanidade emergente.
Sim, é desse jeito que a “elite do mundo” trata quem tem vida simples e hábitos de consumo mais franciscanos. Ou, ao menos, tinha. Vivemos um momento econômico que subverte essa ordem — se a elite do mundo está endividada e mal tem comprado roupas íntimas novas, quem tem demonstrado fôlego para levar adiante o ritmo de consumo global é, adivinhe, a humanidade emergente, periférica até então.
Índia, China, Brasil, África do Sul, Rússia, Oriente Médio: todo o interesse nesse público — seus hábitos de vida, suas relações, sua cultura, seus ganhos — justifica-se pelo simples fato de que eles é que agora tocam adiante a sociedade de consumo. “Agora sobra um dinheirinho”, diz o porteiro do prédio. De fato, uma boa-nova. A nova configuração do mapa global do dinheiro causa uma efervescência nos mercados de periferia. Com carros não é diferente. A iniciativa do capital migra para onde o dinheiro está.
Os lançamentos de Toyota Etios e Hyundai HB20 marcam um interessante momento do mercado brasileiro de automóveis. Acostumadas a segmentos superiores (com produção local no caso da japonesa e apenas importação na sul-coreana), as duas orientais vão testar seus conhecimentos com produtos que flertam com outro perfil de consumidor, com características bem peculiares, acostumados a décadas de dominação das chamadas “quatro grandes” — Chevrolet, Fiat, Ford, Volkswagen. Em suas estratégias, Toyota e Hyundai demonstram que seus entendimentos do mercado periférico são distintos.
A Toyota apresentou uma cabal prova de que acredita no poder magnético de sua marca, a ponto de fazer consumidores hipnotizados migrarem às concessionárias e ignorarem que o modelo nasce 15 anos atrasado
A Toyota demonstra uma visão um pouco estereotipada do brasileiro, que o alinha ao resto do mundo emergente com o corolário “pobre compra carro feio, espaçoso e de baixo custo” (note que baixo custo não significa baixo preço). Chamam isso de “compra racional”. No Brasil, a Toyota ainda desfruta uma percepção diferenciada de “valor de marca”, o que, ao menos na teoria, lhe possibilitaria cobrar um pouco mais por produtos com concorrentes semelhantes — estratégia parecida à adotada pela Sony, como exemplo.
Disse um pouco mais. No entanto, o que a Toyota apresentou na prática com seu Etios foi uma cabal prova de que ela acredita, acima de tudo, no poder magnético de sua marca, a ponto de fazer consumidores hipnotizados migrarem às suas concessionárias e ignorarem que o modelo, em termos visuais, nasce 15 anos atrasado. Um recado à Toyota: brasileiros não são indianos. Sem demérito aos irmãos indianos, mas o Etios é perfeitamente justificável ali, onde todos os seus paralelos de mercado criam um contexto de tecnologia, estilo e preço no qual o Etios faz, sim, muito sentido.
Seja por economia de custos, pela necessidade de ter um produto de adaptação mais rápida a nossas condições ou qualquer outra obrigatoriedade mercadológica e empresarial, o Etios é um ultraje ao consumidor com seus R$ 36 mil cobrados na boca do caixa pela versão mais simples com ar-condicionado. A Toyota tem nas prateleiras produtos prontos que poderiam representá-la nesse segmento — o Yaris, por exemplo. Ainda assim, eles agem conosco da mesma forma que o turista rico, quando desembarca em uma cidade pequena e pobre e é assediado nas ruas por crianças que o tocam sem parar. Assim que o turista, horrorizado de medo, mostra algum produto eletrônico barato ou uma nota de um dólar, as crianças ficam hipnotizadas e permitem que o turista zarpe em fuga.
Aura diferenciada
A Hyundai usa uma tática distinta: oferece-se como uma marca aspiracional. Chegou ao segmento periférico de forma ousada, com um produto inédito, pensado para o Brasil — diferente do Etios, pensado aos “emergentes” de forma genérica. Eles sabem que sua filosofia de estilo criou uma aura diferenciada, que se estendeu até o mais barato produto da linha — também de modo diferente da Toyota. Prova que a visão coreana a respeito do consumidor brasileiro é menos discriminatória nos aspectos estilo e apelo emocional.
Anabolizada pela intensa publicidade de seu representante nacional para modelos importados, o grupo Caoa, a Hyundai terá de provar que é capaz de ser “a melhor do mundo” vendendo carros em volumes que jamais experimentou por aqui — o HB20 chega com a expectativa de girar 27 mil carros nas lojas até o fim do ano, muitíssimo para um estreante.
Isso é ótimo (para a Hyundai), claro. Mas a popularização não traz só boas coisas. Os efeitos colaterais negativos são assistências técnicas lotadas, busca frenética por peças de reposição, canais de atendimento ao consumidor congestionados e certa perda de percepção de valor pelo cliente de luxo, que enxergava exclusividade na marca. Afinal, o público que consome hoje a marca Hyundai — como o cliente Toyota — não vai ficar feliz em saber que a turma da periferia usa a mesma marca que ele. Veremos como “os melhores do mundo” lidarão com isso.
Ambas, Toyota e Hyundai, terão de provar a si e ao mercado nacional que são capazes de entender a dinâmica do segmento de entrada — muito volume, pouca margem de contribuição, alta exposição e, de um ano para cá, muitas opções aos consumidores em uma anunciada guerra de preços e equipamentos. Há muitas e boas novidades ao consumidor de compactos no País. Mas ainda sou cético e mantenho minha opinião quando escuto a expressão “feito para brasileiros”: isso é bom ou ruim? Ao que provam produtos e preços, tire você suas próprias conclusões.
Fale com o colunista | Coluna anterior |