Ninguém se lembra deles, mas os automóveis que saem de linha
também dão trabalho — e podem render boas oportunidades
Estamos acostumados a aguardar e assistir, ansiosos, ao lançamento de carros. Amplas apresentações à imprensa especializada, avaliações, entrevistas, campanhas de comunicação. Euforia, às vezes surpresas — positivas, negativas. Lançamentos são sempre espetáculos ou, ao menos, foram transformados nisso. Mas o esforço empenhado no lançamento de um novo carro pode significar, em muitos casos, outro esforço de bastidor para descontinuar um modelo, ao qual o novo substitui. Veja o caso do Logan, que a Renault renova no Brasil após bons anos de sucesso e uma sólida imagem conquistada.
Para nós, que vivemos do lado de cá do balcão, parece tudo muito fácil: projeta-se e fabrica-se o carro novo — e ponto. Aos poucos o velho é substituído e fim de papo. Não, não é assim. Descontinuar um carro pode ser tarefa que exige mais de um ano de planejamento. Os profissionais do marketing, da engenharia, do planejamento, das finanças, todo mundo precisa estar envolvido, como no processo de lançamento da novidade — só que ao contrário.
Imagine o caso da substituição de um modelo por outro inteiramente diferente, até mesmo fabricado em outro lugar. Precisa-se decidir o destino que será dado às instalações e todos os recursos concentrados em função daquele modelo: linhas de montagem, maquinário, insumos, colaboradores. Programar o tempo necessário para a correta transição dos estoques; produzir carros suficientes para que o mercado não fique desabastecido durante os meses necessários às adaptações de linhas e manter peças de reposição por um prazo razoável.
Os que não dão muita bola aos apelos de novidade, à última atração do momento, podem desfrutar um automóvel comprado por um preço justo
Os revendedores têm de ser orientados e preparados. A equipe de comunicação fica responsável por abafar os boatos na imprensa — mesmo diante da publicação de fotos do novo carro em testes — a fim de preservar a imagem do modelo a ser encerrado e evitar que os estoques remanescentes encalhem nas concessionárias… Enfim, é bastante trabalho a ser feito, tanto quanto um lançamento.
Por mais que pareça um disparate, comprar um carro que está em vias de descontinuação não é um mau negócio, mesmo que toda a “atmosfera da novidade” possa sugerir que seja. Se você faz o tipo do consumidor racional, que entende de carro e está disposto a buscar uma boa barganha, essa é a ocasião. Automóveis no fim do ciclo de produção são oferecidos a preços mais camaradas.
O atualmente chamado de Ford Fiesta Rocam é um exemplo clássico. Nas lojas desde 2002, é obsoleto em comparação ao Fiesta nacional recém-lançado, mas está longe de ser um carro ruim — ou mesmo tão antiquado, diante da idade mais avançada do projeto de alguns concorrentes. Espaçoso, em sua versão 1,6-litro pode ser adquirido completo (até com bolsas infláveis e freios antitravamento ABS, que afinal deixam de representar luxo para os brasileiros) por valores até R$ 3 mil inferiores aos de “novidades” com motores 1,0-litro.
Da mesma forma, quem não liga para a aparência pode comprar um Logan agora, pressionando o vendedor por bons descontos. Leve em conta que a depreciação de um modelo descontinuado, um pouco mais alta que a de um carro ainda em produção, deve estar embutida nessa barganha — portanto, não tenha dó. Assim, aqueles que não dão muita bola aos apelos de novidade, ou pouco se importam em exibir a última atração do momento, podem desfrutar um automóvel zero-quilômetro comprado por um preço justo.
Acertos de produção
Sobre esse aspecto tão considerado pelo brasileiro médio — a revenda —, vale uma análise. Quando o modelo sofre grandes mudanças ou cede lugar a outro, é habitual haver uma desvalorização mais acentuada, que se mantém por alguns anos. Algum tempo depois, para quem vai comprar o carro usado, aquele é o limiar entre o “antigo” e o “igual ao novo”, o que traz um degrau de preço maior que a simples mudança de um ano-modelo para outro. Com o passar do tempo essa diferença se reduz, mas ainda pode ser percebida nas cotações de usados mesmo após seis ou oito anos.
Do ponto de vista técnico, mais vantagens. Modelos com muitos anos de janela já passaram por ajustes, acertos de produção e aquelas melhorias típicas da troca de informações, sugestões e reclamações de usuários nas assistências técnicas. Quem aposta no escuro está mais sujeito a perder, é o que diz a experiência. Comprar um produto já consolidado diminui muito a margem de exposição às escorregadas típicas de projetos recentes.
As marcas passaram a adotar o lançamento “a conta-gotas”, mostrando pedaços da novidade pouco a pouco, arrastando o processo por meses
De resto, já se sabe de antemão qual a aceitação daquele modelo no mercado. Cada lançamento carrega uma dose de incógnita: será que os compradores vão gostar de seu estilo e das novas características técnicas? Haverá problemas com as alterações mecânicas que possam prejudicar sua imagem na praça a médio prazo? Depois de três ou quatro anos de produção — que dirão 10 —, tudo isso se esclarece e tem-se a certeza do que se está levando para casa.
Para amortizar o grande investimento em marketing exigido no lançamento de um novo carro, as marcas passaram a adotar o lançamento “a conta-gotas”, mostrando pedaços da novidade pouco a pouco, arrastando o processo por meses. Foi assim com o Ford EcoSport, cuja avaliação pela imprensa só ocorreu sete meses depois da primeira apresentação de um modelo de estilo aos jornalistas. E parece que será igual com o novo Ka, pois a Ford já anunciou que vai revelar um modelo não informado em novembro.
A estratégia pode baratear um pouco o lançamento, mas estende o tempo ao qual o carro antigo fica exposto à boataria e à depreciação no preço, o que foi bem perceptível durante o ano passado com o EcoSport. Ficar atento é uma chance de tirar proveito disso. Enquanto alguns gastam mais para ter o carro do momento, você pode gastar menos aproveitando uma grande campanha de “deslançamento”.
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