Não é difícil entender as razões para que as quatro maiores
marcas de nosso mercado continuem a consolidar suas posições
Renault, Peugeot e Citroën tentam já faz um bom tempo. A Renault chega perto, ameaça. Honda, Toyota, Nissan e Hyundai vêm pouco a pouco, cada uma a sua maneira. Mas essas e as demais marcas, juntas, nem chegam à metade da representação de mercado de um quarteto bastante tradicional. Conhecidas como “as quatro grandes”, Chevrolet, Fiat, Ford e Volkswagen formam um pelotão dianteiro que engole quase 70% de todo o volume de vendas brasileiro.
Muitos questionam a hegemonia desses quatro fabricantes e a dificuldade das demais marcas em avançar, em dissolver um pouco da concentração de mercado. Falamos “quatro” já estimulados pelo hábito, já que a quarta colocação vai-se distanciando — a Ford tem brigado para manter o protagonismo que já teve por aqui, correndo para não ser engolida pela Renault que, vez em quando, cresce em seu retrovisor. A massa mesmo está concentrada nas três primeiras, sempre rondando os vinte e poucos por cento de mercado cada uma.
O consumidor se preocupa se terá assistência
por longo tempo olhando o futuro, enquanto
vê se a trajetória do fabricante inspira confiança
Por que esse domínio? É fácil entender o conjunto de fatores que nos torna mais sujeitos a manter o mercado concentrado nas mesmas marcas, toda vez que vamos comprar um carro novo.
Em primeiro lugar, é preciso saber que elas não conquistaram suas fatias sem décadas de trabalho duro. A mais nova do grupo, a italiana Fiat, já caminha para os 40 anos fabricando carros por aqui. As três restantes são ainda mais antigas, instaladas em solo nacional entre 1919 (Ford) e 1953 (Volkswagen), se considerado o período de montagem de conjuntos importados. As longas décadas de atividade industrial e presença ininterrupta no mercado contribuem em dois fatores críticos: a percepção de solidez (continuidade) e a confiabilidade.
São itens correlacionados. Quando compra um automóvel, um bem durável de alto custo, o consumidor se preocupa se terá assistência por longo tempo olhando o futuro, enquanto procura observar o passado e entender se a trajetória do fabricante inspira confiança. Impossível conseguir isso sem quilometragem rodada, literalmente.
A consolidação das francesas nos últimos anos é, sem dúvida, um efeito dos anos fabricando por aqui. Àqueles que criticarem os franceses alegando problemas de confiabilidade, olhem a história da Fiat no País. Do injustiçado 147, mitológico carro quando se fala de defeitos, à posição de queridinha dos reparadores foram necessárias quatro décadas. Isso pode explicar por que a Peugeot se deu tão mal com a pequena picape Hoggar, derivada do 207: longe de ser um mau produto, enfrentou a resistência de segmentos conservadores como os frotistas.
Diversidade de opções
A quantidade de produtos oferecida é, sem dúvida, outro fator lógico. As quatro maiores atuam em uma quantidade maior de segmentos, muitas vezes com mais de um produto no mesmo nicho. Um exemplo: enquanto a Nissan pedala para trazer seu pequeno March do México em pequenos volumes, até que possa produzi-lo aqui, a VW tem Up, Gol, Fox e Polo, quatro opções compactas que cobrem valores de R$ 25 mil a mais de R$ 50 mil.
Ficando na Nissan e usando o Versa de exemplo, a Chevrolet oferece Classic, Prisma, Cobalt e Sonic, todos sedãs compactos, variando entre 20 e poucos até quase R$ 60 mil. Opções para gostos e bolsos não faltam na norte-americana. Logo, por estatística, fica mais difícil para a Nissan inserir seu Versa no bolo.
Redes autorizadas grandes e esparsas como
têm Chevrolet, Fiat, Ford e VW são valiosas em
um território com dimensões continentais
Toda essa capacidade de produção foi construída numa época em que elas reinavam sozinhas aqui. A incapacidade das demais de ampliar a oferta mais rapidamente tem a ver com todos os altos e baixos da economia mundial desde meados dos anos 90, o que tornou os investimentos muito irregulares. Ainda houve o falso milagre automotivo brasileiro, logo após o Plano Real, que fez muitas marcas erguerem fábricas aqui e depois ficarem com carros encalhados no pátio com a estagnação do mercado interno.
Audi, Chrysler, Mercedes-Benz e Renault foram algumas das vítimas. A francesa suportou, mas é fácil perceber como reviu as decisões de fabricar novos modelos nos segmentos de maior volume, passando a se concentrar na linha da romena Dacia e abandonando a evolução do Clio — hoje feito na Europa em duas gerações à frente do nacional.
Ainda há a importante questão da capilaridade, que também é muito vinculada ao tempo de atuação no País. Redes autorizadas grandes e esparsas como têm Chevrolet, Fiat, Ford e VW são um ativo muito valioso, ainda mais em um território com dimensões continentais como o Brasil. A JAC tentou estrear por aqui alardeando a presença de 50 pontos de atividade de uma só vez. Logo viu que a tarefa era muito mais difícil do que a publicidade fazia parecer.
Tempo de mercado e um bom trabalho criam uma marca sólida. Uma marca sólida, aliada a um calendário de investimentos, possibilita o lançamento de mais produtos. Uma marca sólida com bom portfólio de produtos atrai mais concessionárias. Mais concessionárias vendem mais carros. Mais carros vendidos aumentam a percepção de confiança e sucesso. Naturalmente, o consumidor sente-se influenciado a comprar quando está confiante e faz um negócio já endossado por muitos. É uma espiral virtuosa. Por isso é que elas ainda devem continuar, por um bom tempo, como as “quatro grandes” do mercado nacional.
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