Há qualidades nesse tipo de caixa comum em nossos carros,
mas a publicidade e a desinformação do público jogam contra
Tenho procurado uma opção de automóvel que me livre do martírio da troca de marchas e do acionamento da embreagem no insuportável trânsito da capital paulista. Incluo-me naquela parcela da população que usa o veículo para se deslocar todos os dias, na ida e volta para o trabalho, e não por um capricho: moro um tanto distante de estações do metrô e, mesmo no dia de rodízio ou quando quero usar o transporte público por opção, tenho que me deslocar alguns quilômetros até um estacionamento próximo, sempre enfrentando trechos de tráfego congestionado.
Pesquisei um pouco aqui e ali e não achei carros compactos com câmbio automático tradicional, epicíclico, que me agradassem na faixa de preço que me interessa. O pequeno Kia Picanto até pareceu uma opção interessante, mas na região onde moro não há concessionárias próximas, o que dificultaria eventuais paradas para revisão e manutenção.
Há o Hyundai HB20 e o Chevrolet Onix, mas não achei admissível gastar mais de R$ 45 mil em carros pequenos e que notoriamente estão hipervalorizados, em função do fator novidade e pela boa aceitação de mercado. Mesmo usados, é raro achar alguma opção desses dois modelos a preços justos. O Ford Fiesta, que oferece um câmbio automatizado de dupla embreagem, também tem pouca oferta de usados e preço acima de meu limite para o novo.
A maioria das críticas deve-se à inabilidade dos fabricantes em explicar o funcionamento do produto com senso de realidade e didática
Quanto a Renault Sandero, Peugeot 208 e Citroën C3, que têm versões com câmbio automático, não me despertam apetite — o que é uma pena, já que os franceses passam por uma triste e injustificada depreciação após pouco tempo de uso, como um ou dois anos, e acabam se tornando acessíveis.
Após algum estudo, concluí que nessa faixa de preço seria possível adquirir um compacto seminovo com câmbio automatizado monoembreagem, apelidado de I-Motion pela Volkswagen, Dualogic pela Fiat e Easytronic pela Chevrolet. Há várias opções de modelos disponíveis com essa tecnologia, como Agile, Gol, Fox, Polo, Palio e Punto, para citar aqueles que procurei. Descartei o Agile de imediato, em função do desenho. Concentrei minhas pesquisas nos modelos da Volkswagen e da Fiat, procurando entender o que os proprietários atuais tinham a dizer sobre seus carros, quais vantagens, queixas, problemas eventuais ou crônicos — enfim, tudo o que um candidato a dono gostaria. E fui surpreendido.
Há queixas esparsas de defeitos no sistema, que preferi tratar como questões isoladas. Quando buscamos relatos sobre alguma coisa na internet, é muito mais fácil encontrarmos os problemas, pois o consumidor é mais propenso a criticar os defeitos — sobretudo os não resolvidos pela concessionária ou o fabricante — que elogiar as qualidades. Ainda assim, o mais surpreendente, em minha opinião, é que a maioria das críticas que considero fiáveis deve-se a uma absoluta inabilidade dos fabricantes em explicar o funcionamento do produto com senso de realidade e didática.
Hiatos, não trancos
Como se sabe, câmbios automatizados não são automáticos. Na verdade, eles funcionam de forma automática, mas são muito diferentes em construção e atuação dos automáticos tradicionais, epicíclicos. A infeliz semelhança entre os nomes das duas tecnologias frustra o consumidor e o faz ter a sensação irritante de ter sido enganado.
A Fiat acentua o problema porque usa em sua publicidade, de forma deliberada, a frase “câmbio Dualogic automático”. Não é uma frase falsa, só que mais confunde que explica. Os que compram, desinformados, pensam estar adquirindo um câmbio automático tradicional, mas adquirem um câmbio manual equipado com um pequeno atuador de controle eletrônico que realiza as trocas e o acionamento da embreagem pelo motorista, levando consigo todas as mazelas do funcionamento de uma caixa manual: eventuais solavancos e pequenos hiatos nas trocas.
Se o câmbio fosse manual, a potência também deixaria de ser transmitida entre pisar na embreagem, mudar de marcha e liberar o pedal
Alguns chamam esses hiatos de trancos, mas não é o caso. Se o câmbio fosse manual, a potência também deixaria de ser transmitida às rodas no intervalo entre pisar na embreagem, tirar a alavanca de uma posição, colocar em outra e liberar o pedal. O que parece acontecer é que, por se tratar de uma mudança automática — sem intervenção ou mesmo ciência do motorista —, os ocupantes não esperam tal hesitação e acabam se incomodando com ela.
Câmbios automatizados monoembreagem são mesmo assim e, quando usados corretamente, trazem muitas vantagens. Oferecem o mesmo conforto ao pé esquerdo cobrando a metade de um automático epicíclico, não representam perda de desempenho ou aumento de consumo e até permitem a partida do motor empurrando o carro, no “tranco”, o que o automático tradicional impede.
Ao causar insatisfação com uma suposta promessa não cumprida, a Fiat paga o preço por sua publicidade indolente. VW e Chevrolet usam o termo “câmbio automatizado”, que busca diferenciar o produto oferecido dos automáticos tradicionais. Automóveis com caixas automatizadas monoembreagem já foram muito comuns no mercado europeu — hoje algo menos, pela difusão dos sistemas de dupla embreagem — e não me parece que o consumidor de lá estivesse tão insatisfeito com sua forma de funcionar.
Aqui no Brasil, creio que o problema esteja mais na publicidade que desinforma e confunde que no estágio da tecnologia. Ainda não escolhi qual carro quero, mas descobri que não se pode confiar muito nas promessas dos anúncios, sob pena de ser mais um frustrado proprietário de uma expectativa alta demais.
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