Para pilotar bem um scooter é preciso conhecer suas peculiaridades, que exigem outras técnicas de condução
Avião voa. Helicóptero também. Mas o brevê de piloto comercial de avião não permite pilotar helicóptero porque, apesar de serem aeronaves e obedecerem aos mesmos princípios da Física e do clima, são muito diferentes no que diz respeito à pilotagem.
Motos e scooters têm duas rodas, rodam no asfalto, fazem curvas inclinando-se para dentro. São muito parecidas e hoje, no Brasil, não existe distinção de habilitação para os dois veículos, que são tratados como iguais. A exceção é a nova categoria de habilitação batizada de ACC (autorização para conduzir ciclomotores), destinada a condutores de ciclomotores até 50 cm³. Até então, o que se via era pessoas escolherem um scooter como meio de transporte, mas serem obrigadas a se habilitar em uma moto. Está certo?
A Vespa chegou a ser um dos veículos motorizados mais vendidos no mundo — até hoje está por toda a parte e virou quase uma religião
A história do scooter começou lá atrás, depois da Segunda Guerra Mundial, que deixou a Europa arrasada e com necessidade de se locomover. Na Itália, uma fábrica chamada Piaggio fez o esboço de um veículo pequeno, fácil de pilotar, de mecânica simples, econômico e resistente. Como tinha uma traseira grande, que lembrava uma vespa, ganhou o nome de Vespa. Daí em diante virou história.

A Vespa, que tinha na Lambretta uma concorrente direta, chegou a ser um dos veículos motorizados mais vendidos no mundo — até hoje está por toda a parte e virou quase uma religião. Só que tinha alguns problemas práticos de projeto, como a caixa de câmbio operada pelo punho esquerdo e a assimetria do conjunto motor/transmissão, montado no lado direito, que a deixava muito instável. Quando os japoneses transformaram a Vespa nos atuais scooters, a febre se espalhou pelo mundo como catapora em jardim da infância.
Nas grandes cidades dos quatro cantos do mundo podem-se ver estacionamentos lotados de scooters. No Brasil, apesar de o conceito ter chegado na década de 1990 (precedido, claro, por Vespas e Lambrettas dos anos 50 e 60 e por uma nova Vespa nacional nos 80) pela Caloi/Suzuki e pela Yamaha, só nos últimos 10 anos é que a febre se consolidou, depois que a Honda decidiu entrar de sola no mercado — para não sair mais.
Não é a mesma coisa
Só que scooter não é moto. Depois de três anos ministrando aulas para motociclistas iniciantes, identifiquei uma grave distorção: fazer motoescola com uma moto de 120/150 cm³ para depois pilotar um scooter. Esse público fica privado de aprender no veículo que pretende pilotar. Eis as principais diferenças entre os dois veículos:
• Moto tem quadro tubular; scooter tem chassi monocoque estrutural.
• Moto tem pedais, scooter tem assoalho.

• Moto tem o tanque de gasolina à frente do piloto; no scooter fica embaixo do banco ou no assoalho.
• Moto tem câmbio sequencial com trocas com o pé; scooter em geral tem transmissão automática de variação contínua (CVT).
• Moto tem rodas de grande diâmetro; scooters tem rodas pequenas.
• Moto tem distribuição de peso equilibrada; scooter tem concentração de peso na traseira.
• Moto tem manete de embreagem; scooter não.
• Moto se pilota montado; scooter se pilota sentado.
• Moto tem o efeito redutor do câmbio (freio-motor); no scooter é imperceptível.
• Na moto a suspensão tem grande curso; o scooter tem curso de suspensão pequeno.
• Motos freiam melhor que scooters.
A partir dessas diferenças é preciso entender a melhor forma de pilotar um scooter, que exige uma postura muito diferente da pilotagem de moto.
Em primeiro lugar, a frenagem: como nos scooters a distribuição de massa é acentuada no eixo de trás, é preciso usar e abusar muito do freio traseiro, ao contrário que se recomenda para motos. Além disso, o efeito de freio-motor é muito discreto e quando está em desaceleração a transmissão entra em uma espécie de ponto-morto, liberando o motor. É preciso ficar esperto, em especial nas descidas.
Devem-se usar sempre os dois freios ao mesmo tempo, mas ao contrário das motos, usa-se o freio traseiro com mais intensidade. Seria algo como 50% em cada manete, enquanto nas motos o freio dianteiro é bem mais solicitado. E parece bobagem, mas no scooter o freio dianteiro é o da mão direita e o traseiro é o da mão esquerda: muita gente não sabe ou confunde.
Scooter não tem o tanque de gasolina entre as pernas do piloto, como em quase todas as motos: por isso não dá para usar a pressão das pernas para auxiliar nas curvas. Para complicar, também não tem pedais: a pilotagem é feita apenas pelo guidão. Além disso, como o freio-motor é quase nulo, nas curvas o scooter passa a sensação de que está “solto”. Para reduzir essa sensação é bom manter aceleração constante durante a curva ou desacelerar só quando já inserido na curva.
Como nos scooters a distribuição de massa é acentuada no eixo traseiro, é preciso usar e abusar muito do freio de trás
Se na moto, que tem suspensão e rodas maiores, levar alguém na garupa já causa um desequilíbrio, nos scooters é um tremendo desastre. Recomendo nem sequer levar ninguém em modelos pequenos (até 125 cm³), porque desestabiliza ainda mais. Se a massa já é concentrada no eixo traseiro, com garupa fica mais ainda e o freio traseiro torna-se mais atuante. Reduza a velocidade e prepare-se para ver o garupa voar nas valetas e lombadas.
Outro aspecto: as rodas de menor diâmetro (em geral, até 12 polegadas) são mais sensíveis aos buracos. Por isso olhe bem por onde passa. Se perceber que vai impactar no buraco ou lombada, levante um pouco do banco e apoie o peso nos pés. Isso alivia a pancada, especialmente na roda traseira.
Tipos de scooter

Já surgiram segmentações dentro da categoria. A moda agora é dos scooters tipo motoneta, com rodas de 16 pol, assoalho plano e um grande para-brisa, como o Dafra Cityclass 200 e o recém-lançado Honda SH 300i. Em uma recente viagem à Itália eu usei a versão 150 desse Honda e viajei com a namorada na garupa. É mais estável e confortável que um scooter normal e passa mais sensação de segurança. Além desses tipos de rodas grandes, outro que está dominando as ruas europeias é o triciclo, com duas rodas na frente e uma atrás. Graças a um complexo sistema de treliças e juntas esféricas, essas rodas inclinam como se fosse uma moto normal.
Os pequenos até 150 cm³ são os mais procurados, sobretudo pelo público feminino. Algumas das vantagens do scooter são: facilidade de pilotagem, praticidade, economia, posição mais adequada para mulheres de saia ou vestido e a diferenciação de quem usa motos pequenas para o trabalho, como motoboys — alguns acreditam que o scooter passe uma imagem mais amistosa aos motoristas por esse fator.
Mas já temos no mercado modelos de 300 a até 800 cm³, que se aproximam muito mais de uma moto com transmissão automática que de um scooter comum. São ótimos para viajar, mas na cidade “enroscam” no trânsito intenso. Bons exemplos dessa categoria são o Yamaha T-Max 500, com caráter esportivo, e o Dafra Citycom 300i, um produto muito equilibrado para uso na cidade e estrada.
O mais importante sobre o scooter é entender que ele não é igual a uma moto e deve ser usado, respeitado e entendido como um veículo com aspectos particulares de pilotagem. E também não é brinquedo: apesar de pequeno e fácil de pilotar, deve sempre ser pilotado com equipamento de segurança e jamais entregue a pessoas não habilitadas.
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Geraldo Tite Simões é jornalista e instrutor de pilotagem dos cursos Abtrans e Speed Master
Fotos: divulgação (BMW) e autor. A coluna expressa as opiniões do colunista e não as do Best Cars.