Hatch, sedã Siena, perua Weekend e picape Strada conquistaram o mercado, inauguraram tendências e atravessaram décadas
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
O sucesso do primeiro Uno, lançado em 1984 pela Fiat no Brasil, pode ter surpreendido até a seu fabricante. Depois de um início tímido, causado por seu estilo diferente do padrão nacional da época, o sucessor do 147 conquistou adeptos, foi o primeiro a aproveitar o incentivo fiscal para motores de até 1.000 cm³ em 1990 e tornou-se um grande êxito.
Passada uma década, no entanto, o Uno enfrentava seu maior desafio: chegava o Chevrolet Corsa, que oferecia modernidade e conforto no segmento de “carros populares” — a figura criada em 1993 pelo governo federal de Itamar Franco para estender o benefício tributário ao renascido Volkswagen Fusca. No mesmo ano de 1994 aparecia a segunda geração do Gol, líder de vendas desde 1987, e na sequência chegava da Espanha o Ford Fiesta, a ser nacionalizado um ano depois.
O Palio estreava no Brasil com três ou cinco portas e a missão de chegar a dezenas de países; a versão EL, nas fotos, tinha uma evolução do motor de 1,5 litro do Uno
Era preciso que a Fiat, que na Europa já tinha um sucessor para o Uno, avançasse no projeto de um substituto para ele também no Brasil. Os italianos haviam lançado no Salão de Frankfurt de 1993 o Punto, um hatch pequeno de três e cinco portas com linhas arredondadas e originais, maior distância entre eixos (2,45 metros, 9 centímetros a mais que no Uno) e moderna suspensão traseira independente por braço arrastado.
Para o Brasil, porém, os planos eram outros. A matriz italiana decidira que outro projeto, o de número 178, seria destinado a países em desenvolvimento como os da América Latina, a África do Sul, a Índia e o leste da Europa. O carro teria suspensão mais simples e robusta e, ao contrário do Punto, daria origem a uma ampla família com derivações sedã três-volumes, perua e picape. O Brasil seria o mercado a estrear a novidade.
O estúdio Italdesign do renomado projetista italiano Giorgetto Giugiaro trabalhou em uma proposta de desenho, enquanto o Centro de Estilo da Fiat na Itália, em parceria com o estúdio IDEA, preparava outra. No fim de 1995, como forma de aumentar a expectativa do público, a Fiat anunciava as primeiras imagens do projeto 178 de três portas. A intenção era substituir de início as versões superiores do Uno, com motores de 1,4 (turbo), 1,5 e 1,6 litro, permanecendo o Mille como porta de entrada para a marca. Seu nome era Palio, páreo em italiano — corrida de cavalos que se realiza desde o ano de 1656 na cidade italiana de Siena.
A versão 16V era o destaque da linha: com motor italiano de 106 cv, andava tanto quanto os esportivos da concorrência como Gol GTI e Corsa GSi
O novo carro era apresentado em abril de 1996 com versões de três e cinco portas em simultâneo, algo que só ocorrera uma vez antes na indústria nacional, com o Ford Escort em 1983. O desenho impressionava pela modernidade, com o para-brisa bem inclinado formando quase uma linha reta com o capô em cunha acentuada. Como o Uno, era alto e tinha a traseira próxima da vertical para bom aproveitamento de espaço, mas as formas arredondadas contrastavam com os ângulos do antecessor.
O motor 1,6 de 16 válvulas oferecia desempenho brilhante: com 106 cv e torque bem distribuído desde baixas rotações, o Palio atingia 188 km/h e acelerava de 0 a 100 km/h em 9,5 segundos
O interior também trocava os elementos retilíneos pelas curvas, do painel aos acabamentos das portas. De início eram oferecidas duas versões: EL, com motor de 1,5 litro e oito válvulas, e 16V, sigla que indicava as 16 válvulas do propulsor de 1,6 litro. A segunda incluía revestimento interno superior e itens de série como direção assistida e conta-giros, além de oferecer opcionais como rodas de alumínio de 13 ou 14 polegadas e faróis de neblina. Ambas podiam receber freios com sistema antitravamento (ABS), ar-condicionado e duas bolsas infláveis frontais — primazia no segmento dos pequenos e novidade na marca, pois apenas a do motorista estava disponível no Tipo nacional.
Embora mantivesse a distância entre eixos do Uno (2,36 metros), o Palio era bem diferente na concepção mecânica. A suspensão traseira enfim abandonava o sistema independente McPherson com feixe de molas transversal, criticado pela firmeza ao rodar: em seu lugar estava o consagrado eixo de torção, que o Uno italiano sempre teve. Na dianteira havia subchassi, para melhor isolamento de asperezas, e o raio de rolagem negativo agregava segurança na hipótese de falhar um dos circuitos hidráulicos de freios. Também contribuíam para a proteção dos ocupantes as barras de proteção no interior das portas e o corte de alimentação de combustível em caso de acidente, para afastar o risco de incêndio.
A mecânica do Palio tinha avanços como raio de rolagem negativo na frente; a suspensão traseira usava eixo de torção, como no Uno italiano, mas não no brasileiro
O motor 1,5, da série conhecida como Fiasa (Fiat Automóveis S.A.) e fabricado no Brasil, era uma evolução daquele lançado em 1988 nos utilitários Fiorino, agora com injeção multiponto e aprimoramentos para uma operação mais suave. Desenvolvia potência de 76 cv e torque de 12,1 m.kgf, suficientes para a proposta da versão. A estrela da linha, porém, era o 16V.
Derivado da linha apelidada de Sevel (fábrica do grupo na Argentina), que já tivera versões de 1,5 e 1,6 litro com oito válvulas na linha Uno, o motor importado da Itália oferecia desempenho brilhante. O duplo comando e as quatro válvulas por cilindro resultavam em 106 cv e 15,1 m.kgf com torque bem distribuído desde baixas rotações. Com ele o Palio atingia velocidade máxima de 188 km/h e acelerava de 0 a 100 km/h em 9,5 segundos. Embora apta a andar junto com Chevrolet Corsa GSi e VW Gol GTI de oito válvulas, a versão não era caracterizada como esportiva pela Fiat.
O primeiro teste da revista Quatro Rodas aprovou o Palio 16V: “Atrás da fachada de pacato carro familiar, fez de 0 a 100 km/h em 11s01, melhor que o Corsa GSi. A velocidade máxima de 182,5 km/h é boa diante do Gol GLi 1.8. O câmbio macio e preciso é bem escalonado e, com ABS opcional, transmitiu muita confiança ao motorista. O Palio sucede o Uno com vantagens (projeto novo, segurança, motor ágil, conforto, equipamentos), mas enfrenta concorrentes à altura”.
As versões ED (em verde) e EDX vinham depois com motor de 1,0 litro e 61 cv; a oferta de bolsas infláveis frontais e freios ABS era incomum nessa cilindrada
Pouco depois, em julho, a gama de opções do Palio era ampliada com o motor Fiasa de 1,0 litro, que também recebia injeção multiponto para obter a maior potência da categoria (61 cv) e 8,1 m.kgf. Era oferecido em duas versões: ED, bastante despojada e com três portas apenas, e EDX, com três ou cinco portas e acabamento superior, ambas com para-choques em preto fosco. O processo de sucessão do Uno por essas opções começava com a definição de uma versão única SX para 1997. A fidelidade dos proprietários àquele que já era o carro mais barato do Brasil, porém, lhe garantiria uma longa sobrevida.
Em comparativo de seis modelos de 1,0 litro, a Quatro Rodas colocou o Palio ED em terceiro lugar: “Não venceu nenhum item, mas tem bom número de equipamentos”. Ele foi o melhor em velocidade máxima, o segundo em retomada, o quarto em consumo médio e aceleração de 0 a 100 km/h e o pior em espaço de frenagem. Comparado ao arquirrival Gol, ganhou melhor nota em manutenção, mas perdeu em conforto e segurança.
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