Com três gerações, uma das quais também fabricada no Brasil, o sucessor do Uno cativou pelo estilo e pelas versões esportivas
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
Mesmo que tenha ficado longe do feito — quase 30 anos — alcançado por seu similar brasileiro, o Fiat Uno europeu teve uma carreira longa e de grande êxito, com produção entre 1983 e 1995 na Itália e por mais sete anos na Polônia. Quando o bem-sucedido projeto de Giorgetto Giugiaro começava a acusar a idade, a fábrica italiana deu partida à concepção de seu sucessor, o projeto 176.
Giugiaro foi convocado mais uma vez para desenhar o novo compacto italiano, que fazia sua estreia em setembro de 1993 no Salão de Frankfurt, na Alemanha. Os métodos do projetista — linhas simples, funcionais, com grande aproveitamento do espaço e a capacidade de atravessar o tempo sem revelar defasagem — chegaram a um desenho feliz, sintonizado às tendências da década de 1990, mas atemporal o bastante para parecer agradável ainda hoje.
Bastante “limpo”, com um mínimo de vincos e adornos, o estilo do Punto (ponto em italiano) era marcado pela ausência de grade dianteira — o ar era admitido para o radiador apenas pela tomada do para-choque, assim como no Honda Civic e em algumas versões do Ford Escort, na época, ou no Ford Sierra e no VW Passat de alguns anos antes. O capô em cunha acentuada terminava na base alta do para-brisa, a meio caminho entre um hatchback e uma minivan. Na traseira, as lanternas subiam pelas colunas, o que se tornaria característica do modelo — com vantagens como visibilidade no tráfego urbano, podendo ser vistas através dos vidros dos carros à frente, e menor vulnerabilidade em pequenas colisões.
Linhas curvas, frente sem grade, lanternas traseiras elevadas: desenhado por
Giugiaro como o Uno, o Punto mostrava os padrões de estilo dos anos 90
Com 3,76 metros de comprimento, 1,62 m de largura, 1,45 m de altura e 2,45 m de distância entre eixos, o Punto era maior que o Uno em todas as dimensões e estava disponível com três e cinco portas. No interior, o acabamento S era um tanto simples. O SX acrescentava conta-giros e controle elétrico de vidros, enquanto o ELX vinha com para-choques na cor da carroceria e revestimento superior, além de oferecer opções como ar-condicionado, direção assistida, bolsas infláveis frontais e freios com sistema antitravamento (ABS). O pacote ED, aplicado ao S, trazia câmbio mais longo para favorecer a economia de combustível.
A versão mais “quente” era a GT, com
o motor de 1,4 litro usado antes pelo Uno Turbo,
para acelerar de 0 a 100 km/h em 7,9 segundos
A arquitetura mecânica mantinha o motor transversal, a tração dianteira e a suspensão McPherson à frente dotada de subchassi. Na traseira, porém, era adotado um sistema mais sofisticado, independente com braço arrastado com molas helicoidais, como no Tipo e no Tempra italiano, em vez do eixo de torção do antecessor (vale notar que o Uno brasileiro usava o conceito McPherson com feixe de molas atrás, solução herdada do 147). Avanço em segurança passiva era o FPS (Fire Prevention System, sistema de prevenção de incêndio), uma válvula inercial que interrompia a alimentação de combustível em caso de impactos, usada pela primeira vez em um Fiat de grande produção.
A ampla gama de motores a gasolina incluía unidades de 1,1 litro (potência de 54 cv e torque de 9 m.kgf com injeção eletrônica monoponto), 1,25 litro (60 cv e 10 m.kgf com injeção monoponto, 73 cv e 10,4 m.kgf com multiponto), 1,6 litro (88 cv e 12,9 m.kgf, multiponto) e 1,4 litro com turbocompressor e injeção multiponto (136 cv e 20,4 m.kgf); as opções a diesel eram de 1,7 litro, com turbo (71 cv e 13,7 m.kgf) ou sem (57 cv e 10 m.kgf)). Um câmbio automático de variação contínua (CVT), oferecido na versão Selecta de 60 cv, era alternativa ao manual de cinco marchas; um manual de seis equipou por algum tempo a versão de 54 cv.
Carrocerias de três e cinco portas e motores entre 54 e 136 cv, a gasolina e a
diesel, formavam o leque de opções; a foto do painel mostra a versão ELX
A designação comercial das versões seguia sua potência — Punto 55 S, Punto 75 ELX — e não a cilindrada. Nessa fase inicial, a versão mais “quente” era a GT, que mantinha o motor de 1,4 litro com turbo, resfriador de ar e injeção usado antes pelo Uno Turbo para acelerar de 0 a 100 km/h em 7,9 segundos (ajudado pelo baixo peso, 1.000 kg) e alcançava a máxima de 200 km/h. O conteúdo do esportivo passava por rodas de 14 pol com pneus 185/55, saias laterais, freios a disco nas quatro rodas com ABS, bancos especiais e volante regulável em altura com forração em couro. Os opcionais incluíam bolsas infláveis frontais e bancos de couro.
Na revista Car britânica, o Punto 55 EL enfrentou o Ford Fiesta SX 1,3 e o Renault Clio RN 1,2: “Seu motor de alta rotação e a caixa de seis marchas colocam você em ação. Espaço, individualidade, qualidade e durabilidade são pontos fortes, também. Como carro divertido, porém, o Punto desaponta por sua direção e seus bancos. Assim, há uma nova vitória do Clio”.
O Punto obteve êxito imediato: em 12 meses alcançava 640 mil unidades vendidas e, após um ano e meio, chegava à marca de um milhão e meio de exemplares. A imprensa especializada elegia-o Carro do Ano na Europa em 1994. Nesse ano era apresentado o conversível Cabrio, de quatro lugares, com capota de lona de acionamento manual ou elétrico, de acordo com a versão. As lanternas traseiras horizontais davam aspecto diferente à versão, com a carroceria construída pela Bertone. Pesava 100 kg mais que a versão fechada por causa de reforços estruturais, como o do arco do para-brisa, que dispensava a barra transversal atrás das portas usada, por exemplo, no antigo Ritmo Cabrio.
O Punto GT (em verde), com motor turbo herdado do Uno, acelerava de 0 a 100
em 7,9 segundos; o Sporting (vermelho) era uma alternativa mais barata
O conversível podia ser equipado com os motores de 60 e 88 cv. A opção por um propulsor tão modesto, ainda que pareça estranha em uma versão com certo apelo esportivo, tinha sua razão: atender ao mercado de motoristas recém-habilitados da Itália que, na época, não podiam dirigir carros com velocidade máxima acima de 150 km/h ou potência superior a 68 cv por tonelada de peso (menos que 14,7 kg/cv).
A francesa L’Automobile Magazine avaliou o Cabrio, que mostrou como destaques o estilo, o preço competitivo e os quatro lugares, sendo criticado pelo vigia traseiro em plástico e o porta-malas muito pequeno (230 litros). Na Itália, a Quattroruote colocou o Punto 60 S diante do Opel Corsa Swing 1,4 e do Volkswagen Polo Comfort 1,3. Ao lado do menor consumo, os destaques do Fiat foram aceleração, retomada de velocidade, aerodinâmica e climatização, enquanto a ausência de direção assistida e os equipamentos escassos mereceram críticas. “Os 58 cv conferem ao Punto boa agilidade e amplas possibilidades de uso interurbano”, definiu a revista italiana.
Claro que as versões esportivas entusiasmavam mais pelo desempenho. A Sporting 1,6 de 88 cv, lançada em 1995, foi testada pela Quattroruote, que anunciou: “Com esse Fiat quase esportivo você se diverte, graças à mecânica bastante brilhante e ao novo chassi. O carro insere-se rapidamente na trajetória e a direção está mais precisa e veloz nas manobras e correções. Dessas pequenas coisas nasce um comportamento mais ágil, mais divertido. Em suma, o Sporting não pode ser definido como um esportivo a 100%, mas se dirige com prazer”. O carro acelerou de 0 a 100 km/h em 11,1 segundos e alcançou 176 km/h.
A Bertone construía o Punto Cabrio, ou conversível, com quatro lugares e sem
barra transversal; na versão mais potente a capota trazia comando elétrico
O Punto GT foi comparado pela inglesa Car ao Honda Civic Coupe LSi, ao Peugeot 106 XSi e ao Vauxhall (Opel) Tigra. O Fiat ganhou elogios pelo “motor turbo, o mais potente aqui, que lhe dá desempenho entusiasmante”, e o bom aproveitamento de espaço trazido pela cabine mais retilínea que a do Civic ou a do Tigra. Sua aceleração de 0 a 96 km/h em 8,2 segundos foi claramente mais rápida que a dos concorrentes, entre 10,2 e 10,6 s, assim como as retomadas, mas ao preço do maior consumo do grupo.
“Todos podem se considerar vitoriosos: o Punto pelo desempenho, o Tigra pelo estilo, o 106 pelo espirito, o Civic pela sofisticação”, explicou a revista, mas o Fiat ficou em último lugar: “Seu problema é a falta de refinamento na estabilidade (com o que conviveríamos) e de bancos dianteiros decentes (com o que não). Se a Fiat resolvesse esses inconvenientes, o Punto GT seria o carro a ser batido”. Os ingleses viram no Honda a melhor opção do grupo.
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