O sucessor do retilíneo sedã 21 esbanjava elegância, um atributo que se perdeu nas duas gerações posteriores
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
A década de 1980 marcou, em termos de estilo, o início das linhas arredondadas para a maioria dos automóveis. Motivado pela busca de eficiência aerodinâmica que resultou das crises do petróleo de 1973 e 1979, o padrão retilíneo dos anos 70 passou a dar lugar a curvas e cantos suaves, em uma preparação para o que seria o desenho típico da década seguinte. Na Renault, o sedã médio 21 lançado em 1986 ainda refletia o antigo padrão retilíneo, o que o deixou bastante superado diante de concorrentes do começo dos anos 90 como Citroën Xantia e Ford Mondeo.
Os franceses respondiam em janeiro de 1994 com um novo modelo designado, a exemplo do Clio (1990) e do Safrane (1992), por nome em vez de número: Laguna. Homônimo do roadster esportivo revelado como conceito em 1990, o modelo de produção era um elegante hatchback de cinco portas, 4,51 metros de comprimento e 2,67 m de distância entre eixos. A ruptura com o estilo retilíneo do 21 havia sido completa — curvas e linhas suaves formavam o belo conjunto criado pela equipe de Patrick Le Quément. Entre os detalhes bem desenhados o capô avançava sobre a grade, alojando o emblema do losango, e sobre os para-lamas em uma linha que servia de base para as janelas.
O estilo elegante era um ponto alto do primeiro Laguna, tanto no hatch quanto na perua Nevada, que podia vir com sete lugares
A prática configuração de cinco portas era muito bem aceita na França, embora não tanto em alguns mercados europeus. Sob o capô o Laguna não apresentava grandes evoluções sobre o 21: a maioria dos motores era herdada do antecessor. Havia unidades a gasolina de 1,8 litro (potência de 95 cv) e 2,0 litros (115 cv) com quatro cilindros e a diesel de 2,2 litros (85 cv, ainda aspirado). No topo da linha estava o tradicional V6 PRV, projeto conjunto com Peugeot e Volvo usado desde os anos 70, de 2,95 litros e 167 cv.
O nome veio de um roadster de conceito, mas o Laguna de produção era um elegante hatchback de cinco portas e linhas suaves criadas pela equipe de Patrick Le Quément
Todos usavam transmissão manual de cinco marchas, com opção pela automática de quatro em algumas versões, e tração dianteira. A suspensão dianteira seguia o esquema McPherson, mas a traseira recorria ao conceito independente com braços arrastados e barras de torção, típico dos carros franceses da época. A revista inglesa Car comparou-o ao Xantia e ao Mondeo, todos com motor 2,0. Apesar do desempenho modesto, o Laguna mostrou qualidades: “Tem painel e interior de muita classe, o melhor aqui. Muito próximo ao Mondeo em capacidade de curvas, ele vence a disputa de chassi pelo conforto ao rodar e a absorção de irregularidades. O motor é competente, mas lhe falta alma”.
O acabamento de luxo Baccara, acrescentado pouco depois, trazia revestimento parcial dos bancos em couro bege e maior conteúdo de série. Em setembro de 1995 vinha a perua — chamada de Nevada, como a antecessora da linha 21 —, cujo desenho esbanjava criatividade: os vidros laterais traseiros pareciam vir do teto e as lanternas verticais alcançavam as colunas, como na Volvo 850 de 1991. O visual fora previsto pelo conceito Evado. Algumas saíram com dois pequenos bancos no compartimento de bagagem em total de sete lugares.
Faróis e para-choques mudavam em 1998; os motores tinham como topo de linha o PRV V6 de 2,95 litros e 167 cv
O motor de 2,0 litros e quatro válvulas por cilindro (140 cv), compartilhado com os Volvos S40 e V40, e um turbodiesel de 1,9 litro (100 cv) com injeção direta eram adicionados. O desenho do primeiro Laguna mudou pouco durante sua produção. Retoques em para-choques e faróis vinham em 1998, junto de bolsas infláveis laterais e novos motores: a gasolina de 1,6 litro/110 cv, 1,8 litro/115 cv e 2,0 litros/136 cv (todos com 16 válvulas) e a diesel de 1,9 litro/110 cv e 2,2 litros/115 cv. Um sintetizador de voz alertava sobre cintos não atados, rodagem em piso molhado e qualquer anormalidade no carro. O modelo representou a Renault no Campeonato Europeu de Turismo.
A avaliação da Nevada pelo Best Cars apontou “uma grande combinação de conforto, desempenho e comportamento dinâmico, temperada com um estilo de beleza indiscutível. O motor de 2,0 litros e 140 cv compõe um conjunto muito adequado com o amplo espaço interno e a dotação de itens de conforto e segurança. Cativa o comportamento dinâmico irrepreensível: firme, ‘colada’ ao solo”.
Depois de sete anos e 2,35 milhões de unidades produzidas, o Laguna passava em 2001 à segunda geração. Permanecia um cinco-portas, mas estava maior (4,58 m com 2,75 m entre eixos) e talvez não tão elegante quanto antes, embora os faróis e a grade ampliados seguissem os padrões da época. Em vez da terceira janela lateral, o vidro traseiro envolvia ligeiramente as colunas. A perua, renomeada Sports Tourer ou Grand Tour conforme o mercado, abandonava as soluções originais em nome de um desenho mais convencional e não tinha mais os bancos suplementares.
O desenho da segunda geração estava mais controverso; a perua descartava as lanternas elevadas; no interior refinado, cartão para acesso e partida
O interior de linhas originais trazia comodidades como ar-condicionado automático de duas zonas e sistema de navegação. Inovação era o cartão eletrônico que substituía a chave, tanto para obter acesso ao carro e quanto para partida do motor por botão. Como avanços em segurança, controle eletrônico de estabilidade vinha de série em toda a linha (inédito na categoria) e sua proteção dos ocupantes em impactos mereceu nota máxima no teste do EuroNCap. Faróis de xenônio equipavam as versões superiores.
Alguns motores vinham da fase final do modelo anterior: 1,6/110 cv, 1,8/117 cv, 2,0/135 cv, V6 de 2,95 litros/210 cv (agora com 24 válvulas), todos a gasolina, além do 1,9 turbodiesel com até 120 cv. Inéditos eram o 2,0 aspirado de 140 cv com injeção direta e o turbo de 165 cv, que o habilitava a acelerar de 0 a 100 km/h em 8,5 segundos com caixa manual de seis marchas. Nas demais versões havia a manual de cinco e em parte delas a automática de quatro marchas, de série no V6.
Compartilhada com o maior Vel Satis e a minivan Espace, a plataforma adotava eixo traseiro de torção em lugar da suspensão independente. Novos motores eram adotados em 2005, ao lado de leves mudanças visuais e controle elétrico do freio de estacionamento: o 2,0 turbo vinha com 170 ou 205 cv, este para o esportivo GT, capaz de 0-100 em 7,2 segundos. Na linha a diesel surgiam o 1,9 de até 130 cv e o 2,2 de 140 cv, ambos com filtro de material particulado, seguidos pelo vigoroso 2,0 de 150 ou 175 cv. Esse modelo alcançou 2,18 milhões de unidades.
As duas primeiras gerações foram vendidas no Brasil como hatch e perua, entre 1994 e 2003, mas a inicial teve mais opções de motores (2,0-litros e V6) que a segunda (apenas V6).
No terceiro Laguna, evolução do tema do estilo e ênfase na qualidade; o motor de topo era um novo V6 de 3,5 litros e 240 cv com seis marchas
O terceiro Laguna era apresentado em junho de 2007 com metas elevadas de qualidade para compensar os problemas crônicos do antecessor. Mais longo (4,69 m com entre-eixos de 2,76 m), só que mais leve, lembrava bastante o anterior em estilo, embora o estreito vão usado como grade o diferenciasse com clareza de frente. Hatch e Grand Tour usavam uma plataforma que seria comum a diversos modelos da Renault (Safrane, Latitude, Talisman), Nissan (Altima, Maxima, Murano, Teana) e da associada sul-coreana Samsung (SM5, SM7).
Os motores iniciais a gasolina eram aspirados de 1,6 litro (115 cv) e 2,0 litros (140 cv) e turbo 2,0 (170 ou 205 cv), além dos turbodiesels 1,5 (110 cv) e 2,0 (130, 150 ou 180 cv). Houve também os V6 de 3,5 litros a gasolina (240 cv) e 3,0 a diesel (235 cv). O mais potente 3,5 permitia 0-100 km/h em 7,4 segundos e máxima de 244 km/h. Todos tinham seis marchas, fosse na caixa manual, fosse na automática. A versão GT trazia sistema de esterçamento das rodas traseiras no mesmo sentido das dianteiras, em alta velocidade (maior estabilidade em mudanças de faixa), ou no sentido oposto em baixa (menor diâmetro de giro, o mesmo de um Clio).
A perua a diesel de 180 cv foi aprovada pela Car: “O GT tem não só novos motores, como o chassi Active Drive com direção nas quatro rodas. Ele melhora muito a estabilidade em alta e eleva a segurança ativa. Também detecta uma frenagem em piso com diversas superfícies para ajustar o ângulo das rodas traseiras. O sistema pesa apenas 19 kg. O motor é sensacional — refinado, suave e bom de girar — e adapta-se muito bem ao caráter da GT, mas pelo alto preço muitos ficarão tentados pelo prestígio e o valor de revenda de um BMW, Mercedes ou Audi”.
O Coupé diferenciava-se bastante dos outros Lagunas, mas usava os mesmos motores; a linha a diesel chegava a 235 cv no V6 de 3,0 litros
Antecipado por um conceito no ano anterior, o Laguna Coupé aparecia em 2008 como um atraente duas-portas de quatro lugares linhas próprias e esportivas, caso das lanternas traseiras de perfil baixo: quase nada na carroceria era comum ao hatch. Podia receber os mesmos motores da linha, salvo o 1,6 a gasolina. Os modelos 2011 vinham com pequenas mudanças na frente e parada/partida automática em alguns dos motores. Com as vendas na França concentradas nas opções a diesel, apenas duas a gasolina (2,0 de 140 cv e V6) eram mantidas nesse mercado.
Embora produzida também na África do Sul, na Malásia e no Paquistão (além da França como as anteriores), essa geração ficou distante do êxito das outras: apenas 361 mil exemplares feitos até 2015. Talvez por isso, a Renault optou por outro nome (Talisman) e novo formato de carroceria (sedã de quatro portas) para seu sucessor.
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