Em 25 anos e quatro gerações o SUV da Jeep perdeu apelo, mas volta a ser desejado com uma versão de 700 cv
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
No início da década de 1990, o mercado de utilitários esporte (SUVs) nos Estados Unidos estava repleto de opções: Ford Explorer, Chevrolet Blazer e seus derivados de GMC e Oldsmobile, Nissan Pathfinder e diversos outros japoneses. Diante da concorrência, a Jeep não podia ficar deitada sobre os louros do Cherokee lançado em 1984.
O Grand Cherokee fazia sua estreia no Salão de Detroit de 1992. Era o primeiro novo Jeep sob o guarda-chuva da Chrysler, que em 1987 havia absorvido a American Motors Corporation, AMC. Maior e mais moderno que o Cherokee, mantinha a estrutura monobloco — ao contrário da maioria dos adversários, baseada em carroceria sobre chassi — e suspensões de eixo rígido e media 4,54 metros de comprimento e 2,69 m entre eixos. O estilo retilíneo e imponente refletia a proposta do conceito ZJ de 1989. Era o primeiro Jeep com molas helicoidais e freios a disco nas quatro rodas, tração integral Quadra-Trac e bolsa inflável para o motorista.
Versões básica, Laredo e Limited (a mais luxuosa) recebiam motor de seis cilindros em linha e 4,0 litros de origem AMC, com potência de 190 cv e torque de 31,1 m.kgf, enquanto o Grand Wagoneer usava o Chrysler V8 de 318 pol³ (5,2 litros), 220 cv e 39,4 m.kgf, evolução do que equipara os Dodges brasileiros. Todos usavam injeção e transmissão manual de cinco marchas com opção pela automática de quatro. Havia três sistemas de tração integral: Command-Trac (temporário para uso 4×4 em pisos de baixa aderência), Selec-Trac (temporário com diferencial central para qualquer terreno) e Quadra-Trac (permanente). Versões de entrada tinham tração traseira.
Previsto pelo conceito ZJ (em marrom), o estilo do Grand Cherokee agradou; havia três tipos de tração integral, boas comodidades e motores de até 5,9 litros (à direita)
Com o fim do Grand Wagoneer em 1994, o V8 podia ser aplicado a todas as versões com caixa automática. Dois anos depois chegavam grade e volante novos e bolsa inflável para o passageiro. Um V8 de 5,9 litros com 245 cv e 47,7 m.kgf aparecia em 1998 no Limited. Além dos EUA, o modelo foi produzido na Áustria pela Magna Steyr. Mercados europeus o recebiam com um VM Motori turbodiesel de 2,5 litros, 115 cv e 30,6 m.kgf. Em um tempo no qual BMW, Mercedes-Benz e Porsche não faziam SUVs e os da Land Rover (como o Discovery) tinham menos apelo, esse Jeep tornou-se um ícone muito desejado no mercado brasileiro.
Com o Grand Cherokee SRT-8, em 2005, a Jeep respondia a X5, ML e Cayenne: o Hemi V8 de 6,1 litros e 432 cv levava-o de 0 a 96 km/h em menos de 5 segundos
A revista Motor Trend comparou a versão 5,2 ao Explorer V8 em 1996: “Com monobloco, o Jeep pesa 90 kg a menos que o Ford com chassi. O resultado é que ele é mais rápido e parece bem mais ágil. Usa um arcaico eixo rígido dianteiro, mas absorve irregularidades como uma esponja gigante. A combinação do Grand Cherokee de potência, conforto, ambiente luxuoso e capacidade 4×4 faz dele a opção mais interessante, mas, quando o novo vigor e a praticidade do Explorer forem combinados a tração integral, aquele veredito pode mudar”.
A segunda geração era lançada em 1999 com linhas mais arredondadas e elegantes, sem perder a identidade com o anterior. Com o mesmo entre-eixos, estava 10 cm mais longo e 5 cm mais alto. O espaço interno e de bagagem crescia. Enquanto o 4,0-litros do Laredo passava a 195 cv e 31,8 m.kgf, o Limited trazia um novo e moderno V8 de 4,7 litros com 230 cv e 40,7 m.kgf. Sua caixa automática de quatro marchas usava duas relações para a segunda, a mais longa aplicada em reduções.
A segunda geração estava mais arredondada e espaçosa; motor V8 de 4,7 litros era novidade; versão SE, cortinas infláveis e pedais com ajuste vinham depois
Além da tração traseira (só no 4,0), havia opção entre as integrais Selec-Trac, Quadra-Trac e a nova Quadra-Drive, capaz de concentrar 100% do torque em uma única roda em situação crítica de aderência. Caixa automática de cinco marchas no V8 era novidade em 2001, assim como rodas de 17 pol no Limited. No ano seguinte estreavam versões Sport, Special Edition e Overland, esta com motor V8 4,7 ajustado para 265 cv, pedais ajustáveis e cortinas infláveis. No mercado europeu havia um turbodiesel de 3,1 litros e 143 cv, depois substituído pelo Mercedes-Benz de cinco cilindros, 2,7 litros e 163 cv.
O Best Cars comparou o 2,7 a diesel ao Toyota Land Cruiser Prado: “Melhor mecânica no Jeep; interior mais espaçoso e confortável, com menor preço, no Toyota. O Grand Cherokee saiu-se melhor nas notas de motor, desempenho, câmbio e segurança passiva; o Prado venceu em acabamento, itens de conveniência, espaço interno e consumo. Apesar dos bons bancos, o interior do Grand Cherokee não agrada pelo acabamento simples e a acomodação para as pernas atrás. Mas suas vantagens em funcionamento e desempenho são claras, lembrando um bom motor a gasolina em ambos os aspectos”.
Desenvolvida sob a fusão Daimler Chrysler, a terceira geração de 2004 evoluía o conceito de estilo das anteriores, mas com perfil mais alongado e faróis circulares. Ele crescia 14 cm em comprimento e 9 cm entre os eixos. Boa novidade sob o capô era o motor Hemi V8 de 5,7 litros, 325 cv e 51 m.kgf, dotado de desligamento automático de quatro dos cilindros.
O SRT-8 com motor Hemi de 6,1 litros e 432 cv foi a estrela do terceiro Grand Cherokee, mas outras versões ofereciam o Hemi 5,7 e avanços em segurança
O V8 4,7 permanecia, mas o V6 de 3,7 litros e 210 cv do Liberty (aqui chamado de Cherokee Sport) substituía o 4,0-litros. O turbodiesel passava a um Mercedes de 3,0 litros, 215 cv e 52 m.kgf. Entre os três sistemas de tração integral — todos permanentes —, dois tinham reduzida e o Quadra-Drive oferecia bloqueio eletrônico dos diferenciais. A caixa automática de cinco marchas era padrão. Na suspensão dianteira, um sistema independente com braços sobrepostos marcava o esperado fim do eixo rígido, mantido na traseira. Inédito era o controle eletrônico de estabilidade.
“Em rodovia o Grand Cherokee mostra seus aprimoramentos”, confirmou a revista inglesa Autocar, “com rodar mais suave e confortável e menos inclinação em curvas. A nova direção é precisa e o menor diâmetro de giro deixou o Jeep mais ágil. O motor 3,7 vibra e faz ruído em aceleração forte, mas o Hemi empurra firme desde baixas rotações até além da faixa vermelha. É surpreendentemente suave e refinado”.
Com o Grand Cherokee SRT-8, em 2005, a Jeep respondia aos SUVs de alto desempenho BMW X5, Mercedes-Benz ML e Porsche Cayenne. O Hemi V8 de 6,1 litros, 432 cv e 58 m.kgf levava-o de 0 a 96 km/h em menos de 5 segundos; eram revistos tração integral, suspensão e controle de estabilidade. O SRT-8 recebia rodas de 20 pol e freios com discos Brembo. Retoques de estilo apareciam na linha em 2008, assim como faróis de xenônio autodirecionais, controle de estabilidade do reboque e alterações nos V8 — o 4,7 passava a 305 cv e o Hemi 5,7 chegava a 357 cv.
A quarta geração adotava plataforma Mercedes e suspensão independente com molas a ar; o motor Pentastar V6 e um turbodiesel 3,0 eram novos
O SRT-8 impressionou na avaliação do Best Cars: “Apesar das 2,2 toneladas, é força de sobra para qualquer condição de uso. Nas arrancadas o grande Jeep salta à frente, as costas colam no banco e o som do motor se manifesta, poderoso. A experiência dentro de um túnel cria dependência nos ouvidos. A suspensão dianteira mantém a estabilidade sem penalizar o conforto, mas o eixo rígido traseiro salta sobre irregularidades”.
Encerrada em 2007, a Daimler Chrysler ainda rendia frutos na quarta geração do Grand Cherokee, três anos depois. A plataforma do Mercedes-Benz ML representava grande progresso técnico ao trocar o eixo traseiro rígido por moderna suspensão independente. Outros avanços eram controle das molas pneumáticas com cinco posições de altura, seletor de terrenos (Selec-Terrain) com cinco programas para vários parâmetros do carro e sistema de áudio UConnect.
O desenho inspirava-se nas duas primeiras gerações, com faróis e para-lamas retilíneos e a grade típica da marca. Dos motores, era novo o Pentastar V6 de 3,6 litros de alumínio com 24 válvulas, variador de tempo, 286 cv e 36 m.kgf. Acima estava o Hemi V8 de 5,7 litros, 360 cv e 53 m.kgf; um V6 turbodiesel de 3,0 litros e 190 cv alcançava alguns mercados. “O novo V6 atende bem à proposta”, avaliou o Best Cars. “É 10% mais econômico que o antigo V6 de 3,7 litros, embora 38% mais potente. O Grand Cherokee mostrou um rodar silencioso e o comportamento em curvas melhorou. Em trechos de terra ele mantém o conforto, com suspensões bem calibradas”.
Em fase avançada da quarta geração, o Grand Cherokee tornava-se o SUV de série mais potente do mundo: 716 cv e 89,2 m.kgf no motor 6,2 da versão Trackhawk
O SRT-8 aparecia em 2011 com o Hemi V8 de 6,4 litros, 472 cv e 64,3 m.kgf. A aceleração impressionava: de 0 a 100 em 4,8 segundos com máxima de 250 km/h. Havia comandos no volante para trocas de marcha, tração integral aprimorada, rodas de 20 pol e suspensão mais baixa e firme com controle eletrônico. O turbodiesel ganhava opção por 243 cv em 2014, quando a linha recebia visual renovado, áudio UConnect com tela de 8,4 pol, transmissão automática de oito marchas e alertas para risco de colisão e para veículo em ponto cego nas laterais.
A avaliação da Autocar revelou: “O desempenho do SRT é tão musculoso quanto seu estilo. O motor parece mudo até você afundar o acelerador, quando se transforma em uma besta furiosa. A caixa automática é adequada, embora não tão precisa quanto as dos rivais alemães. Em modo Sport você tem menos absorção de irregularidades, mas o comportamento se torna mais direto. O modo Track é firme demais para estradas”.
Com projeto algo defasado, o Grand Cherokee recebia em 2017 a versão Trackhawk, hoje o SUV mais potente e rápido de produção em série. O motor V8 de 6,2 litros com compressor, o mesmo dos Dodges Charger e Challenger Hellcat, produzia 716 cv e 89,2 m.kgf para acelerar de 0 a 96 km/h em 3,5 s. O conjunto abrangia rodas opcionais de alumínio forjado, assistente de largada rápida e novas funções na tela do painel para parâmetros de desempenho.
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