Discreto nas formas, o sedã teve versões muito apimentadas
— e deu origem a uma das primeiras peruas aptas ao fora de estrada
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
Os carros da japonesa Subaru — um dos braços do conglomerado Fuji Heavy Industries, fundado em 1953 para construir aviões — sempre se destacaram pelas soluções técnicas incomuns. Seu primeiro projeto, o sedã 1500 de 1954, teria a primazia da construção monobloco no Japão se fosse produzido em série. O modelo 1000, de 1966, já usava motor com cilindros horizontais opostos (boxer) e o Leone, na década seguinte, seria pioneiro na tração integral em sua categoria.
Nos anos 80 a Subaru buscava oferecer um sedã médio-grande para competir com Honda Accord e Toyota Camry no mercado dos Estados Unidos, no qual a presença nipônica crescia a passos largos. Recursos mecânicos já consagrados na marca — cilindros opostos, tração integral — foram aplicados ao projeto e em janeiro de 1989 era apresentado o Legacy, nome que significa legado (na Austrália foi chamado de Liberty, para não coincidir com uma entidade assistencial do país).
Sedã e perua, ou Touring Wagon, da primeira edição do Legacy: linhas
sóbrias, motor de quatro cilindros opostos, opção de tração integral
Oferecido como sedã e perua Touring Wagon com quatro portas (ela com teto mais alto para ganhar espaço interno e de bagagem), o Legacy seguia o padrão de estilo comum nos japoneses da época, com linhas retas, cantos suaves, faróis de perfil baixo e grandes vidros rentes à carroceria. Os das portas dispensavam molduras, como é mais comum em cupês. Com 4,51 metros de comprimento e 2,58 m entre eixos, ele pesava 1.060 kg na versão de entrada. Entre os concorrentes, além dos citados Accord e Camry, estavam os japoneses Nissan Stanza e Maxima, Mazda 626 e Mitsubishi Galant e europeus como Audi 80, Ford Sierra, Renault 21, Opel Vectra e Volkswagen Passat.
A carreira de alto desempenho do Legacy
começava com um 2,0-litros turbo com 220 cv,
o mesmo que equiparia o Impreza WRX
O interior de formas simples e funcionais oferecia certos confortos, como ar-condicionado automático, toca-CDs no painel, volante revestido em couro e teto solar com acionamento elétrico. Nos EUA os cintos de segurança dianteiros tinham colocação automática para atender à legislação local, que exigia esse mecanismo como alternativa a bolsas infláveis. No Japão foi oferecido destravamento das portas pela inserção de código programado pelo usuário, como em alguns Fords.
A Subaru adotou no Legacy a nova série de motores EJ de quatro cilindros opostos. Havia opções de 1,8 litro com potência de 103 cv e de 2,2 litros com 136 cv, ambos com injeção eletrônica, embora alguns mercados tenham recebido o 1,8 com carburador por pouco tempo. Opções de 2,0-litros com 115 e 150 cv e um 2,2 com turbocompressor e 160 cv apareciam em 1991.
A série esportiva começava com as versões RS (foto), RS-RA e GT, que
obtinham 220 cv do motor turbo para o Japão e países da Europa
No Japão e em parte da Europa, a carreira de alto desempenho do Legacy começava com um 2,0-litros turbo com 220 cv e torque de 27,5 m.kgf — o mesmo que equiparia o Impreza WRX de 1993 em diante —, combinado com câmbio manual de cinco marchas, nas versões RS e RS-RA, e um automático de quatro marchas com controle eletrônico na GT. Esses esportivos vinham com rodas de 15 pol, pneus 205/60, freios e suspensão revistos e volante Momo revestido em couro.
A tração integral permanente, de série nas versões turbo e opcional em outras, mantinha o Legacy com apenas as rodas dianteiras tracionando até detectar início de perda de aderência de seus pneus, quando o pacote de embreagens com controle eletrônico fazia a conexão da tração traseira. O torque do motor era então repartido entre os eixos conforme a aderência disponível. Um diferencial traseiro autobloqueante, opcional, aumentava ainda mais sua capacidade de rodar em terrenos com lama ou neve. Versões mais simples vinham com uma tração menos sofisticada, com a transmissão à traseira acionada por botão na alavanca de câmbio.
Os freios a disco nas quatro rodas tinham sistema antitravamento (ABS) e o sistema Hill Holder, que auxiliava a saída em aclives ao mantê-los acionados até que o motorista pusesse o carro em movimento. A suspensão era independente pelo conceito McPherson tanto à frente quanto atrás e, como opção na Touring Wagon, havia um sistema pneumático que permitia ampliar a altura de rodagem a até 50 km/h para rodar sobre pisos irregulares. A direção contava com assistência variável de acordo com a velocidade.
A tração integral usava dois sistemas, um deles com atuação
automática; o volante Momo trazia esportividade ao interior do RS
A revista norte-americana Consumer Guide define essa fase do Legacy como “maior e mais refinada que o antecessor Loyale. O motor resolveu nossa reclamação: suave e silencioso, fornece ágil aceleração. O turbo é ainda mais potente e praticamente isento de retardo de atuação (lag), com a desvantagem de consumo acima da média. O espaço é adequado tanto na frente quanto atrás, com posição de dirigir confortável”.
A Popular Mechanics avaliou a versão 2,2 turbo: “O motor produz potência mais que suficiente para lidar com o trânsito. Achamos o rodar e o comportamento excelentes, apesar do subesterço, mas o espaço para cabeça no banco traseiro é apertado. O Legacy mantém seu forte apelo de engenharia com o motor boxer, o Hill Holder e a tração integral automática”. A Popular Science colocou-o ao lado de Accord, Hyundai Sonata, Galant e Stanza: “É sem dúvida o melhor esforço da Subaru até hoje. O rodar é agradável, o motor bem suave. Os pontos fracos são ruído de vento, direção vaga e a falta de ABS em versões de tração dianteira”.
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Nas pistas
O Legacy foi responsável pela estreia da Subaru no Campeonato Mundial de Rali (WRC) em 1990, três anos antes do lançamento do Impreza. O sedã RS modificado para correr pelo regulamento do Grupo A, em uma cooperação da divisão esportiva STI com a inglesa Prodrive, tinha motor turbo de 2,0 litros com 295 cv, câmbio sequencial de seis marchas e peso de 1.120 kg; mantinha a tração integral. Sua única vitória no WRC foi a de Colin McRae no Rali da Nova Zelândia em 1993, mas o escocês foi bicampeão com ele no Campeonato Britânico de Rali em 1991 e 1992. Nos anos seguintes a Subaru concentrou-se no Impreza, mais leve, para ralis.
Um recorde de velocidade foi conduzido pela Subaru nos Estados Unidos tão logo o modelo foi apresentado lá. Três unidades do RS japonês foram levados a um circuito em Phoenix, no Arizona, e dirigidos por 100 mil quilômetros em quase 19 dias à velocidade média de 223,4 km/h, parando apenas para manutenção básica, abastecimento e troca de motoristas.
Outro recorde era obtido em 1998 com a perua GT/B no Colorado, também nos EUA. Com média de 270,5 km/h, foi homologada a perua de produção em série mais veloz do mundo na categoria de 1,6 a 2,0 litros com turbo.
O Legacy voltava às competições bem mais tarde, em 2009, com a participação do protótipo B4 no campeonato japonês Super GT, na categoria GT 300. Desenvolvido pela R&D Sport, o carro mantinha a estrutura monobloco e a tração integral, mas recebia uma carroceria bem mais baixa com partes em fibra de carbono, suspensões especiais e câmbio sequencial de seis marchas. O motor era um boxer de 2,0 litros com turbo e 300 cv e o peso alcançava 1.275 kg. Participou do certame até 2011.
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