Oferecido por duas gerações como sedã e cupê, ele inaugurou
a divisão de luxo e teve um pioneiro sistema de navegação no Japão
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
Três anos antes da Toyota com a Lexus e a Nissan com a Infiniti, a Honda apresentava em 1986 ao mercado dos Estados Unidos sua divisão de luxo, destinada a enfrentar marcas alemãs de prestígio como BMW e Mercedes-Benz: a Acura. Para inaugurar a nova fase foram escolhidos dois modelos: o médio Integra e o maior e mais luxuoso Legend, com versões sedã de quatro portas e, mais tarde, cupê.
O Legend nasceu em outubro de 1985 no Japão sob a marca Honda, para a qual representava o topo de linha. O projeto iniciado quatro anos antes foi desenvolvido em cooperação com a Austin Rover inglesa, que produziria no Reino Unido tanto o Legend quanto o Rover 800 de mesma plataforma — no fim, a qualidade de construção julgada insatisfatória pela Honda levou a Rover a manter em linha apenas o carro com sua marca, cabendo à fábrica de Saitama, Sayama, construir a versão japonesa.
Com linhas retas típicas daquele período, o estilo do Legend era elegante e equilibrado, com amplos vidros — a base do para-brisa bastante baixa é característica dos Hondas da época —, vincos marcando os para-lamas e tampa do porta-malas pouco mais alta que o capô. O coeficiente aerodinâmico (Cx) 0,32 era muito bom para o tempo. O sedã media 4,81 metros de comprimento e 2,76 m de distância entre eixos. O interior requintado, mas de acabamento sóbrio, trazia comandos ao lado dos instrumentos para fácil alcance pelo motorista.
Sóbrio e elegante, o Legend chegava aos EUA como sedã com motor V6 de 2,5
litros, seguido pelo cupê 2,7; no Japão era oferecido também o 2,0-litros
A Honda optou pela configuração de motor transversal e tração dianteira, por suas vantagens de eficiência e de trem de força mais leve e compacto. No Japão eram oferecidos motores V6 de 2,0 litros, com potência de 145 cv e torque de 17,5 m.kgf, e de 2,5 litros com 165 cv e 21,5 m.kgf, ambos dotados de quatro válvulas por cilindro e injeção multiponto (o 2,0 trazia ainda coletor de admissão variável). Primeiro automóvel Honda com seis cilindros, o carro só oferecia como opcional a caixa de câmbio automática de quatro marchas com controle eletrônico — todo o restante vinha de série.
A segunda geração da Honda trazia navegador,
ainda sem comunicação com satélite, e portas que
se fechavam sem a necessidade de batê-las
Dotado de suspensão dianteira por braços sobrepostos, que foi praticamente um padrão da marca na época (até para o Civic dos anos 90), o Legend usava na traseira um sistema independente com colunas McPherson e braço arrastado. O controle eletrônico de tração foi um dos primeiros na indústria mundial e havia outros recursos técnicos avançados, como freios com sistema antitravamento (ABS), cintos com pretensionadores e direção com assistência regressiva conforme a velocidade. O motorista já dispunha de bolsa inflável frontal.
No Japão o Legend competia com Mazda Luce, Nissan Cedric e Gloria e Toyota Crown, mas nos EUA ganhou a missão de enfrentar Audi 4000 (80 na Europa), BMW Série 3 e Mercedes-Benz 190 E. Para os norte-americanos estava disponível apenas o V6 de 2,5 litros com 151 cv e, embora bem equipado — até com teto solar com controle elétrico —, o carro deixava de lado alguns itens oferecidos aos japoneses.
Mostrado na versão japonesa, o interior usava couro e madeira para um
ambiente sofisticado; na parte técnica, o controle de tração foi um dos primeiros
A revista Popular Mechanics comparou-o ao Alfa Romeo Milano, Audi 4000, Mercury Sable, Pontiac Bonneville, Saab 9000, Sterling 825 (da Rover) e Toyota Cressida — à exceção do Audi, todos com seis cilindros. “Este é o mais competente e avançado sedã do grupo — talvez no mundo —, mas não tem graça nenhuma. O melhor do Acura é seu maravilhoso V6, que gira fácil, é suave e silencioso. A suspensão e os freios são tecnicamente soberbos como o motor, mas em algum momento o carro foi suavizado, talvez em uma tentativa equivocada de se americanizar. A direção tem pouca sensação, a suspensão não gosta de estradas onduladas e o interior é sem atrativos”.
O Legend cupê estreava em fevereiro de 1987 no Japão, com comprimento e entre-eixos reduzidos a 4,77 e 2,70 m, na ordem, e altura também menor. O Cx estava ainda mais baixo, 0,30. O acabamento Exclusive trazia apliques de madeira no painel e no console, faróis automáticos e controles de ar-condicionado para o banco traseiro. Uma versão de alto desempenho do sedã aparecia no país do sol nascente um ano depois: a 2.0 Ti, com turbocompressor de geometria variável e resfriador de ar aplicados ao V6 de 2,0 litros para obter 190 cv e 24,6 m.kgf. Oferecida apenas com caixa automática, ela não chegou aos EUA.
No mesmo ano a suspensão traseira do sedã adotava o padrão de braços sobrepostos, já usado no cupê, e o V6 de 2,5 litros crescia para 2,7, o que resultava em 180 cv e 23 m.kgf (nos EUA eram 161 cv por causa das normas mais severas de emissões poluentes). A versão da Acura recebia para 1989 os mesmos faróis do modelo nipônico — até então eram diferenciados, como exigido pela legislação da América —, novos para-choques e lanternas traseiras, freios ABS e ajuste elétrico do banco do motorista com memória de posições.
Na segunda geração o Legend crescia em tamanho (4,95 metros) e subia de
categoria; o motor V6 de 3,2 litros tinha 200 cv nos EUA e 215 no Japão
Na Inglaterra, a revista Autocar testou o cupê: “O Honda está à altura de suas pretensões e seu preço. É rápido, refinado, muito bem equipado e construído, comporta-se bem, é fácil e relaxante de dirigir”. Nos EUA, a Popular Science confrontou-o a Buick Regal, Ford Thunderbird e Oldsmobile Cutlass Supreme. Além de ser o segundo mais rápido para acelerar e para frear, ele mostrou-se “um carro sólido, com comportamento impecável em curvas e rodar suave em pisos imperfeitos. Se preço é um fator, o Thunderbird é o claro vencedor. Mas, se você aceitar pagar mais US$ 10 mil, o Legend equipara-se aos melhores cupês esporte da atualidade”.
A segunda geração do Legend era revelada aos japoneses em outubro de 1990, dessa vez sem participação da Rover, que manteria o antigo 800 em linha. O sedã ganhava linhas mais suaves e arredondadas e crescia para 4,95 m de comprimento e 2,91 m entre eixos; o cupê media 4,89 e 2,83 m, na ordem. Outras novidades eram bolsa inflável para o passageiro da frente e o sistema de navegação Electro Gyrocator, que usava giroscópio a gás hélio em vez da comunicação com satélite (GPS), então ainda indisponível. Embora anunciado pela Honda nove anos antes, só no Legend o dispositivo chegava ao mercado como opção de fábrica.
A versão superior Alpha acrescentava à básica Beta itens como freios ABS, bancos revestidos em couro ou lã e ar-condicionado automático de duas zonas. No cupê, um sistema a vácuo fechava as portas sem necessidade de batê-las, como no Mercedes-Benz Classe S lançado na mesma época. Dessa vez em posição longitudinal, o motor V6 aspirado de 3,2 litros e 24 válvulas era o único disponível, com 215 cv no Japão e 200 cv nos EUA — a Honda já oferecia o Acura Vigor no segmento do Legend anterior, o que permitiu posicionar o novo modelo no patamar de Infiniti e Lexus.
Favorecido pela remodelação, o Legend Coupe chegava a fechar as portas sem a
necessidade de batê-las; no Japão surgia o primeiro navegador de fábrica
As mudanças foram aprovadas pela Popular Mechanics: “O Legend continua um dos mais refinados sedãs de luxo, com um bem-vindo acréscimo de potência. Embora pese 135 kg a mais que o original, é capaz de acelerar de 0 a 96 km/h em menos de oito segundos. O acabamento é excelente, a disposição de comandos é de primeira classe, e a vista do motorista, virtualmente irrestrita. Ele não é barato, mas em sua classe pode ainda ser a melhor compra”.
Já a inglesa Car comparou o novo sedã ao Audi 100 Quattro e ao Ford Scorpio: “Ele está muito americanizado para competir com os melhores da Europa. Embora forte em desempenho, segurança e qualidade de construção, não se comporta como um BMW 535i e não fica acima da média em espaço, conforto e refinamento. Obteve nosso respeito, mas não nossa aprovação”. O Audi venceu o confronto.
Na linha 1993 o pacote Touring aparecia para o sedã japonês, com mais 20 cv no motor (identificado como Type II), rodas de 16 pol, suspensão com amortecedores progressivos e freios mais potentes. O motor Type II estava também no cupê, sendo padrão nos EUA, com câmbio manual de seis marchas. Dois anos mais tarde, a versão da Acura ganhava novos para-choques, grade e tampa do porta-malas e surgia o acabamento GS, com motor Type II, suspensão mais firme e as seis marchas.
Embora a versão norte-americana tenha dado lugar ao 3.5 RL (depois apenas RL),
a Honda manteve o nome Legend na terceira (esquerda) e na quarta gerações
O segundo Legend foi fabricado entre 1994 e 1999 também na Coreia do Sul, onde recebia o nome Daewoo Arcadia (a Honda tinha participação acionária na marca) e concorria com os mais requintados modelos do país, como Kia Entreprise e Hyundai Grandeur. O motor era o mesmo V6 de 215 cv do Japão.
O Acura Legend foi vendido até 1996, mas após o fim da versão norte-americana o nome continuou na linha japonesa da Honda por mais duas gerações. A terceira, de 1995, trazia motor V6 de 3,5 litros e foi vendida nos EUA como Acura 3.5 RL. A quarta foi feita entre 2004 e 2012 com os V6 de 3,5 e 3,7 litros, câmbio automático e a tração integral Super Handling All-Wheel Drive como padrões; para os norte-americanos foi chamado de Acura RL. O sucessor deste último, o RLX, deve começar ainda em 2014 a ser vendido aos japoneses com o tradicional nome Legend.
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