O segundo maior sucesso da marca do duplo chevron, fabricado
por 12 anos, fez do peso e da aerodinâmica fontes de notável economia
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
Carros pequenos no tamanho, mas notáveis na criatividade e nas soluções de engenharia, foram comuns na história do fabricante quase centenário fundado em 1919 por André Citroën. O mais famoso deles é certamente o 2CV, um “guarda-chuva sobre rodas” produzido de 1948 a 1990 com formas inconfundíveis e a balançante e eficiente suspensão independente. Na década de 1970 vinham o LN, versão do Peugeot 104 — após a absorção da Citroën por esse grupo —, e o Visa, que surpreendeu pelas opções esportivas.
O projeto de um sucessor para o Visa começava em 1983. Lições do programa Eco 2000 (parceria da marca com o governo francês em busca de carros de baixíssimo consumo) foram aproveitadas, mas a ideia de um formato monovolume, com capô curto e para-brisa na mesma inclinação, foi descartada após elevada rejeição em pesquisas de público. Curiosamente, o Renault Twingo a aproveitaria com certo êxito em 1993 depois que ela se tornasse comum em minivans.
Linhas suaves e maçanetas embutidas contribuíam para a aerodinâmica
do AX; no interior, painel reto, volante de um só raio e porta-objetos
No Salão de Paris, em outubro de 1986, a marca do duplo chevron apresentava seu novo hatchback pequeno, o AX — sigla que identificava sua posição na linha, abaixo do médio BX e do maior CX. Compacto, media 3,52 metros de comprimento, 1,55 m de largura, 1,35 m de altura e 2,28 m de distância entre eixos (pouco menor que o Fiat Uno original) e era muito leve: de 640 a 850 kg, de acordo com a versão. Seu desenho simples mostrava cuidado com a aerodinâmica no capô em cunha, nas maçanetas embutidas (como as do Uno) e na cobertura parcial das rodas traseiras. A grade dianteira era mínima e havia poucos vincos e adornos na carroceria. Na traseira, lanternas verticais estreitas permitiam maior vão de acesso para a bagagem.
Sua versão a diesel tornava-se o carro mais
econômico do mundo, mas os
aficionados gostaram mesmo é do AX Sport
Embora os vidros amplos e rentes à carroceria indicassem um projeto moderno, os dianteiros tinham quebra-ventos fixos, solução em desuso na época — eles desapareceriam em 1988 na versão de cinco portas, que também usava maçanetas convencionais. Excelente para seu porte era o coeficiente aerodinâmico (Cx) 0,31. No interior do AX o painel era baseado em linhas retas e havia amplos espaços para objetos, incluindo porta-garrafas nas portas. O volante de raio único mantinha uma tradição da marca e, também a exemplo do Uno, o braço de limpador de para-brisa era um só.
Os motores iniciais de 950 cm³ (potência de 45 cv e torque de 7,2 m.kgf), 1,1 litro (54 cv e 9 m.kgf) e 1,4 litro (65 cv e 11,1 m.kgf) vinham da nova série TU, com quatro cilindros, comando de válvulas no cabeçote e carburador, associados a câmbios manuais de quatro e cinco marchas. Tração dianteira — como era tradição na marca — e motor transversal seguiam conceitos atuais para carros pequenos, enquanto a suspensão traseira independente com braços arrastados e barras de torção era um método comum entre os franceses do período.
A esportividade começava já em 1987 com o AX Sport, dotado de dois
carburadores e 95 cv no motor 1,4, conta-giros e rodas de 14 pol
O AX enfrentava ampla concorrência, com os compatriotas Peugeot 205 (mais tarde também o 106) e Renault Super Cinq (depois o Clio), o italiano Uno e os alemães Ford Fiesta, Opel Corsa e Volkswagen Polo. Uma versão 1,4 a diesel de aspiração natural com 53 cv e 8,7 m.kgf vinha pouco depois para assumir o posto de carro mais econômico do mundo — fazia 21,7 km/l em média.
Mas os aficionados gostaram mesmo é do apimentado AX Sport de 1987, com dois carburadores, 95 cv e 11,5 m.kgf no motor de 1,4 litro. O tratamento visual incluía para-choques na cor da carroceria, saias laterais e nos para-choques e rodas de 14 polegadas na cor branca (como as do Peugeot 205 Rallye), enquanto por dentro ele recebia bancos esportivos com detalhes em vermelho, conta-giros e volante de três raios. O GT vinha em 1988 com 84 cv e um só carburador no mesmo motor.
Comparado pela revista inglesa Car ao Daihatsu Charade GTI, o AX GT agradou pelo comportamento: “O carro é um prazer de fazer curvas, muito seguro, comunicativo e rápido. Ele parece à prova de erros como um VW Golf GTI. As trocas de marcha são rápidas e suaves e os bancos seguram você com firmeza. O Charade tem um motor fabuloso, mas o AX trabalha como um pacote completo: na estrada ele supera o Charade ponto a ponto, nove vezes em 10. E estabelece um novo padrão na classe”.
Com o GTI de 1991, que foi vendido também no Brasil, o motor 1,4 ganhava
injeção e chegava a 101 cv; o painel ficava mais agradável em todo AX
Injeção eletrônica monoponto aparecia em 1989 para o motor 1,4, que ficava com 75 cv e 11,1 m.kgf, seguido um ano mais tarde pelo 1,1, agora com 60 cv e 9 m.kgf. Foi também quando a Citroën lançou a versão 4×4 com motor 1,4 a gasolina, tração nas quatro rodas e suspensão elevada em 25 mm. A tração suplementar traseira era comandada por botão no painel. Foi bem recebida pelos mercados que enfrentavam inverno rigoroso e por quem buscava um carro econômico para sair do asfalto, em alternativa ao Fiat Panda 4×4.
Na linha 1991 vinham retoques de estilo (emblema da marca no centro do capô, tampa traseira redesenhada), painel mais arredondado com instrumentos maiores e suspensão aperfeiçoada. O esportivo GTI trazia injeção eletrônica, 101 cv e 12,2 m.kgf no motor de 1,4 litro e freios antitravamento (ABS). Seu visual ganhava molduras nos arcos de para-lamas, rodas de alumínio e defletor traseiro, mas os para-choques vinham em preto fosco, assim como as faixas laterais. Essa versão chegou a ser vendida no Brasil pela importadora oficial da marca, a XM.
A inglesa Autocar & Motor destacava no GTI os “ganhos em qualidade de construção, conforto e estabilidade”, assim como os freios e o preço, com críticas ao consumo e ao nível de ruído. “Para aprimorar as fraquezas do AX em refinamento, a Citroën comprometeu seus destaques — desempenho e economia. Mas o GTI encontrou uma nova dimensão em comportamento que faz dele um carro melhor do que nunca para o motorista. Para os que buscam um hatch pequeno com caráter, ele merece um olhar”.
Versões com tração integral e motor elétrico (à direita) foram oferecidas;
embaixo, o conceito Eco a diesel (à esquerda) e um AX de 1995
O motor 950 adotava injeção para 1993, mantendo os 45 cv, mas com maior torque (7,5 m.kgf). Na outra ponta da linha, o acabamento Exclusive trazia revestimento em couro, rodas de alumínio e freios ABS. O AX Electrique vinha pouco depois com motor elétrico de apenas 14 cv, apto a velocidade de 90 km/h e autonomia de 120 km — o bastante para atender a encomendas de companhias de eletricidade. Para 1995 vinha a opção a diesel de 1,55 litro com 54 cv e 9,7 m.kgf. A versão Echo, também a diesel, trazia alterações em pneus e aerodinâmica e carroceria mais leve para obter economia ainda maior: até 37 km/l.
O AX ofereceu um número incomum de edições especiais entre os vários mercados, como Air France Madame, Audace, Cascade, Chicago, Club, Dimension, Elation, En Vogue, Escapade, First, Formel, Forte, Furio, Harmonie, Hollywood, Image, K-Way, Memphis, Miami, Night Life, Noir, Olympique, Piste Rouge, Plaisir, Prestige, Reflet, Salsa, Séduction, Splash, Sportif, Spot, Spree, Teen e Teen Tonic. Outras três (GT 500 no Reino Unido, GT Opera de Paris na Alemanha e GT Volcane na França) eram o GT de 1991 com parte dos bancos em couro e rodas esportivas.
Com o lançamento do Saxo — um novo Citroën pequeno, que seguia a tendência da marca de usar nomes com “x” em vez de siglas, como Xantia e mais tarde Xsara —, em 1996, a linha AX era reduzida, a ponto de restar apenas a versão de três portas e 950 cm³ no último ano. Ele ficaria no mercado até completar 12 anos e 2,56 milhões de unidades produzidas, em 1998: o segundo carro de maior volume da história da marca, atrás apenas do 2CV. A malaia Proton fez de 1996 a 2000 sua versão sob o nome Tiara com pequenas diferenças visuais.
Mil e um derivados: o roadster Xanthia da própria Citroën, a perua Evasion
de Heuliez, o jipe Aixan Mega e o conversível BB Cabrio português
O AX rendeu projetos interessantes. A própria Citroën mostrava em 1986 o Xanthia — note a semelhança ao nome do modelo médio de 1993 —, um esportivo aberto de dois lugares com para-brisa pela metade e rodas largas. O conhecido estúdio francês de carrocerias Heuliez apresentava no Salão de Paris de 1988 a perua AX Evasion, com entre-eixos alongado em 23 cm e teto elevado, que não chegou a entrar em linha.
No mesmo ano a concessionária portuguesa Benjamin Barral revelava o AX BB Cabrio, um conversível com o motor 1,4 do GT, desenvolvido pela AG Engineering e produzido em pequena série; outras propostas do gênero viriam pela belga EBS e a inglesa Senlac Garage. Houve até jipes com carroceria de plástico, o Aixan Mega Club e o Mega Ranch, inspirados no Méhari. A fórmula da eficiência desse pequeno francês foi mesmo bem-sucedida.
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