O único esportivo de quatro lugares de Sant’Agata Bolognese unia
conforto ao desempenho de um motor V12 de 4,0 litros e até 350 cv
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
Depois de surpreender o mundo dos carros esporte com seu Miura, sedutor no desenho e revolucionário na mecânica, o italiano Ferruccio Lamborghini decidiu desenvolver um modelo de motor dianteiro com quatro verdadeiros lugares — não apenas um 2+2 como o 400 GT, evolução de seu primeiro carro, o 350 GT. Coube a Marcello Gandini, autor do Miura (e de modelos posteriores como o Countach e o Diablo), então trabalhando no estúdio Bertone, apresentar em 1967 sua proposta para o “Lambo” familiar: o Marzal.
O esportivo de conceito recorria a soluções visuais — como as portas abertas como asas de gaivota — e técnicas ousadas e incomuns, caso do “meio motor V12” na traseira, um seis-cilindros de 2,0 litros, que Ferruccio rejeitou porque não poderia aproveitar motor e transmissão existentes. O mais convencional Islero, projetado por Mario Marazzi, acabou se tornando o sucessor do 400 GT e deixou a Bertone sem o contrato de construção de carrocerias. Era preciso convencer o empresário de Sant’Agata Bolognese.
O conceito Marzal trazia algumas soluções aproveitadas pelo Espada, mas as “asas
de gaivota” e o motor de seis cilindros não agradaram a Ferruccio Lamborghini
Gandini voltou às pranchetas e criou um modelo de motor dianteiro, ainda com “asas de gaivota” — elemento que lhe rendeu outro veto pelo cliente. Mas bastou refazer as portas para que Ferruccio aprovasse o desenho do que se tornaria, no Salão de Genebra de março de 1968, o Espada, denominado como a adaga de um matador em português e espanhol. Ainda estava por se consolidar o hábito da marca de usar nomes de touros em seus automóveis.
O Espada chegava a 100 km/h em 8 segundos
e podia ser mantido por horas acima
dos 200 com conforto e baixo nível de ruído
O Espada ficava longe da harmonia do estilo de seu irmão de motor central, o Miura. A necessidade de criar espaço para os passageiros do banco traseiro levou à adoção de uma traseira alta em formato fastback e de um entre-eixos longo (2,65 metros para comprimento total de 4,73 m). Mas a carroceria de alumínio, construída pela Bertone, impunha presença.
O capô trazia tomadas de ar do tipo Naca, de origem aeronáutica, ligadas não aos carburadores, como se supõe, mas ao sistema de ventilação interna. Interessantes eram os limpadores de para-brisa montados em direções opostas, os vidros laterais traseiros que basculavam de baixo para cima (o usual é de trás para frente) e o bocal do tanque de combustível, oculto na persiana da lateral esquerda. O amplo vidro traseiro era a própria tampa do porta-malas e havia um segmento transparente abaixo dele para melhor visibilidade, como se repetiria no Maserati Khamsin dos anos 70, o Honda CRX dos 80 e outros modelos posteriores.
Não tão belo quanto o Miura, mas bastante imponente, o Espada acomodava
quatro adultos em uma carroceria esguia; a traseira tinha uma seção transparente
O interior trazia bancos revestidos em couro, apliques e volante de madeira, ar-condicionado e controle elétrico dos vidros. Curioso era o painel com uma moldura de forma octogonal nos dois maiores instrumentos, complementados por manômetro e termômetro de óleo e amperímetro, entre outros. Observadores notariam que os difusores de ar vinham de um Ford inglês, e a chave de luzes de direção, do Mini.
Seguindo a tradição Lamborghini, chassi e carroceria formavam um monobloco reforçado por subchassis dianteiro e traseiro tubulares. Posicionado cerca de 20 centímetros mais à frente que no 350/400 GT para aumentar o espaço útil da cabine, o V12 de alumínio tinha 4,0 litros, duplo comando em cada cabeçote e seis carburadores Weber 40 DCOE para obter potência de 325 cv a 6.500 rpm (45 cv a menos que o do Miura, certamente para não competir com este em desempenho) e torque de 38,2 m.kgf.
Mesmo com o peso expressivo de 1.620 kg, o Espada acelerava de 0 a 100 km/h em menos de oito segundos e atingia 240 km/h de velocidade máxima. Mais importante, poderia ser mantido por horas acima dos 200 com conforto e baixo nível de ruído raros em carros esporte. A caixa de câmbio podia ser uma ZF manual de cinco marchas ou, de 1974 em diante, a automática Chrysler Torqueflite. Surpreendia a boa distribuição de peso — 52% à frente, 48% atrás —, dada sua configuração mecânica, para o que concorria o uso de alumínio no capô.
A carroceria de alumínio era movida por um V12 de 4,0 litros e 325 cv, elevados
para 350 cv mais tarde; câmbio automático seria opcional nos últimos anos
Ambas as suspensões eram independentes por braços sobrepostos com molas helicoidais, sendo a traseira dotada de nivelamento automático de altura. Um sistema opcional Lancomatic da alemã Langen, que usava conjuntos hidráulicos no lugar de molas e amortecedores — como em alguns Citroëns —, não mostrou confiabilidade e foi oferecido por pouco tempo. Quatro freios a disco Girling atuavam dentro das rodas Campagnolo de magnésio fundido com fixação por elemento central, calçadas por pneus Pirelli Cinturato 205-15.
No teste da revista Road & Track, nos Estados Unidos, o Espada agradou: “É supremamente fácil de dirigir: o motor faz o que se quer com tal finesse que deixa os outros carros de alto desempenho parecendo brutos. Sim, ele precisa de rotações para empurrar forte este carro pesado, mas não para empurrar suavemente. Foi apenas meio segundo mais lento que o bem mais leve Miura no quarto de milha [fez de 0 a 402 metros em 15 segundos], indicando trocas de marcha bem mais rápidas. A direção é bastante pesada e o comportamento é de subesterço moderado, mas persistente. Os freios são menos satisfatórios, pois sua perda de ação foi a primeira de que lembramos em um carro europeu de alto desempenho”.
A revista concluiu: “Para seu visual fabuloso e seu lendário desempenho de V12 italiano, ele é um carro de família razoavelmente prático, com bom espaço para quatro, ampla capacidade de bagagem e facilidade de uso, mas a qualidade de construção e os freios decepcionam e o impedem de cumprir sua função com elegância”. Entre os concorrentes do modelo estavam os ingleses Aston Martin DB6 e Jensen FF e Interceptor, o suíço Monteverdi 375 L, os italianos Ferrari 365 GT 2+2, Iso Rivolta GT e Maserati Mexico e o norte-americano Avanti.
O painel original tinha elementos octogonais, já descartados na versão das fotos;
bancos traseiros vinham separados pelo largo console do túnel de transmissão
Já em dezembro de 1969 vinha a segunda série, conhecida como S2 ou 400 GTE. A potência subia para 350 cv e o torque para 40,2 m.kgf, por meio do aumento da taxa de compressão de 9,5 para 10,7:1, como no Miura S. Com isso, chegava a 255 km/h de máxima e acelerava de 0 a 100 em menos de 7 s. Painel e volante ganhavam formas mais agradáveis, o banco traseiro tinha a ventilação ampliada, freios a disco ventilado vinham nas quatro rodas (agora fixadas por cinco elementos) e aparecia a opção de direção assistida, que enfim dispensava músculos de aço para manobras de estacionamento.
A inglesa Motor comparou o S2 ao Citroën SM, ao Jaguar E-type e ao Aston Martin DBS em 1972: “Apesar do dobro de cilindros, o Espada é pouco mais rápido que o SM em baixas rotações, com torque desapontador. Quando a potência aparece, porém, ele empurra confortavelmente e alcança 160 km/h em 8 segundos a menos que o Citroën. Seu som de motor com limite de quase 8.000 rpm não tem rivais aqui: maravilhoso”.
Outros 15 cv viriam no Salão de Turim de 1973 com o Espada S3, que trazia também retoques de estilo na frente e na traseira, ar-condicionado de série, teto solar opcional, painel redesenhado, pneus 215/70 R 15 e freios e suspensão redimensionados. Para atender às normas norte-americanas de segurança eram adotados para-choques resistentes a impactos até 8 km/h, que seriam estendidos aos vendidos na Europa em 1976.
O Espada 400 GTE, ou segunda série, recebia direção assistida, mais potência e
ganhos em conforto; o Frua Faena (direita) tinha quatro portas e 18 cm adicionais
O S3 foi confrontado ao Jaguar XJS em 1976 pela Car inglesa: “O motor do Espada impressiona: sempre com pronta resposta, cheio de vida e apto a girar até 8.000 rpm com uma suavidade magnifica, ainda maior que a do Jaguar. O Lamborghini também é capaz de fazer as mesmas curvas 15 km/h acima do Jaguar, antes de mostrar que está próximo de seus limites, e tem muito maior resistência a inclinar a carroceria. Ele vale seu preço 60% mais alto que o do XJS? Acreditamos que sim e, se dinheiro não for problema, não hesitaremos em ficar com o Espada. Questionamos, de fato, como um produto tão especial quanto esse pode ser fabricado a qualquer preço”.
Algumas versões diferenciadas foram feitas. Bertone apresentou o Espada VIP, com revestimento em couro de duas cores, televisor entre os bancos dianteiros e minibares nas laterais traseiras. Outra proposta foi o Faena, de Pietro Frua, um quatro-portas de luxo revelado em 1978 em exemplar único que media mais 18 cm entre eixos. E sabe-se que ao menos um modelo 1970 foi transformado em conversível.
O Espada foi produzido até 1978 em total de 1.217 unidades — foi o Lamborghini mais vendido até então, superado anos mais tarde pelo Countach. Depois dele, nunca mais a marca italiana usou motor dianteiro (também empregado pelo Jarama da mesma época, baseado em sua plataforma com entre-eixos reduzido) nem ofereceu quatro lugares para adultos, salvo no grande utilitário LM002.
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