
Desenho arrojado e inovações marcaram esse Volkswagen criado no Brasil, mas faltava potência
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
Para a indústria nacional de automóveis, a década de 1960 foi um período variado em carros esportivos. Havia os de grandes fábricas, como o Interlagos da Willys-Overland e o Karmann-Ghia da Volkswagen, e os de pequenos fabricantes, como o Puma GT (precedido pelo GT Malzoni) e o 4200 GT ou Uirapuru da Brasinca.
Alguns deles não entraram nos anos 1970, mas um sim, e com sucesso: o Puma de mecânica Volkswagen, que chegou a ser exportado a vários países. Conta-se que tal êxito incomodou Rudolf Leiding ao assumir a presidência da Volkswagen do Brasil. O executivo ameaçou interromper o fornecimento de motores à Puma, por ver nela uma concorrente para o Karmann-Ghia, e decidiu criar um adversário com o emblema da própria Volkswagen.
A tarefa de desenhar o esportivo — um projeto específico da unidade brasileira, sem participação dos alemães — coube a Marcio Piancastelli e José Vicente “Jota” Novita Martins. Centenas de desenhos foram feitos, contou mais tarde Piancastelli, tendo poucas referências indicadas por Leiding. Uma delas foi o conceito Corvair Testudo de 1963, desenhado pelo estúdio Bertone sobre plataforma de Chevrolet Corvair, com seu amplo e envolvente vidro traseiro.
Um dos esboços para o SP, com certa inspiração no Testudo de Bertone (à direita); nas outras fotos, o estudo mostrado na feira em 1971
O protótipo era apresentado ainda sem nome na exposição A Alemanha e Sua Indústria, realizada no Pavilhão Bienal do Parque Ibirapuera em março e abril de 1971. As placas o identificavam apenas como Modell Studie, ou estudo de modelo em alemão. Causou sensação com o perfil baixo — apenas 1,15 metro de altura — e as linhas ousadas.
No lançamento ao mercado, em junho de 1972, a Volkswagen escolheu como nomes duas siglas: SP1 para a versão menos potente, com o motor de 1,6 litro conhecido da Variant, e SP2 para a dotada de inédito motor de 1,7 litro. “SP” era uma homenagem ao estado de São Paulo, assim como o Brasília faria alusão à capital federal no ano seguinte, mas há quem defina a sigla como sport prototype ou protótipo esporte.
O desenho arrojado era o ponto de destaque do SP. Se a frente com quatro faróis circulares de lâmpadas halógenas lembrava a de TL e Variant, o restante tinha a própria identidade, com um perfil esportivo e cabine recuada (apesar do motor traseiro), que deixava os dois ocupantes próximos às rodas de trás. Os para-choques de aço recebiam revestimento emborrachado para evitar danos em impactos leves.
Muito baixo com 1,15 metro, o SP esbanjava esportividade no estilo; as tomadas de ar nas colunas foram adição de última hora
Nas colunas traseiras, tomadas de ar para o motor lembravam guelras. Ausentes do estudo inicial, foram adicionadas depois que testes mostraram aquecimento excessivo do motor. Outras alterações naquela região se comparada à do estudo também eram negativas: uma estranha saia em cor prata encobria o silenciador do escapamento, com uma só saída no canto esquerdo em vez das duas centrais, e uma luz de ré com ar improvisado era adicionada.
Apesar do estilo típico de um grã-turismo, o SP2 estava limitado ao motor arrefecido a ar, com o qual acelerava de 0 a 100 km/h em 14,2 segundos
No interior os bancos ofereciam apoio regulável de cabeça, certo apoio lombar e opção de revestimento em couro no SP2. O painel completo, feito de plástico deformável, incluía conta-giros, relógio e (também na versão mais potente) termômetro do óleo e amperímetro. O carro vinha com volante esportivo de três raios com forração que imitava couro, rádio (opcional) e ventilador e dispunha de bons espaços para bagagens, de 140 litros na dianteira e de 205 na traseira, incluindo o vão atrás dos bancos e o compartimento sobre o motor.
O SP trazia inovações aos carros nacionais, como cintos de segurança de três pontos e tampa do porta-malas que abrangia o vidro traseiro — os hatchbacks ainda não haviam surgido no Brasil. Era o primeiro brasileiro (e seria o único até 2012, quando viesse o Toyota Etios) a usar pantógrafo no limpador de para-brisa do lado do motorista, uma articulação que ampliava a área varrida pela palheta.
A publicidade buscava prestígio ao carro mais potente da Volkswagen, mas essa potência estava longe de cumprir o que o estilo prometia
Também inéditos eram o limpador temporizado, com varridas intermitentes, e o sistema pneumático de esguicho do para-brisa seguido do acionamento das palhetas. A pressão vinha do estepe no porta-malas dianteiro, o qual não podia estar com menos de 25 lb/pol². No mesmo local ficava a bateria, bem vedada e por isso difícil de abastecer com água destilada.
Apesar do estilo típico de um grã-turismo, o SP estava limitado ao motor traseiro arrefecido a ar de quatro cilindros horizontais opostos (boxer). No SP1 a unidade de 1.584 cm³ produzia potência bruta de 65 cv (54 cv pelo padrão líquido usado hoje) e torque de 12 m.kgf, o bastante para velocidade máxima de 150 km/h e aceleração de 0 a 100 km/h em 16,3 segundos. Com maior diâmetro de cilindros para deslocar 1.678 cm³, o do SP2 oferecia mais 10 cv e torque de 13 m.kgf para chegar a 161 km/h e acelerar a 100 em 14,2 s, sempre de acordo com a fábrica.
Nos dois casos era usado o motor de construção plana, com turbina de refrigeração montada no virabrequim, como na Variant, mas o SP2 tinha maior taxa de compressão (7,5:1) e por isso se recomendava o uso de gasolina “azul”, de maior octanagem. A transmissão manual de quatro marchas também seguia a do restante da linha “a ar”, mas com relação mais longa no diferencial.
Próxima parteLimpadores de para-brisa e borracha nos para-choques traziam inovações; o interior tinha painel completo e bancos envolventes
A suspensão independente (por braços arrastados na frente e semieixos oscilantes na traseira, ambas com barras de torção) era mais firme que nos demais modelos, os freios usavam discos na dianteira e as rodas de aço de 14 polegadas, mais largas, recebiam pneus radiais 185/80 R 14 em vez dos diagonais. A fábrica previa usar rodas de magnésio no SP2, como apareceu no conceito de 1971 e por bom tempo constou do manual do proprietário, mas testes com as rodas então feitas no País não a convenceram quanto a resistência e qualidade.
O processo de fabricação do SP envolvia uma trabalhosa logística com a Karmann-Ghia, também sediada em São Bernardo do Campo, SP. As chapas de aço, estampadas na fábrica Anchieta da Volkswagen, seguiam para solda e armação da carroceria na Karmann a 4 quilômetros dali. Então os conjuntos voltavam ao fabricante para pintura e iam de novo à parceira para montagem final. Esse processo justificava em parte seu alto preço: em novembro de 1972 o SP1 custava 28.900 cruzeiros, e o SP2, Cr$ 30.900, enquanto um TL saía por Cr$ 21.795 e um Chevrolet Opala Luxo quatro-cilindros não passava de Cr$ 28.665.
No primeiro teste do SP2, a revista Quatro Rodas lamentou o fraco desempenho: “Esse carro bonito, que poderia ter sido criado no estúdio do mais famoso estilista italiano, tem uma mecânica resistente, mas de desempenho muito limitado. Ele anda apenas como a maioria dos carros médios brasileiros. Para um GT, a aceleração (0 a 100 km/h em 17,4 segundos) é fraca. A estabilidade é boa, mas em curva fechada ele derrapa com a traseira, o que exige perícia do motorista. O barulho do motor incomoda quando se dirige por muito tempo”.
Reconhecimento: um SP2 restaurado está no museu da Volkswagen alemã, em Wolfsburg, e aparece em eventos de carros antigos da marca
Apesar das ressalvas, o esportivo agradou sob outros aspectos: “O melhor do carro são o conforto e a segurança ao motorista. A posição de guiar é muito confortável, com bancos anatômicos. Os assentos são mais longos e eles dão bom suporte lateral. As portas têm um rico acolchoamento e luz para leitura na porta direita. A visibilidade para frente e para os lados é excepcional. Os freios seguram bem o carro”.
O processo de fabricação do SP envolvia uma trabalhosa logística da Volkswagen com a Karmann-Ghia, o que justificava em parte seu alto preço
Em novo teste em 1974, a revista elogiava a transmissão, o consumo (“quase inacreditável” com média de 16 km/l por seu método de medição), a posição de dirigir e a direção, criticando o desempenho (“precisaria de uns 20 km/h a mais e uns 5 segundos a menos no km de aceleração”), os freios pela má distribuição de pesos e a estabilidade sujeita a saídas de traseira. Nessa ocasião ele precisou de 20,9 segundos de 0 a 100 km/h e alcançou máxima de 156 km/h.
O SP não sofreu evoluções durante sua produção, que seguiu até 1976. Nunca obteve a aceitação esperada, em parte pela decepção com o desempenho, que levou ao apelido de “Sem Potência” (o Puma, embora também usasse o motor Volkswagen “a ar”, era 200 kg mais leve por ter carroceria de plástico e fibra de vidro), em parte pelo alto preço.
A marca cancelou o SP3, com motor “a água” de Passat e mudanças na frente e na traseira, mas uma concessionária fez a adaptação
A Volkswagen chegou a estudar uma alteração técnica que poderia dar sobrevida ao esportivo: adotar o motor arrefecido a água de 1,6 litro do Passat TS, com 80 cv líquidos, cerca de 15 cv a mais que no SP2, só que na traseira. O projeto chamado de SP3 estava adiantado, segundo Piancastelli, e previa uma frente mais baixa com faróis escamoteáveis e tomada de ar para o motor abaixo do vidro traseiro.
O fabricante encerrou o projeto, desinteressado pelo pequeno volume de vendas, mas a transformação mecânica foi feita pela concessionária paulistana Dacon em alguns carros. Um SP2 conversível, embora fizesse parte dos primeiros desenhos, não chegou ao protótipo.
A fabricação total foi de apenas 10.193 unidades, das quais meras 88 do SP1, feito só até 1973. Ele não teve exportação regular para a Europa ou os Estados Unidos, onde a altura dos faróis não atenderia à legislação, mas 681 deles chegaram à África, ao Oriente Médio e à República Dominicana. Anos mais tarde, a ousadia da Volkswagen brasileira foi reconhecida pela matriz alemã, que restaurou um SP2 branco e o mantém em seu museu na cidade de Wolfsburg.
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