Afinal, a roda livre traz economia real de combustível? Um
teste para esclarecer — e a opinião de mais um colaborador da seção
Texto e fotos: Fabrício Samahá
Atualização de 11/3/14
Tão logo mencionamos o recurso de roda livre do Volkswagen Golf Highline TSI, na segunda atualização de seu teste em Um Mês ao Volante, surgiram comentários de leitores sobre a real eficácia do dispositivo. A dúvida procede: desde que a injeção tomou o lugar do carburador nos motores, segue-se a regra de que a forma mais econômica de desacelerar é manter uma marcha engatada de modo a obter rotação acima de 1.500 rpm — valor médio, sujeito a variações —, o que leva a injeção a cortar a alimentação de combustível (cut-off). Nessa condição o consumo é zero, ou seja, o carro roda sem gastar combustível.
O sistema de roda livre propõe um retorno à velha prática da “banguela”, ou uso do ponto-morto em declives, só que aplicada de forma automática pela caixa de câmbio e encerrada assim que o motorista acelera, freia ou dá algum comando ao câmbio. O motor mantém-se ligado em marcha-lenta, que tem consumo bastante baixo, algo em torno de 1,5 litro de gasolina por hora. Ainda assim, a dúvida persiste: como gastar 1,5 litro pode ser preferível a não consumir nada?
Escolhendo o modo de condução pode-se ativar e desativar o recurso da roda livre,
cujo efeito foi posto à prova pela medição de consumo (as fotos são ilustrativas)
É fácil entender a motivação do grupo VW — também pelas marcas Audi e Porsche em alguns modelos — em adotar a roda livre, que no Golf é acionada sempre que se deixa de acelerar, desde que o seletor de modos de condução esteja ajustado para o programa Eco.
Com marcha engatada e sem acelerar obtém-se freio-motor, que faz o carro perder velocidade. Esse efeito é tão mais acentuado quanto mais alta for a rotação do motor, de modo que a quarta marcha “segura” mais o carro em declives que a quinta, a terceira ainda mais e assim por diante. Já em ponto-morto o automóvel roda solto, sem freio-motor, sendo sua velocidade limitada apenas pelo arrasto aerodinâmico e as perdas por atritos diversos, como o dos pneus no solo. Com isso, pode-se rodar por mais tempo sem voltar a acelerar que se uma marcha estivesse engatada.
Em modo Normal o Golf logo perdia
velocidade ao soltarmos o acelerador nos declives:
o freio-motor segurava claramente o carro
Afinal, qual das formas representa menor consumo?
Aproveitamos o Golf à disposição para fazer um teste prático. Definimos na Rodovia SP-70 Carvalho Pinto (que liga São Paulo ao Vale do Paraíba) um trecho de 30 quilômetros, suficiente para anular pequenas variações. O computador de bordo foi mais uma vez usado para medição — o impreciso cálculo entre abastecimentos não serve para distâncias como essa, sendo indicado apenas para longos trajetos. Foi mantida velocidade constante em cada trecho, variável de 80 a 120 km/h conforme a sinalização da rodovia.
Em modo Eco, o Golf aciona a roda livre sempre que se deixa de acelerar, o que
faz o carro rodar “solto” em declives, mantendo velocidade por mais tempo
A Carvalho Pinto presta-se bem a esse tira-teima porque tem numerosos declives e aclives. O método escolhido foi, no início de cada descida, levar o carro até 125 km/h indicados e deixar de acelerar, para que a roda livre ou o corte de alimentação pudesse ser acionado. Quando a velocidade caía a 115 km/h, o acelerador era retomado para seguir o ritmo de viagem. Para propiciar a condição de desaceleração prolongada, não usamos o controlador de velocidade.
Selecionado o modo Eco, começamos o percurso. A roda livre fazia o motor cair a cerca de 800 rpm de imediato ao deixar de acelerar, sendo o acionamento indicado também por um ideograma e a expressão Roda Livre no quadro de instrumentos. De acordo com a declividade, o Golf mantinha a velocidade muito bem — alguns trechos permitiam vários segundos com a mesma leitura no velocímetro digital, indicando que o ganho com a descida anulava os atritos que “freiam” o carro. Depois de 30 km, o computador indicava média de 102 km/h e o excelente consumo de 14,9 km/l de gasolina.
Comutamos para o modo Normal e refizemos o trajeto. Apesar de operar com rotações bastante moderadas, como 2.200 rpm a 120 km/h em sétima marcha, o Golf logo perdia velocidade ao soltarmos o acelerador nos declives. O freio-motor segurava claramente o carro, como demonstrado pelo velocímetro caindo à razão média de 1 km/h por segundo, e o motorista precisava voltar a acelerar bem antes que no modo Eco. Na verdade, a perda de ritmo em programa Normal era tanta que não faria sentido deixar de acelerar — salvo se o motorista precisasse mesmo de máxima economia, como ao procurar um posto com o combustível em reserva.
No período o Golf esteve também com Vitor de Freitas, colaborador que
rodou 275 km com predominância de rodovias e obteve a média de 13,3 km/l
Ao fim do trajeto, o veredito: 14,8 km/l para o mesmo trecho percorrido em igual velocidade média, uma diferença desprezível de 0,1 km/l ou 0,7% a favor do uso da roda livre. Poderia ser maior em outras condições? Talvez, mas é pouco provável. Em uma descida de serra, por exemplo, a roda livre não faz sentido porque deixa o carro “solto” demais, exigindo frenagens mais frequentes ou o uso do câmbio, que tira o sistema de ação. Rodovias mais planas talvez favorecessem a roda livre, mas… por que você deixaria de acelerar nesse tipo de estrada? A nosso ver, percursos como o do teste são os mais adequados para uso da função que, mesmo assim, não se mostrou efetiva.
Talvez fosse bem diferente — é preciso observar — se o Golf não tivesse um câmbio de sete marchas com a última delas extremamente longa. Caso se tratasse de um modelo de 1,0 litro e cinco marchas, como o Up da mesma marca, que gira a 4.000 rpm a tal velocidade em quinta, o “repouso” da roda livre seria bem mais aproveitado em comparação a manter o câmbio engatado, com o intenso freio-motor produzido pela elevada rotação.
E na cidade? Em regra, deixamos de acelerar porque se aproxima uma retenção de trânsito, semáforo, cruzamento, lombada. Nesses casos o freio-motor costuma ser uma boa forma de perder velocidade sem depender apenas dos freios. Na prática, ao experimentar o modo Eco do Golf, em pelo menos 90% das entradas da roda livre acabamos freando mais do que gostaríamos — e desperdiçando combustível, pois o motor se manteve em marcha-lenta em vez de cortar a alimentação.
Os materiais de acabamento “em padrão Audi” e os práticos comandos, como o de
voz para navegação e outras funções, foram elogiados pelo motorista da vez
Talvez algum tempo de adaptação do motorista resultasse em melhor aproveitamento do dispositivo, como deixar de acelerar mais cedo ao avistar um motivo para reduzir ou parar. É também uma questão de dirigir com extrema suavidade (quem consegue isso no dia a dia de hoje?) e de estar em um trânsito leve, sem sobressaltos, cada vez menos provável até em cidades de menor porte. Por isso, nossa conclusão para quem tiver um Golf ou outro modelo com a função de roda livre é não se preocupar em usá-la, mantendo o modo Normal. O consumo será praticamente o mesmo e ainda se espera menor desgaste de freios a longo prazo.
Mais um colaborador opina
Nos últimos dias o Golf passou pelas mãos do colaborador Vitor de Freitas, que tem participado da seção desde 2012. Pai de dois filhos, ele usou o VW em pequenas viagens pelo Vale do Paraíba, no interior paulista, e devolveu o carro com um sinal de positivo: “Ele é muito bom de dirigir. Esse motor com torque máximo a 1.500 giros, o câmbio de trocas rapidíssimas, a posição do motorista…”.
Vitor aprovou o Golf já pelo desenho “moderno, esportivo, mas sem exageros que nos fazem cansar das linhas em pouco tempo” e não poupou elogios ao interior. “Tudo parece projetado com esmero, dos bancos firmes, que apoiam muito bem o corpo, aos comandos simples de operar. Os materiais de acabamento estão entre os melhores dos carros médios da classe, praticamente nível de Audi. O sistema de som é uma atração à parte, com tantas opções de conexão e uma tela das maiores que já vi. Programei o navegador com comando de voz, que funciona muito bem. Chave presencial e ar-condicionado de duas zonas são muito convenientes”, ele enumera.
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