Parabéns ao Best Cars pelo excelente nível técnico. Por que as pastilhas de freio dos automóveis têm tamanho menor que a pista do disco? Como sabemos, os discos, de uma forma geral, têm desgaste muito menor que as pastilhas e com o passar do tempo se cria um ressalto na borda do disco, forçando-nos à retífica ou troca. Isso gera um custo mais alto de manutenção. Existe limitação técnica para que a pastilha entre em contato de forma completa com a pista do disco, ou isso é somente um modo de manter o comércio de peças?
Maurício Diêz – São Paulo, SP
Interessante sua observação, ainda mais por haver casos — como em freios a disco de bicicletas — em que a pastilha cobre o que você chamou de pista de disco, que seria a distância entre o diâmetro mínimo e o máximo do disco de freio.

É preciso observar que os sistemas de freio a disco produzem forças enormes entre a pastilha e o disco que, pela lei da física de ação e reação, acabam sendo repassadas às pinças e a seus suportes — forças que, em um carro pequeno, passam de 8.000 N ou 800 kg. Fica fácil imaginar que todo esse conjunto (os suportes e os elementos aos quais são presos, como a torre do amortecedor no caso de suspensão McPherson) se deforma com a aplicação de uma força tão alta. As pinças também se deformam com tal força, fenômeno notado ao pressionar o pedal de freio com certo vigor: quanto mais força se aplica ao pedal, mais fundo ele vai.
Ora, se o fluido do sistema de freios não se deforma ou se comprime sob pressão, como pode o pedal continuar a se mover com o aumento da força? Alguma coisa está cedendo — e uma delas são as pinças “abrindo” com o esforço. Aliás, muitas partes do veículo fletem, torcem e se deformam durante o uso, sobretudo em solicitações extremas. O conjunto motor/transmissão, por exemplo, “dança” dentro do cofre de forma impressionante. O fenômeno de esterçamento por torque percebido em alguns carros durante uma aceleração forte também é fruto de deformações, mas esse tema fica para outra vez.
No caso dos freios, necessita-se de “área” de disco sobrando para garantir que em uma frenagem de emergência, quando a pinça e a pastilha já não estão na posição original, a pastilha continue com toda sua área em contato com o disco. Caso não houvesse tal sobra, as extremidades da pastilha perderiam o contato com o disco, diminuindo a capacidade de frenagem e causando desgaste muito irregular à pastilha: surgiria um “degrau” na peça, com uma área pequena em relevo que, na próxima frenagem, seria a única parte em contato com o disco.
Como no uso comum não se requisitam os freios com todo esse vigor, acaba-se criando o citado ressalto, pois a pastilha entra em contato com uma superfície menor do disco. Mesmo que não fosse criado esse ressalto, o disco também se desgasta (claro que bem menos que a pastilha) e, ao atingir a espessura mínima, requer substituição. Um disco muito “fino” pode criar uma situação perigosa quando as pastilhas estiverem mais gastas: o curso dos pistões das pinças chegar ao limite sem prover a capacidade de frenagem necessária.
Por isso, infelizmente para o bolso do consumidor, o disco deve ser trocado ao atingir a espessura mínima. Uma alternativa para eliminar o ressalto enquanto não atinge esse limite é a retifica (“passe”) no momento da troca de pastilhas, para que em frenagem de emergência elas possam se “movimentar” e ter o máximo de contato em toda área do disco. No entanto, ao se considerarem os custos da retífica e de um novo disco e a expectativa de vida útil de cada caso — disco novo ou retificado —, tem sido compensador optar pela substituição.
Pode parecer um certo fomento ao comércio por trás disso tudo, mas não devemos desprezar o esforço que o sistema de freios sofre. Até hoje, ele é a única maneira eficiente e segura para converter a energia cinética (de movimento) em outra energia, no caso a térmica, por meio de atrito. Por ser feita essa conversão por atrito, sempre haverá desgaste e necessidade de reposição.
Veículos elétricos, híbridos e mesmo trens e bondes elétricos possuem sistemas de freios elétricos para frenagens leves, nos quais — grosso modo — o motor elétrico atua como gerador, criando um torque resistivo e convertendo parte da energia cinética em energia elétrica para as baterias (ou a rede elétrica que os alimenta), a chamada regeneração. Contudo, mesmo nesses veículos o freio convencional sempre está lá para frenagens mais intensas ou de emergência.
Texto: Felipe Hoffmann – Foto: divulgação Volvo