Com participantes de peso, encontro apresentou informações ligadas ao futuro do automóvel e da mobilidade
Texto: Felipe Hoffmann – Fotos: divulgação
O 8º. Simpósio SAE Brasil de Veículos Elétricos e Híbridos, que ocorreu no dia 13 de agosto, trouxe diversos participantes de peso para apresentar e dividir informações ligadas ao futuro do automóvel e da mobilidade. O volume de informação passado durante um evento desses é um deleite aos profissionais da área e aficionados pelo tema.
Começamos a lista de palestras com a CBMM (Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração) tratando sobre o uso de nióbio nas baterias de lítio, em substituição ao carbono, e sua vantagem no aumento da janela de operação segura da bateria. As baterias atuais trabalham com carga entre 30 e 80%, ou seja, apenas 50% de sua real capacidade é usada. É uma proteção contra a formação de dendritas — depósitos no anodo da bateria, ligando-se ao catodo e provocando curto-circuito entre as placas que são separadas.
Outro fenômeno evitado pelo uso de nióbio é a expansão da carcaça e de seções internas da bateria, evento que pode levar a vazamento do eletrólito (líquido) e liberar energia da bateria em forma de fogo e explosão — se uma bateria de celular quase coloca fogo numa casa, imagine uma bateria com carga muito maior como a de um carro elétrico. Há também um esforço enorme da indústria em reduzir a demanda por cobalto, uma vez que há intensa guerra civil no Congo, país com maior reserva natural.
A formação de dendrita fecha curto e provoca perda de capacidade da bateria
No fim, a proposta é oferecer baterias que suportem variações maiores de estado de carga, com isso ampliando sua capacidade de uso real sem aumentar volume e peso. Além disso, aumenta consideravelmente a vida útil para 10 mil ciclos de carga e descarga total, considerando que ao fim da vida a bateria mantenha 80% da capacidade. Como exemplo, o Chevrolet Bolt, com autonomia aproximada de 400 km por carga, teria assim uma vida útil de bateria de 4 milhões de km, ou seja, muito mais que o próprio carro.
Durante a palestra da Siemens, discutiu-se também sobre baterias com nióbio e mostrou-se um gráfico promissor. Num canto os capacitores que podem liberar muita energia (entenda-se potência) em pouco tempo, mas com pouca reserva, exemplificado como um corredor de 100 metros rasos. No outro extremo, as atuais baterias de íons de lítio dos celulares, que armazenam grande quantidade de energia, mas liberam devagar para não superaquecerem, como um maratonista. Isso mostra por que não se pode carregar rapidamente uma bateria desse tipo, o que traz aos carros elétricos um grande problema.
Há soluções de cargas rápidas, mas a bateria precisa de um sistema de arrefecimento interno, com direito a líquido de arrefecimento e radiador externo para controlar tudo. No caso das baterias com nióbio, os dois mundos são atendidos: elas podem carregar e descarregar rápido, sem problemas de aquecimento e degradação, com promessas de recarga em 6 minutos e grande capacidade de carga/energia acumulável. Claro que também se discutiu a integração de todos os sistemas da indústria na simulação de novos conjuntos motrizes — motores elétricos e baterias —, bem como a integração com o sistema. Houve até sugestão de que o carro fosse uma fonte de geração de renda, por carregar as baterias de madrugada, quando o custo da energia poderia ser menor, e ceder energia à rede durante o dia, quando demanda e custos são maiores.
E falando de energia, não se pode esquecer: para a capacidade de carregar uma bateria em apenas 6 minutos, corrente e tensão provenientes do sistema de energia elétrica devem ser enormes, exigindo redimensionamento de toda a fiação elétrica da casa do usuário e do uso de transformadores de 380 volts fornecidos pela empresa de energia elétrica. Assunto bem discutido pelo representante da Enel X, empresa de soluções de energia.
Com nióbio, a bateria de híbridos como esse BMW Série 5 poderia durar milhões de km
Afinal, muitos perguntam se haveria estrutura, tanto de geração quanto — e principalmente — de distribuição, para atender a uma demanda tão grande quando milhões de carros fossem elétricos. Nesse momento o palestrante, Paulo Maisonnave, questiona: “O que vocês acham que é mais complicado de atender, essa demanda dos carros elétricos ou um estádio de futebol no meio de um jogo? Um estádio de futebol demanda o mesmo que 10 mil carros elétricos plugados na tomada”.
Ele salientou que a maior complexidade seria trocar os transformadores para 380 V em bairros residenciais, algo que leva poucas horas por rua. Também se bateu na tecla que não adianta buscar reduzir a emissão de gás carbônico (CO2), pela eliminação dos carros com motor de combustão interna, se queimarmos gás ou mesmo carvão para produzir energia elétrica, como muitos países fazem.
Na escala mundial o carvão representa 38,3% da energia elétrica produzida, seguido pelo gás natural em 23,1% (dados da IEA, Agência Internacional de Energia, de 2016). No Brasil 65,2% vêm de hidráulica, 10,5% de gás natural e 8,2% de biomassa (bagaço de cana-de-açúcar, por exemplo). Querendo ou não, um carro elétrico é seis vezes mais eficiente que um a gasolina, ou seja, no balanço total de energia já emitiríamos menos CO2 pela própria eficiência das usinas termoelétricas, sem contar do uso de energia renovável. Interessante foi o gráfico de emissão de CO2 com cada tipo de propulsão: 140 gramas/km com gasolina, 130 g/km em híbrido-gasolina, 78 em elétrico na Europa (onde se queima muito carvão), 45 com álcool, 30 em híbrido-álcool e 10 em elétrico no Brasil.
Também se levantou a questão do hábito do consumidor, que hoje vai até um posto para abastecer. No futuro o carro será abastecido em casa, no trabalho ou em qualquer lugar enquanto parado. Também se bateu bastante na tecla da emissão de poluentes da segunda maior frota de ônibus do mundo, a de São Paulo, SP. Seus 16 mil ônibus circulando à média de 2 km/l de diesel são os grandes responsáveis pela “névoa” matinal ou mesmo aos pés ficarem pretos ao se andar descalço dentro de casa.
Mostraram-se as melhorias alcançadas, não só na questão ambiental, mas de conforto — pelo chassi mais baixo e plano e a condução mais suave — nos 383 ônibus elétricos implementados no Chile. O consumidor começou a exigir mais desse tipo de veículo, naquele país, depois que experimentou um ônibus que não dava tranco de trocas de marchas e não gerava ruído e vibrações.
Componentes da conversão de caminhão para elétrico: boa opção para cidades
Elétricos entrarão por nichos
Na palestra da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), indicou-se que a evolução não será tão rápida como muitos dizem, a começar pelo fator do custo de carros híbridos e elétricos. Hoje apenas 4% do mercado brasileiro é representado por veículos acima de R$ 100 mil, ou seja, haverá uma transição que incluirá veículos híbridos flexíveis em combustível — caso do Toyota Corolla que está por ser lançado —, para aproveitar nossa grande oferta de biocombustíveis.
Apesar da previsão de só chegarmos a um milhão de carros híbridos e elétricos em 2030, haverá nichos em que os elétricos terão grande difusão, como táxi, frotas públicas, compartilhamento de veículos e serviços de entrega. Para este último fim, destacam-se a economia em abastecimento e em manutenção de freios de caminhões pequenos de entrega urbana, já que no momento da frenagem a energia cinética é regenerada em energia elétrica para as baterias, em vez de se perder em calor pelo atrito dos freios.
Nas palestras da Volkswagen Caminhões e Ônibus e da Elatra — que trabalham com conversão de veículos pesados de combustão para elétricos —, destacou-se que o futuro do veículo elétrico tende a começar com frotas de caminhões de entrega urbanos e ônibus. Afinal, um caminhão desse tipo em muitos casos é usado apenas durante o dia e roda cerca de 400 km, autonomia atingível facilmente com a tecnologia atual.
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