No ano passado, dirigia um Toyota Corolla XEI 2014 por uma rodovia quando “apaguei” e, com o controlador de velocidade ligado a 110 km/h, saí da estrada para um “banhado”. A 25 metros da rodovia o carro parou. Minha esposa sofreu uma fratura na vértebra torácica. Os airbags do passageiro e do motorista não abriram. Segundo a CESVI não importa a violência da batida, mas sim a velocidade de desaceleração. Em 25 metros o carro foi de 110 km/h a zero. A seguradora deu “perda total” do veículo. Gostaria de opinião sobre o acidente.
Luís Fernando Pinós Barbosa – Porto Alegre, RS
Ficamos felizes com que, no fim, nada muito grave tenha acontecido. Se serve de conforto, entenda que as vibrações e oscilações que o veículo transfere para nosso corpo podem induzir ao sono, bem como a outros efeitos indesejáveis. Abordaremos o tema em breve em um artigo técnico sobre projeto de suspensão.
Seu caso é de grande ajuda para criar a cultura de se consultar o resultado do teste de colisão do carro que se pretende comprar. Cultura muito comum na Europa, no Japão, nos Estados Unidos, na Austrália e outros países, até com anúncios em televisão de organizações que testam os veículos e orientam os compradores a escolherem os mais seguros. Afinal, se você tivesse sofrido o mesmo acidente com um veículo de 1980, por exemplo, provavelmente não estaria aqui nos contando.
Você tem razão em desejar saber mais a respeito, mas deveria ficar muito feliz por não ter havido disparo das bolsas infláveis: isso significa que seu carro não sofreu desaceleração muito alta, a qual poderia causar ferimentos mais sérios. Além disso, teve a sorte de usar 25 metros para desacelerar de 110 km/h para zero. Todavia, precisa-se entender que a bolsa inflável é um equipamento suplementar para aumentar a proteção aos ocupantes: o que os salva mesmo é um projeto de carroceria e chassi capaz de, ao mesmo tempo, absorver os impactos e evitar que a célula de sobrevivência (a cabine) se deforme.
De nada adianta possuir bolsas infláveis e ter um projeto de carroceria ruim (veja nas imagens a comparação dos impactos em um BMW Série 3 2012, que obteve cinco estrelas no teste de colisão do instituto Euro NCap, e em um Brilliance BS6 chinês de 2007, que ganhou uma estrela). Em resumo, o que fere os ocupantes é a forte desaceleração sofrida pelo corpo, como ao bater a cabeça e a caixa torácica no volante. Saiba mais em nosso artigo sobre os testes de colisão.
Convidamos o leitor a fazer o teste de colocar o cinto, sentar-se na posição correta e puxar com violência o cinto para que ocorra o travamento do mesmo. Mantendo o travamento, tente forçar o corpo para frente e perceberá que mantém uma boa distância do volante. Contudo, durante um impacto forte com alta desaceleração, ocorrem diversas deformações, sobretudo por parte do corpo, que podem levar o ocupante a bater a cabeça e a caixa torácica no volante. É aí que entra a função da bolsa inflável.
Caso haja uma desaceleração muito alta, a ponto de o corpo bater brutalmente no volante (ou no painel, no caso do passageiro), a bolsa torna-se uma enorme “almofada” para amortecer esse impacto. Seguindo essa lógica, o fabricante do automóvel determina para cada veículo a desaceleração mínima que envolve o risco de contato com o volante. Se a desaceleração em um acidente for igual ou superior a esta determinada, a bolsa dispara.
Mas só a abertura da bolsa inflável a qualquer velocidade não adianta. Em geral, durante uma colisão, o motorista sofreria o impacto contra o volante após 20 e 40 milissegundos: a bolsa deve estar completamente aberta nesse intervalo de tempo. Caso abra muito rápido, pode estar já desinflando (por meio dos furos na bolsa, previstos para esse fim) no momento em que o ocupante a atinge, eliminando seu papel de amortecimento. Por outro lado, uma abertura muito lenta ferirá ainda mais o ocupante, que terá um impacto contra o volante e o segundo impacto da bolsa se abrindo.
Ou seja, a lógica que determina se a bolsa inflável abrirá ou não é definida para cada veículo. Todo carro com o equipamento possui um acelerômetro, em geral localizado no centro da cabine e entre os bancos, que mede a aceleração do veículo o tempo todo e determina a direção da desaceleração. De nada adianta abrir a bolsa se o impacto arremessar o ocupante para fora de seu campo de proteção: assim, a bolsa frontal não dispara se a colisão for lateral e vice-versa.
O mais importante de tudo é a carroceria ser capaz de impor a menor desaceleração possível aos ocupantes pela absorção de impacto (veja na ilustração como isso for previsto no novo Audi A4). Por isso, os engenheiros enfrentam maiores dificuldades em veículos com frente curta, pois a área que se pode deformar é menor. Um caso típico de excelente resultado para esse desafio de engenharia é o do Smart Fortwo, que sempre obteve boas notas nos testes de colisão, apesar de praticamente não ter parte dianteira e colocar motor e câmbio na traseira (o que adiciona massa e energia durante o impacto, ao contrário do conjunto dianteiro, que ajuda absorver o impacto).
Texto: Felipe Hoffmann – Fotos: divulgação (Euro NCap e Audi)
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