Em busca de mais desempenho e eficiência, os fabricantes avançam em recursos técnicos, mas para que serve tudo isso?
Texto: Felipe Hoffmann – Fotos: divulgação
Turbocompressor, injeção direta de combustível, variação do tempo de abertura das válvulas, desativação de cilindros, duplo circuito de arrefecimento: tecnologias como essas são cada vez mais comuns nos motores, mesmo em modelos de baixa cilindrada e preço não tão elevado. Por que tudo isso? Faz mesmo sentido que os fabricantes invistam em tanta sofisticação em motores que, há 15 ou 20 anos, eram muito mais simples?
O propósito deste artigo não é o aprofundamento no assunto de motores — há diversos livros de 500 páginas que fazem isso —, mas trazer ao leitor um resumo da tecnologia que vem sendo aplicada, seus objetivos e seus resultados. Para isso, antes de seguir, vale uma breve explicação do funcionamento dos motores para quem não está habituado ao tema.
Todos os automóveis de hoje, quando não elétricos, usam motores de combustão interna que convertem a energia de combustão em energia cinética por meio de pistões, bielas e virabrequim. Ha raras exceções como os motores rotativos Wankel, fora de uso no momento, que por suas limitações e poucas vantagens não conseguiram ganhar espaço em relação ao tipo mais comum.
O conceito fundamental para um motor de combustão interna funcionar refere-se à quantidade de ar admitido (o volume de combustível é apenas consequência). Quanto mais ar dentro dos cilindros, mais torque e potência são obtidos. A seguir, as características básicas dos motores de combustão interna por pistões:
O motor do BMW M3/M4 em corte e o turbo de um BMW V12: exemplos da tecnologia
• Cilindrada: volume interno dos cilindros (somatória de todos os cilindros). Quanto maior esse volume, mais ar e combustível podem ser consumidos no mesmo intervalo de tempo e, em consequência, mais torque e potência são produzidos. Em teoria, um motor de 2.000 cm³ ou 2,0 litros consegue aspirar o dobro de ar (e, em consequência, de combustível) no mesmo intervalo de tempo que um motor de 1.000 cm³ ou 1,0 litro, produzindo o dobro da energia. Este conceito é importante para o entendimento de outras características descritas neste artigo (saiba como calcular a cilindrada).
• Taxa de compressão: é a proporção na qual o volume do cilindro é reduzido ao se comparar o volume encontrado no ponto-morto superior (PMS) com o encontrado no ponto-morto inferior (PMI). O conceito é: quanto maior a compressão de qualquer combustão, maior a energia liberada. Como analogia, se você explodir um rojão na mão aberta sofrerá apenas queimaduras, enquanto se segurar firmemente provavelmente perderá os dedos.
Para a mesma potência, ou você pode fazer uma grande força em velocidade pequena, ou uma força pequena em velocidade alta
Em motores do ciclo Otto (a gasolina, álcool ou gás natural) a taxa de compressão é limitada pela capacidade do motor, junto à do combustível, de evitar a detonação. A central eletrônica reduz o avanço de ignição (veja a seguir) caso detecte detonação em qualquer cilindro (as centrais mais modernas conseguem detectar qual cilindro está com detonação e retardar o avanço apenas naquele cilindro). Se isso ocorrer, o torque produzido com a mesma quantidade de combustível e ar será menor, ou seja, cai a eficiência. Por isso, de nada adianta usar taxa de compressão mais alta se não se pode usar o avanço de ignição ideal para produzir o máximo de torque naquela condição. Já em motores Diesel a taxa de compressão está limitada não só pela capacidade mecânica do motor, como também pelo balanço de aproveitamento entre perdas de bombeamento e compressão com a energia liberada durante a explosão.
• Balanço energético: a energia liberada pela queima do combustível é convertida em energia térmica (calor dissipado para fora do motor) e energia cinética (energia de movimento). Quanto mais energia se converte em calor, menos se converte em movimento e menos eficiente se torna o motor — e vice-versa. Guarde também este conceito.
Conceitos básicos
O resultado disso tudo é rotação, torque e potência produzidos na saída do motor por meio da queima do combustível — mais precisamente no volante do motor. Antes de continuarmos, porém, vamos aos conceitos básicos da física:
• Força: a famosa equação F = m * a (força é igual a massa vezes aceleração). No mesmo veículo, quanto maior a força, maior a aceleração. Vale lembrar que há forças que “seguram” o veículo, que se opõem a seu movimento, mesmo em velocidades constantes, como a força de resistência ao rolamento dos pneus e a aerodinâmica.
Complexo, mas eficiente: o novo motor de 12 cilindros em “W” do grupo Volkswagen
• Torque: é o resultado de uma força aplicada a certa distância de um centro de giro. Para entender melhor, pense em uma chave de roda ou pedal da bicicleta: aplica-se uma força perpendicular a certa distância do centro. Quanto maior a alavanca (como o braço da chave da roda), maior o torque gerado. Seguindo este raciocínio, o que chega às rodas é um torque que, aplicado a certa distância do centro, gera uma força na extremidade do pneu.
• Potência: embora muito confundida com força, na verdade potência é força vezes velocidade (P = F * v). Ou seja, para mesma potência, ou você pode fazer uma grande força em velocidade pequena, ou pode fazer uma força pequena em velocidade alta. Para ficar mais didático, apesar de não ser fisicamente correto, imagine que está em uma canoa cheia de água e tem de tirar a água de dentro dela para não afundar. Para retirar a água você dispõe de um copo de 200 ml e de um balde de 2 litros. Digamos que a cada minuto você consiga tirar 10 baldes de 2 litros cheios de água, ou seja, 20 l/min.
Neste exemplo, o balde seria a força, e o volume retirado por minuto, a potência. Para tirar o mesmo volume de água por minuto com o copo — isto é, obter a mesma potência — você precisaria de 100 copos de água cheios com 200 ml. Seguindo o raciocínio, pode-se dizer que a potência produzida pelo motor em determinada rotação é o torque vezes a rotação do motor (P = T * rpm). Em um futuro artigo técnico, entenderemos a sensação de desempenho oferecida por dois tipos de motores que podem obter a mesma potência: o de aspiração natural e alta rotação e o sobrealimentado de baixa rotação.
• Relação estequiométrica: princípio que vem das aulas de Química do colégio e significa a relação ideal entre ar e combustível para o motor. Exemplo: duas moléculas de hidrogênio com uma de oxigênio formam uma molécula de água. No caso dos motores Otto esta relação é muito importante, pois garante que o combustível seja queimado de forma tão completa e eficiente quanto possível. Excesso de ar pode ocasionar falhas de combustão — quem teve carro com carburador lembra-se bem do motor “engasgando” devido a resíduos que bloqueavam os dutos de combustível —, mas excesso de combustível pode levar à queima incompleta, com menor energia liberada e maior emissões de poluentes nocivos à saúde.
No mundo do automóvel, chama-se a relação estequiométrica correta de lambda 1, sendo lambda menor de 1 considerado excesso de combustível (mistura rica) e lambda maior de 1 considerado excesso de ar (mistura pobre). Um pouco de mistura pobre, como lambda 1,1 a 1,2, tende a melhorar o consumo de combustível, mas compromete a capacidade do catalisador de converter os gases nocivos, sobretudo o monóxido de carbono (CO). Por esse motivo faz-se controle constante, por meio do sensor de oxigênio (sonda lambda), para que a mistura de combustível seja sempre lambda 1 (leia mais sobre o catalisador e os poluentes). Contudo, a mistura rica torna-se válida em certas condições como máximo torque e para resfriamento dos pistões e dos gases de escapamento.
• Avanço de ignição MBT (maximum brake torque): é o avanço de ignição considerado ideal, que produz o maior torque (e eficiência) possível em determinada condição de carga e rotação.
• Avanço de ignição BDL (border line): é o avanço de ignição considerado limite para que não ocorra detonação. O ideal é que o avanço BDL seja igual ao MBT na condição específica de carga (abertura de acelerador) e rotação, produzindo o máximo de torque e eficiência possível nessa condição. Contudo, em motores de taxa de compressão alta há maiores possibilidades de que o avanço de ignição BDL seja menor que o MBT em diversas condições, sobretudo em cargas mais altas e com combustíveis de baixa octanagem.
Isso explica o conceito de que motores flexíveis em combustível não são ideais nem para gasolina nem para álcool. Ao usar gasolina, provavelmente terão avanços de ignição BDL menores que o MBT em grande parte das condições de carga e rotação. Por outro lado, com álcool, praticamente sempre estarão com avanço de ignição BDL igual ao MBT. Por certo ponto de vista isso é bom, mas a maior resistência à detonação do álcool permitiria usar uma taxa de compressão mais alta, favorecendo a eficiência em condições de menor risco de sua ocorrência, como em cargas baixas.
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