Tecnologia: por que os motores andam tão complicados

Desligamento de cilindros Audi A1

 
A desativação de dois cilindros do Audi A1 é feita diretamente nas válvulas de admissão

 

Esse conceito de aumento de eficiência se baseia em dois pilares. Como já explicado, a relação volume/área do cilindro influencia muito a eficiência de combustão. Mais cilindros operando para receber a quantidade de ar necessária para produzir o torque requerido (relativamente baixo) significa um volume menor em relação à área total (torque baixo ou médio requer vazão de ar baixa ou média) que com menos cilindros realizando o mesmo trabalho. Além disso, reduzem-se as perdas de bombeamento e compressão por não admitir ar no(s) cilindro(s) desativado(s), o que resulta em menor energia total necessária para o motor funcionar.

O calcanhar de Aquiles dessa tecnologia está na capacidade de controle do sistema e em seu tempo de resposta. Afinal, imagine que o motor está com dois cilindros desativados e, de repente, o motorista exige o máximo de torque para uma ultrapassagem ou outra situação de emergência. Além disso, o refinamento dos carros atuais tornaria inaceitável uma atuação abrupta do sistema ao desativar ou reativar cilindros, sobretudo em modelos de luxo.

 

Volkswagen Up
Volkswagen Up TSI

 
Sistemas de injeção indireta (à esquerda) e direta dos motores do VW Up aspirado e do Up TSI

 

Os fabricantes devem levar em conta, em todos esses sistemas que operam nos comandos de válvulas, a deterioração de sua capacidade durante a vida útil do motor, pois o próprio óleo lubrificante do motor, sua pressão e vazão são usadas para ativar tais dispositivos. Com o passar do tempo, o acúmulo de impurezas e o aumento das folgas das peças pode reduzir drasticamente a capacidade de operação desses sistemas, principalmente no tempo de resposta.

 

Injeção direta e outros recursos

Outra tecnologia cada vez mais comum nos motores Otto é a injeção direta de combustível, feita dentro dos cilindros. No sistema indireto, convencional, a injeção é feita por injetores na porta de entrada da válvula de admissão, injetando o combustível com essa válvula fechada. Com isso, o combustível injetado líquido em forma de borrifo é aquecido e evaporado pelo calor presente na válvula, o que facilita a mistura com o ar na fase de admissão. A vantagem é uma mistura bem distribuída de combustível no ar admitido, o que otimiza a queima e reduz as emissões de poluentes por haver uma combustão mais completa. Cria-se, porém, maior tendência à detonação, o que faz reduzir o avanço de ignição e, em consequência, torque e eficiência.

 

Uma vantagem da injeção direta é a maior admissão de massa de ar quando se requer o máximo torque, pois não há combustível “ocupando” espaço

 

Já no sistema de injeção direta, o combustível é injetado dentro da câmara de combustão durante a fase de admissão do ar (em geral, no fim dessa fase). Uma vantagem é a maior admissão de massa de ar quando se requer o máximo torque, pois não há combustível “ocupando” espaço durante a admissão. Além disso, como o combustível não entra em contato com componentes do motor, o próprio calor dentro do cilindro será responsável por vaporizá-lo — ou seja, a temperatura da mistura antes da combustão será menor, reduzindo as chances de detonação.

Outro benefício é a partida a frio favorecida em motores que usam álcool, pois há uma facilitação para o combustível evaporar ao ser injetado dentro do cilindro com ar aquecido, devido à compressão, em vez de permanecer líquido e “preso” à válvula de admissão em baixa temperatura, sem calor suficiente para evaporar. Contudo, a atomização do combustível dentro do cilindro antes da ignição é menor, o que resulta em pior qualidade de queima e maiores emissões, que devem ser compensadas por um catalisador mais eficaz.

 

Audi S3 Sedan
Toyota Subaru motor

 
O motor turbo do Audi S3 e o aspirado do Toyota 86/Subaru BRZ (à direita): exemplos de aplicação simultânea das injeções direta e indireta

 

Alguns fabricantes, como o grupo Volkswagen e a Toyota/Lexus, vêm adotando os dois sistemas de injeção no mesmo motor para tentar unir as vantagens de cada tipo. A estratégia varia: pode-se usar a injeção indireta em cargas e rotações baixas, para melhoria em emissões (o que reduz o custo do catalisador, dotado de metais nobres e caros), e a direta para cargas e rotações mais altas, visando a maiores torque e potência. Por outro lado, usar a injeção direta para cargas e rotações baixas e médias melhora o consumo de combustível, enquanto a injeção indireta auxiliaria atender à vazão de combustível necessária para condições de altas carga e rotação. Em qualquer caso, usa-se a direta para dar partida ao motor.

Uma tecnologia que também influencia no aumento da eficiência do motor é dividir o circuito de arrefecimento entre o cabeçote e o bloco, permitindo temperaturas diferentes de trabalho por meio de duas válvulas termostáticas. Esse arranjo permite maior temperatura do bloco para que o óleo lubrificante se mantenha mais quente, com menores viscosidade e perdas de bombeamento. Por outro lado, define-se menor temperatura de trabalho para o cabeçote para redução do risco de detonação.

 

 

O interessante dessa tecnologia é a adoção de apenas um radiador, o qual deve ter a temperatura de saída do liquido de arrefecimento baixa o bastante para manter o cabeçote mais frio que o bloco. Assim, a temperatura do bloco é controlada pelo fluxo de líquido de arrefecimento que passa por ele. Um controle preciso do ventilador elétrico do radiador é mandatório para esse circuito, pois pode variar a velocidade e o fluxo de ar constantemente, não só com a antiga condição de liga-desliga.

Outros aspectos, que podem até parecer menos relevantes, também afetam a eficiência. Um desses itens é o ponto de admissão de ar do motor, estudado com atenção pelo fabricante do automóvel visando à admissão de ar com temperatura mais baixa possível. Quanto mais alta a temperatura do ar admitido, maior o risco de detonação, precisando-se retardar o avanço de ignição com prejuízos ao torque e à eficiência.

 

VW motor EA 211

 
Duplo circuito de arrefecimento do motor VW EA-211: o cabeçote trabalha mais frio

 

Muitos já devem ter notado que, após dois ou três minutos parados no trânsito com o motor ligado em dia quente, a saída do carro é notavelmente mais lenta e fraca que em outras situações. Esse tempo faz com que o ar embaixo do capô se aqueça devido à falta de fluxo, o que eleva a temperatura de admissão. Para tentar evitar situações como essa os fabricantes estudam o melhor ponto de admissão, sendo comum recorrerem a lugares um tanto estranhos como atrás da luz de direção ou mesmo dentro do para-lama, fora do cofre do motor.

Por isso, pense duas vezes antes de colocar aquele filtro de ar esportivo no lugar do filtro original, sobretudo alterando o ponto de admissão: na maioria dos casos se perde potência por esse aspecto, além de ter menor capacidade de filtragem de partículas no ar admitido, o que pode reduzir em muito a vida útil do motor. Além disso, a perda de carga dos filtros de ar originais hoje é praticamente desprezível.

Nada impede que todas, ou quase todas, as tecnologias citadas sejam aplicadas a um só motor para obter o melhor equilíbrio entre desempenho, consumo de combustível e emissões. Fazer um motor apenas econômico ou só potente é relativamente fácil: o problema é conciliar essas características. Por isso dizemos que as características de um motor — e como combiná-las da melhor forma possível — vão muito além dos simples índices de potência e torque máximos. Há muitas outros elementos responsáveis pela sensação de desempenho, algo diferente do simples desempenho, assim como o consumo e as emissões. Nossos próximos passos, em artigos futuros, são compreender o desenvolvimento dos sistemas de transmissão e como um conjunto motor/transmissão pode, ou não, resultar em um carro eficiente e prazeroso de dirigir.

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