Lançado há 45 anos, o carro pequeno da GM nasceu antes do alemão, fez família e chegou a liderar o mercado
Texto: Francis Castaings e Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
A pequena fábrica de Adam Opel começou fazendo máquinas de costura e bicicletas em Rüsselsheim, na Alemanha, em 1863. A empresa familiar lançava em 1898 seu primeiro carro, com motor de um cilindro — e não parou mais. Bem-sucedida, a Opel era absorvida em 1929 pela General Motors Corporation, que trouxe a seus carros uma nova concepção com influência dos Estados Unidos no estilo e no projeto. Dizia-se que ela fazia carros norte-americanos de tamanho reduzido.
O Olympia, de 1935, era o primeiro automóvel alemão com carroceria monobloco. No ano seguinte era lançada a primeira geração do Kadett, modelo menor com motor de 1,1 litro. Ele durou só quatro anos — a fabricação parou com a Segunda Guerra Mundial e, a seu término, os russos levavam o ferramental como espólio de guerra —, mas esse militar teve longa carreira, reiniciada em 1962 com a geração A, que foi sucedida pela B após três anos. Nomes de patentes da marinha seriam comuns na marca, como Admiral (almirante), Commodore (comodoro) e Kapitän (capitão).
A quarta geração do Kadett, a C, estreava no Salão de Frankfurt de 1973 (leia quadro abaixo). Seis meses antes, porém, os brasileiros haviam tido a primazia de conhecê-lo com outro nome, pelo qual ficaria no mercado por mais de 20 anos: Chevrolet Chevette.
Antes do Kadett C de 1973, que foi Chevrolet Chevette para nós, a Opel alemã produziu três gerações de seu modelo compacto
Mais que um carrinho
A presença da Opel no Brasil é muito antiga: foi ainda em 1935 que um Olympia, o automóvel de número 500.000 produzido pela empresa, chegou ao Rio de Janeiro a bordo do dirigível Hindenburg, a primeira vez em que um veículo era transportado pelo ar. No fim da década de 1960 foram importados pela GM do Brasil modelos Kadett e Olympia (sua versão de luxo na geração B), junto do Rekord que daria origem ao Opala. O objetivo não era vendê-los regularmente, mas testar sua aptidão para nosso piso e a receptividade do público.
O formato da frente do primeiro Chevette o identificaria como “tubarão” com o passar do tempo; as portas sem quebra-ventos causariam críticas
Após o lançamento do Opala, em 1968, a GMB passou ao projeto 909 com um investimento de US$ 102 milhões em valores da época, o que incluía a ampliação da fábrica em São José dos Campos, no Vale do Paraíba, interior de São Paulo, inaugurada em 1959. Em termos de carroceria e estrutura — mas não de motor — o projeto era compartilhado com a Opel. Várias outras marcas da GM e suas parceiras fariam a produção, montagem e venda do chamado Carro T em outras regiões do globo (leia mais nos quadros da matéria).
Com o nome Chevette, talvez um modo de expressar um pequeno Chevrolet, o segundo automóvel da marca no Brasil era apresentado em 24 de abril de 1973 na versão sedã de duas portas com acabamentos básico e SL. Um anúncio à época dizia “A GM não faria apenas mais um carrinho” para realçar seu caráter avançado.
Nascido aqui antes da Europa, o Chevette buscava na publicidade destacar os atributos do pequeno porte e disfarçar suas desvantagens, como o espaço traseiro
O Chevette tinha linhas simples e modernas — quantas vezes na história um carro foi lançado antes no Brasil que na Europa? O formato da frente identificaria o modelo inicial como “tubarão” com o passar do tempo. As portas sem quebra-ventos, seguindo o modelo alemão, causariam críticas por aqui: os brasileiros estavam habituados a esse item para aumentar a ventilação interna sob o calor tropical. O interior simples oferecia opcionais que agregavam certo conforto, como bancos dianteiros reclináveis, rádio, relógio e aquecimento.
Com 4,12 metros de comprimento, pouco mais que um Fusca, ele oferecia conforto apenas na frente. Atrás, o espaço era insuficiente: os mais altos batiam com a cabeça no teto, o vão para pernas era apertado e havia o volumoso túnel central de transmissão no centro. O túnel também deslocava os pedais para a esquerda, mesmo lado ao qual o volante ficava inclinado, o que podia incomodar o motorista.
O motor de 1,4 litro com potência de 60 cv e torque de 9,2 m.kgf (valores líquidos) trazia comando de válvulas no cabeçote acionado por correia dentada — uma solução inédita no País, assim como o fluxo cruzado de gases, com admissão por um lado e escapamento pelo outro. Lidava com um peso de 818 kg. O projeto tinha origem no motor Isuzu G140 japonês de mesma cilindrada, também usado no Chevette nos Estados Unidos, embora com comando no bloco.
Próxima parteNa Alemanha
O Kadett passou à geração C, a mesma do Chevette, em setembro de 1973. Oferecia as carrocerias sedã de duas e quatro portas, perua (como nossa Marajó) e fastback (chamado de Coupe), estes com duas portas. Os motores iniciais eram de 1,0 litro com 40 cv e 1,2 litro com 52 ou 60 cv na versão S, que podia ter caixa automática. Cintos de segurança dianteiros de três pontos eram novidade no modelo.
O modelo City aparecia em 1975 com formato hatch, o primeiro em sua história, e traseira encurtada em 23 cm. No mesmo ano vinha o esportivo Kadett GT/E com motor de 1,9 litro, injeção e 105 cv. Disponível apenas como fastback, tinha pintura em dois tons, rodas esportivas, faróis auxiliares e conta-giros. Acelerava de 0 a 100 km/h em 9,8 segundos. Ainda mais apimentada era a edição 1.000 Series, de 1977, com motor de 2,0 litros, 115 cv e caixa de cinco marchas.
Embora não houvesse versão conversível, a empresa de carrocerias Baur, de Stuttgart, aplicava painéis removíveis sobre os bancos dianteiros e capota rebatível na parte traseira. Esse modelo targa, chamado Aero, foi produzido de 1976 a 1978. Uma revisão de estilo aparecia na linha 1978 (abaixo), assim como o motor de 1,6 litro e 75 cv. O Kadett E chegava no ano seguinte, mas os alemães ainda receberam até 1982 o Vauxhall Chevette inglês.
Em Portugal, o Kadett C era vendido como Opel 1204. A razão estava no nome de outro Opel: o Ascona precisou ser renomeado (para 1604 e 1904, conforme a versão de motor) para evitar piadas naquele país, onde cona é um apelido do órgão genital feminino, o que acabou afetando o modelo menor para criar um padrão.
No Reino Unido
A alemã Opel e a inglesa Vauxhall nem sempre fabricaram carros tão parecidos como fazem hoje. No caso do projeto T, a marca britânica fez um modelo diferente com nome familiar para nós: Chevette. A produção começava em 1975 com o hatch de três portas, que se distinguia do City alemão pela frente com faróis retangulares e a parte central sem grade.
A Vauxhall abriu mão dos motores Opel para usar seu próprio de 1,3 litro com comando de válvulas no bloco, o mesmo do Viva. Sedãs de duas e quatro portas e perua de três chegavam em 1976, assim como o furgão Bedford Chevanne, vendido pela divisão de utilitários da GM inglesa.
Interessante era o esportivo Chevette 2300 HS, de 1978, desenvolvido para homologar o modelo para competir em ralis. O motor de 2,3 litros, 16 válvulas e dois carburadores produzia 135 cv e 19 m.kgf para acelerar de 0 a 100 em 8 segundos com máxima de 188 km/h. O HS tinha caixa de cinco marchas, suspensão específica, rodas de alumínio com pneus 205/60 R 13 e defletor frontal de plástico. Só estava disponível na cor prata com revestimento interno em xadrez vermelho e preto. Uma evolução, o 2300 HSR, foi elaborada com seções mais largas nos para-lamas e alterações técnicas, mas teve vida breve. Com a fusão dos departamentos de corridas da Vauxhall e da Opel, a prioridade passou ao Manta 400 e o projeto inglês foi abandonado.
O Chevette britânico foi feito até 1984, quando dava lugar ao Nova, versão do Corsa para o Reino Unido.