
Mais de 45 m.kgf por menos de R$ 200 mil? Com essas picapes é possível, mas requer concessões
Texto e fotos: Fabrício Samahá
Quando a crise do petróleo levou os Estados Unidos a impor limites de consumo para os automóveis, na década de 1970, as picapes foram a solução encontrada pelos fabricantes para oferecer ao público grandes motores de elevado torque, até então apreciados em sedãs. De certa forma, no Brasil de hoje, uma picape também é a forma mais acessível de desfrutar um motor de grande torque — algo entre 45 e 50 m.kgf —, só que movido a diesel.
Acessível, com preços já rondando os R$ 250 mil? Bem, essas são as picapes de luxo, repletas de conveniências que nem sempre são necessárias. Algumas marcas dispõem de versões mais simples e menos custosas com o mesmo motor usado nas opções de topo. É o caso da Ford Ranger Storm e da Nissan Frontier Attack, que o Best Cars colocou em um Desafio.
Desenhos atuais e bem de acordo com seu público; a Ranger foi lançada há mais tempo, mas já passou por uma remodelação
A Ranger produz potência de 200 cv e torque de 47,9 m.kgf, e a Frontier, 190 cv e 45,9 m.kgf — valores suficientes para sentir o empurrão nas costas ao acelerar forte. Ambas são competidoras também nos outros três de nossos quatro “Ps”: proposta de uso, porte e preço. O modelo da Ford custa R$ 185.790, e o da Nissan, R$ 194.490.
Estilo
As duas picapes mostram um desenho bem resolvido, com ar de acordo com o gosto do público-alvo. Pouco mais antiga (foi lançada em 2012 no exterior ante 2014 da Frontier), a Ranger já passou por uma remodelação, enquanto a atualização da rival não deve demorar a trazer ao Brasil. Essas versões recebem adereços como faixas decorativas, vistosas estruturas de caçamba (“santantônios”) e rodas em preto, que chamam atenção e as afastam da simplicidade das versões de trabalho. A Ford adota ainda molduras para alargar os para-lamas e grade dianteira exclusiva.
Adesivos, faixas e “santantônios” chamativos compõem a decoração dessas versões, diferenciando-as das mais simples da linha
Acabamento e conveniência
Essas picapes deixam de fora o revestimento de bancos em couro, que dá lugar a um tecido de bom aspecto na Frontier e a um bastante simples, típico de carros populares, na Ranger. Os materiais plásticos são rígidos, mas com boa aparência e montagem nas duas.
As versões recebem faixas, vistosas estruturas de caçamba (“santantônios”) e rodas em preto, que chamam atenção e as afastam da simplicidade das picapes de trabalho
Como se espera, o menor preço das versões testadas implica abrir mão de algumas conveniências. Mesmo assim elas trazem boas centrais de áudio, com grande tela de oito polegadas e integração a celular por Android Auto e Apple Car Play, e itens como assistente de declive, câmera traseira de manobras, comandos de áudio no volante, indicador específico de qual porta está mal fechada, porta-óculos, temporizador regulável do limpador de para-brisa e duas tomadas USB, além de bons espaços para objetos.
Interiores simples e escassos em itens de conveniência; quadro da Ranger tem seção multifunção, mas deixa o conta-giros pequeno
Vantagens da Ranger são alarme volumétrico (proteção por ultrassom), ar-condicionado automático de duas zonas (manual na adversária), controlador e limitador de velocidade, molas a gás para sustentar o capô, para-brisa com faixa degradê (só que muito clara), porta-objetos refrigerado no console central, sensores de estacionamento traseiros, toca-CDs (por menos provável que seja usado hoje em dia) e três tomadas de 12 volts (duas na frente, uma para o banco traseiro).
A Frontier tem a seu favor difusor de ar-condicionado para o banco traseiro, dispositivo do sistema de pedágio Sem Parar (assinatura contratada à parte), luz nos espelhos dos para-sóis (a Ranger nem espelho para o motorista traz), porta-copos junto aos difusores de ar e volante revestido em couro. Ponto melhorável: o controle elétrico de vidros só tem função um-toque para o do motorista e limitado à descida na Nissan. Elas também não trazem navegador integrado, o que pode fazer falta em locais com escassa cobertura de telefonia celular, e a Frontier usa alto-falantes apenas na frente, o que empobrece a qualidade de áudio.
Preços
Ranger | Frontier | |
Sem opcionais | R$ 185.790 | R$ 194.490 |
Como avaliado | R$ 185.790 | R$ 194.490 |
Completo | R$ 187.540 | R$ 194.490 |
Preços sugeridos em 17/12/20 para São Paulo, SP; apenas o preço completo inclui pinturas especiais; menores preços em destaque |
Equipamentos de série e opcionais
• Ranger Storm – Ajuste de altura do volante, ar-condicionado automático de duas zonas, assistente de descida, bolsas infláveis laterais dianteiras, de joelhos do motorista e de cortina, câmera traseira de manobras, central de áudio com tela de 8 pol e integração a Android Auto e Apple Car Play, computador de bordo, controlador e limitador de velocidade, controle eletrônico de estabilidade e tração, diferencial traseiro com bloqueio, faróis de neblina, fixação Isofix para cadeiras infantis, rodas de alumínio de 17 pol, sensores de estacionamento traseiros.
• Frontier Attack – Ajuste de altura do volante, assistente de descida, câmera traseira de manobras, central de áudio com tela de 8 pol e integração a Android Auto e Apple Car Play, computador de bordo, controle eletrônico de estabilidade e tração, faróis de neblina, fixação Isofix para cadeiras infantis, rodas de alumínio de 16 pol.
• Garantia – Cinco anos (Ranger) e três anos (Frontier) sem limite de quilometragem.
Ranger: central de áudio de 8 pol, ar-condicionado automático, ajuste lombar, controlador de velocidade, molas a gás no capô
Frontier: tela de 8 pol, dutos de ar-condicionado para o banco traseiro, luz nos para-sóis, porta-copos diante dos difusores de ar
Posto do motorista
As duas oferecem bancos bem desenhados, com apoios corretos para coxas, região lombar (regulável na Ranger) e laterais, mas se limitam ao ajuste do volante em altura. O quadro de instrumentos da Ford tem um prático mostrador digital colorido multifunção, que pode reorganizar os mostradores e informações, mas usa um conta-giros pequeno; de acordo com a função escolhida, ele se torna linear e quase inútil.
Os faróis dessas versões não trazem os refletores elipsoidais das opções de topo: usam o tipo mais simples de superfície complexa, com vantagem à Ford pelos refletores separados para baixo e alto — na Nissan, acender o alto faz o baixo se apagar. Ambas têm faróis de neblina, sem luz traseira, e só a Frontier vem com repetidores laterais das luzes de direção, falta inaceitável na rival. O prejuízo à visibilidade pelas colunas dianteiras é moderado nas duas, que usam grandes retrovisores.
Boa posição ao motorista, mas sem ajuste de distância do volante; atrás, mais espaço para pernas e em largura na Ranger
Espaço interno
Amplas na parte dianteira, elas se distinguem no banco traseiro, onde a Ranger oferece mais espaço para pernas e em largura. A Frontier ainda incomoda pelo assento baixo, que deixa as coxas mal apoiadas. Nas duas o encosto traseiro está mais vertical do que seria desejável, como é frequente no tipo de veículo.
A Ranger vence em espaço no banco traseiro e em volume útil de carga, 1.180 litros até as bordas da caçamba contra 1.054 da Frontier, mas nenhuma traz revestimento plástico
Caçamba
A picape da Ford vence também em volume útil de carga: 1.180 litros até as bordas da caçamba contra 1.054 da Nissan. Inconveniente nas duas é o piso isento de proteção: para evitar danos é necessário comprar como acessório um revestimento plástico. A cobertura marítima da Frontier avaliada é acessório não incluso no preço. A favor da Ranger estão o acionamento mais leve da tampa e o estepe com roda de alumínio (nas duas ele usa pneu igual aos de serviço e fica sob o chassi). A capacidade total de carga, incluindo ocupantes, é a mesma em ambas: 1.040 kg.
Caçamba da Ford tem mais espaço e tampa bem leve; nenhuma traz revestimento; capota marítima da Nissan é acessório
Motor e desempenho
Os fabricantes escolheram diferentes caminhos para obter potência e torque próximos: na Ranger, maior cilindrada (3,2 litros) e cinco cilindros; na Frontier, quatro cilindros e 2,3 litros, mas com dois turbocompressores — um acionado desde baixas rotações, o outro só em altas. Diferenças à parte, a primeira vence por 10 cv e 2 m.kgf, só que pesa importantes 155 kg a mais.
Com isso, seus desempenhos são bem parecidos tanto no uso cotidiano quanto na pista de testes, onde a Ford acelerou de 0 a 100 km/h em 10,8 segundos, sutis 0,2 s à frente da Nissan. Os tempos de retomada também foram equivalentes, salvo de 80 a 120 km/h (melhor na Frontier), assim como o nível de vibração, bastante moderado para o tipo de motor. Ambos emitem um ruído encorpado e imponente quando se acelera em baixa velocidade. Em viagens com vidros fechados o ruído se faz moderado, mas na Ranger invade o interior cada vez que a aceleração aumenta, sinal de escasso revestimento fonoabsorvente.
Maior cilindrada na Ranger, dois turbos na Frontier: mais leve, a segunda consegue o mesmo desempenho com 10 cv a menos
As transmissões automáticas, de sete marchas na Frontier e seis na Ranger, operam com suavidade e podem ter seleção manual por meio de canal lateral da alavanca. O modo manual é realmente manual nas duas: não passa à marcha superior no limite de giros nem efetua redução quando se abre todo o acelerador. Na Ranger a caixa nos pareceu sensível demais: basta um toque no pedal para a rotação ir a 2.000 ou 2.500 rpm e o motor rugir, mesmo em uma arrancada ou saída de lombada com moderação.
As duas picapes usam o mesmo princípio de tração, com os modos 4×2, 4×4 e 4×4 reduzido e comando elétrico. Os programas 4×4 estão restritos a pisos de baixa aderência, de preferência sem curvas fechadas, por não haver diferencial central (presente, por exemplo, na Volkswagen Amarok e em versões da Mitsubishi L200). A Ranger oferece botão para bloquear o diferencial traseiro, o que divide o torque por igual entre as rodas — na Frontier existe apenas o travamento por sistema eletrônico, de eficácia mais limitada.
Desempenho e consumo
Ranger | Frontier | |
Aceleração | ||
0 a 100 km/h | 10,8 s | 11,0 s |
0 a 120 km/h | 15,5 s | 15,7 s |
0 a 400 m | 17,5 s | 17,8 s |
Retomada* | ||
60 a 100 km/h | 6,4 s | 6,6 s |
60 a 120 km/h | 11,2 s | 11,1 s |
80 a 120 km/h | 8,7 s | 7,8 s |
Consumo | ||
Trajeto leve em cidade | 10,8 km/l | 12,5 km/l |
Trajeto exigente em cidade | 5,6 km/l | 6,5 km/l |
Trajeto em rodovia | 8,7 km/l | 10,8 km/l |
Testes com diesel; melhores resultados em negrito; *reduções automáticas; conheça nossos métodos de medição |
Nissan tem uma marcha a mais na caixa automática; com motor menor, obteve boa vantagem em consumo urbano e rodoviário
Consumo
A vantagem da combinação de dois turbos/menor cilindrada e do menor peso da Frontier (para o qual o motor concorre) aparece no consumo: ela rodou mais com um litro de diesel em todos os trajetos de medição, com diferença de 24% no caso do percurso rodoviário. Como a capacidade dos tanques é igual (80 litros), sua autonomia também supera a da rival. O maior consumo da Storm comparada à Ranger Limited pode ser atribuído aos pneus com maior resistência à rolagem.
Comportamento dinâmico
Conforto de rodagem é aspecto complicado em picapes: com capacidade de carga acima de uma tonelada, elas precisam de suspensão traseira reforçada que sacrifica os ocupantes quando rodam vazias. Nesse quesito a Frontier se sai melhor com o uso de molas helicoidais, mas o motorista habituado a automóveis ou SUVs achará ambas desconfortáveis. Curiosamente, nossa sensação com a Storm foi menos favorável que com a Ranger Limited, embora os pneus sejam a única diferença. Nas duas os amortecedores dianteiros um tanto macios (talvez para dar sensação de conforto) chegam aos batentes com alguma frequência em lombadas.
Rodar menos duro na traseira da Frontier, pneus mais fora de estrada na Ranger, que vence em faróis por ter duplo refletor
Ambas estão bem resolvidas — para o tipo de veículo, bem entendido — em estabilidade, com atitude correta em curvas e bom nível de aderência. Comparada à Limited, a Ranger Storm perde um pouco de precisão com os pneus de uso misto, acentuando o ângulo de deriva até que a frente passe a seguir a trajetória desejada. Na Frontier a perda é mais discreta pois os pneus são parecidos em desenho, só que de 16 polegadas na Attack ante 18 da LE (laterais mais altas deixam os pneus mais flexíveis em curvas e manobras rápidas). As duas têm o importante controle eletrônico de estabilidade e tração.
A Ranger vence por 10 cv e 2 m.kgf, mas pesa importantes 155 kg a mais que a Frontier: com isso, seus desempenhos são bem parecidos tanto no uso cotidiano quanto no teste
Voltados em 60% ao uso fora de estrada, os novos pneus da Storm mostraram boa aptidão para rodar na lama, condição em que não pudemos usar a Attack. O vão livre do solo de 230 mm é igual nas duas. A favor da Ford está a assistência elétrica de direção, que a deixa bem mais leve em manobras e no uso urbano, sendo tão precisa quanto a da Nissan (hidráulica) em velocidade. Embora os freios de ambas estejam bem dimensionados, a Frontier pareceu demandar maior esforço no pedal em frenagens intensas.
Segurança passiva
A vitória da Ranger é clara em proteção dos ocupantes, por vir de série também com bolsas infláveis laterais dianteiras, de joelhos do motorista e de cortina (que cobrem a área lateral de vidros à frente e atrás). A Frontier limita-se às bolsas frontais exigidas por lei. Outros itens obrigatórios hoje são cintos de três pontos e encostos de cabeça para todos os passageiros e fixação Isofix para cadeiras infantis.
Vale pagar 5% a mais pela Frontier? Não pelos conteúdos, que são semelhantes e dão vantagem à Ranger em segurança passiva
Custo-benefício
O preço da Frontier ser quase 5% mais alto não se justifica pelo conteúdo: ela tem conveniências semelhantes às da Ranger e perde em muito na dotação de bolsas infláveis. O fato é que a Storm chegou forte em relação custo-benefício ao custar menos que a versão XLS, que tem motor menos potente (2,2 litros e 160 cv) e equipamentos similares.
A comparação de notas (abaixo) aponta grande equilíbrio, com vantagens da Ranger em caçamba e segurança passiva e da Frontier em consumo e comportamento dinâmico. A picape da Ford termina com melhor média e ainda custa menos, o que lhe rende mais um ponto em custo-benefício — e a vitória no confronto entre dois modelos que oferecem grande torque a preços relativamente acessíveis.
Mais AvaliaçõesNossas notas
Ranger | Frontier | |
Estilo | 4 | 4 |
Acabamento e conveniência | 3 | 3 |
Posto do motorista | 3 | 3 |
Espaço interno | 4 | 4 |
Caçamba | 5 | 4 |
Motor e desempenho | 4 | 4 |
Consumo | 3 | 4 |
Comportamento dinâmico | 3 | 4 |
Segurança passiva | 5 | 3 |
Custo-benefício | 4 | 3 |
Média | 3,8 | 3,6 |
Posição | 1º. | 2º. |
As notas vão de 1 a 5, sendo 5 a melhor; conheça nossa metodologia |
Ficha técnica
Ranger | Frontier | |
Motor | ||
Posição | longitudinal | longitudinal |
Cilindros | 5 em linha | 4 em linha |
Comando de válvulas | duplo no cabeçote | duplo no cabeçote |
Válvulas por cilindro | 4 | 4 |
Diâmetro e curso | 89,9 x 100,8 mm | 85 x 101,3 mm |
Cilindrada | 3.198 cm³ | 2.298 cm³ |
Taxa de compressão | 15,6:1 | 15,4:1 |
Alimentação | injeção direta, turbo, resfriador de ar | injeção direta, 2 turbos, resfriador de ar |
Potência máxima | 200 cv a 3.000 rpm | 190 cv a 3.750 rpm |
Torque máximo | 47,9 m.kgf de 1.750 a 2.500 rpm | 45,9 m.kgf a 2.500 rpm |
Transmissão | ||
Tipo de caixa e marchas | automática, 6 | automática, 7 |
Tração | traseira, temporária nas quatro rodas | |
Freios | ||
Dianteiros | a disco ventilado | a disco ventilado |
Traseiros | a tambor | a tambor |
Antitravamento (ABS) | sim | sim |
Direção | ||
Sistema | pinhão e cremalheira | pinhão e cremalheira |
Assistência | elétrica | hidráulica |
Suspensão | ||
Dianteira | independente, braços sobrepostos, mola helicoidal | independente, braços sobrepostos, mola helicoidal |
Traseira | eixo rígido, feixes de molas semielípticas | eixo rígido, mola helicoidal |
Rodas | ||
Dimensões | 17 pol | 16 pol |
Pneus | 265/65 R 17 | 255/70 R 16 |
Dimensões | ||
Comprimento | 5,354 m | 5,264 m |
Largura | 1,86 m | 1,85 m |
Altura | 1,848 m | 1,86 m |
Entre-eixos | 3,22 m | 3,15 m |
Capacidades e peso | ||
Tanque de combustível | 80 l | 80 l |
Caçamba | 1.180 l | 1.054 l |
Capacidade de carga | 1.040 kg | 1.040 kg |
Peso em ordem de marcha | 2.230 kg | 2.075 kg |
Desempenho e consumo | ||
Velocidade máxima | 180 km/h | ND |
Aceleração de 0 a 100 km/h | 11,6 s | ND |
Consumo em cidade | 8,4 km/l | 9,2 km/l |
Consumo em rodovia | 9,4 km/l | 10,5 km/l |
Dados do fabricante; ND = não disponível; consumo conforme padrões do Inmetro |