Plataforma de Fiesta, eficiente motor de três cilindros e interior bem-cuidado compõem o legítimo sucessor da primeira geração
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
Depois de um sem-fim de “carros-conceito”, pré-apresentações e entrevistas coletivas, a Ford afinal apresenta por inteiro o Ka de terceira geração, que completa a renovação de sua linha no Brasil dentro de uma estratégia mundial. Ainda não é o lançamento oficial à imprensa (por que parar por aqui?), que acontece dia 6 de agosto e inclui o sedã Ka+, mas já foi possível dirigir a versão hatch com motor de 1,0 litro em um breve percurso.
O novo Ka marca uma importante mudança de perfil para o modelo. Se a primeira geração havia nascido como carro compacto de certo requinte, a segunda assumira de vez a posição de entrada na marca, com simplificações no projeto e na execução em nome do menor preço possível. De lá para cá a empresa percebeu que cada vez menos brasileiros compram carros despojados, sem ar-condicionado, direção assistida e controles elétricos de vidros e travas, o que levou à decisão de colocar tais itens de série no novo modelo. A carroceria de três portas, antes a única oferecida, também ficou no passado: agora são sempre cinco — ou quatro no sedã.
Um estilo simples e agradável, que não causa controvérsia e deve demorar a
envelhecer, foi definido pelo centro de Camaçari para o mais novo Ford
Para o hatch serão duas versões. A SE tem preço sugerido a partir de R$ 35.390 e vem de série — além dos itens mencionados acima — com rádio dotado de interface Bluetooth para telefone celular e conexões USB e auxiliar (sem toca-CDs), rodas de 14 pol, maçanetas e retrovisores na cor do carro, volante regulável em altura, abertura elétrica da tampa traseira, conta-giros, limpador e desembaçador do vidro traseiro, chave do tipo canivete, tapetes de carpete, freios com sistema antitravamento (ABS) e distribuição eletrônica da força de frenagem (EBD) e, claro, bolsas infláveis frontais.
No SE há um alojamento para telefone celular
ou navegador, sob uma tampa regulável,
para se usar o próprio aparelho sem adaptações
Por R$ 2 mil, o pacote Plus acrescenta controles elétricos de vidros traseiros e o sistema de áudio Sync com toca-CDs, comandos no volante, controle por voz e a função App Link, que permite comandar alguns aplicativos do celular pelo sistema de voz ou os botões do rádio. Uma versão S sem ar-condicionado foi desenvolvida apenas para encomendas, como licitações governamentais e de frotas (a intenção da Ford, aliás, é removê-la de todos os modelos, como já aconteceu com o Ecosport 2015).
Optar pelo Ka SEL, de R$ 40 mil (leva-se R$ 10 de troco), traz as adições de controle eletrônico de estabilidade e tração — é o carro mais barato do Brasil com tal dispositivo —, auxílio para saída em rampa, rodas de alumínio de 15 pol, faróis de neblina, computador de bordo, ajuste de altura do banco do motorista, alarme com ultrassom e acabamento diferenciado, que inclui aplique cromado na grade e lanternas traseiras escurecidas. A Ford descarta oferecer o câmbio de dupla embreagem Powershift, mas admite a hipótese de um motor mais potente para o hatch (o sedã deve sair com o 1,5-litro do Fiesta).
A versão de entrada SE não tem faróis de neblina ou rodas de alumínio; seu
painel traz um alojamento para celular ou navegador com conexões próximas
O modelo fabricado em Camaçari, BA, tem garantia de três anos e revisões a cada ano ou 10 mil km (a primeira é com seis meses), em vez da incômoda periodicidade semestral, que por ora permanece só para troca do filtro de combustível. A Ford promete implantar o mesmo intervalo aos demais modelos em próximas renovações. Haverá ainda 40 acessórios à venda em concessionária, como câmera traseira para manobras, ajuste elétrico de retrovisores, revestimento em couro para bancos, central multimídia com navegador, anexos aerodinâmicos e adesivos decorativos.
A intenção da Ford é assumir a liderança entre os carros pequenos de 1,0 litro nas vendas a varejo, que excluem frotas, pessoas jurídicas, governos e outras formas de venda direta. Em números redondos, de 150 mil carros desse porte que se vendem por mês hoje no Brasil, 70% são hatches; destes, 65% têm motor dessa cilindrada; entre eles, 75% são a varejo, o que representa algo como 51 mil veículos mensais. Quantos Kas ela espera vender, então? A fábrica revela apenas que trabalha com cinco dígitos, ou seja, a partir de 10 mil hatches ao mês.
O SE deve responder por até 80% deles. As encomendas começam em agosto com entregas em setembro (para o sedã, acrescente-se um mês). A empresa vê como concorrentes diretos Chevrolet Onix, Fiat Palio de nova geração, Hyundai HB20, Renault Sandero e Volkswagen Gol, mas é certo que outros modelos entrem na disputa, como Fiat Uno, Nissan March, Toyota Etios, VW Up e Fox e, de certo modo, Citroën C3.
Com formas que lembram as do Fiesta, o interior do SEL tem aspecto melhor
que o esperado para a categoria, posição de dirigir e espaço traseiro adequados
Desenhado pelo centro de estilo de Camaçari, o novo Ka tem bem maiores condições de agradar que seus antecessores. Não é ousado — e controverso — como foi o primeiro em 1997, mas supera em muito na harmonia de linhas o segundo (de 2007), que misturava cantos vivos com as portas arredondadas do original. De modo geral ele exibe formas simples, mas com detalhes bem elaborados como os vincos da lateral e a concavidade na tampa traseira — além, claro, da grade dianteira hoje padrão na marca. É um desenho robusto e moderno sem exageros, o que faz esperar longa vida antes que o mercado se canse dele. E que obteve bom coeficiente aerodinâmico (Cx), 0,338 (era 0,385 no antigo).
Todas as dimensões superam as do modelo anterior: mais 50 mm em comprimento (para 3,886 metros), 52 mm em largura (para 1,693 m sem retrovisores), mais 105 mm em altura (para 1,525 m) e mais 37 mm na distância entre eixos (para 2,489 m, a mesma do novo Fiesta). Comparado a Gol, HB20, Onix e Palio, o Ka é o mais alto, o segundo mais largo e está na média em comprimento e entre-eixos (nessa comparação a fábrica “esquece” o Sandero, o maior deles). O peso de 997 a 1.026 kg, de acordo com a versão, mostra o inevitável aumento dos carros modernos diante dos 905 kg do modelo antigo.
Um ponto onde a evolução foi gritante é na aparência interna, que se assemelha à de modelos de um degrau acima — como Fiesta e C3 —, sobretudo com os cuidados adicionais do SEL. Painel e portas foram bem desenhados e adotam uma textura ondulada de bom aspecto, apesar de parecer manchada quando exposta ao sol. Embora o ambiente faça lembrar o do Fiesta, sobretudo pelo volante e a seção do aparelho de áudio Sync, chega a superá-lo em itens como as maçanetas e a presença de três alças de teto.
O conhecido sistema Sync com comandos por voz vem de série no Ka SEL e como
opção no SE; novidade é tal comando estender-se a aplicativos do telefone
São boas a posição de dirigir, a visibilidade (um pouco prejudicada pelas colunas dianteiras largas) e a qualidade de montagem dos plásticos, mesmo que rígidos; o revestimento dos bancos, simples, está dentro do padrão da classe. Recurso criativo é um porta-objetos na lateral esquerda do painel, acessível apenas com a porta aberta e por isso seguro para guardar itens com o carro fechado: como as maçanetas internas ficam inativas, não se consegue chegar a ele sem a chave nem mesmo pela quebra de vidros.
Bons detalhes percebidos no SEL são os controles elétricos de vidros nas portas (há função um-toque só para o do motorista), interruptor central de trava das portas, volante de boa pega, instrumentos bem legíveis (iluminados em azul claro), luz de sugestão para troca de marcha (pode ser desativada; não atua para reduções), prateleira no console ideal para o telefone ou a carteira, ajuste do intervalo do limpador de para-brisa, luzes de leitura na frente, regulagem de altura dos cintos, espelho em ambos os para-sóis e amplos retrovisores convexos. Faltaram faixa degradê no para-brisa e repetidores laterais das luzes de direção, falta esta agravada pela posição das luzes dianteiras.
No SE básico, em vez do aparelho de áudio Sync, foi aplicado o chamado My Ford Dock: um alojamento para telefone celular ou navegador portátil, apto a reter aparelhos grandes em posição horizontal sob uma tampa regulável com apoios de borracha. A ideia é que o motorista use o próprio aparelho como fonte de áudio e navegação, sem precisar recorrer a suportes adaptados e com visibilidade ideal — perfeito para esses dias em que o aplicativo Waze torna obsoletos os navegadores não conectados à internet. O alojamento traz a conexão auxiliar, mas não a USB, que fica no próprio rádio e assim pode recarregar o aparelho. Mais simples em alguns detalhes, o SE ainda convence pelo aspecto do interior.
Próxima parte |