Quando fabricantes colocam os custos em primeiro lugar, carros saem com cintos não retráteis, espelho plano e porta-malas às escuras
Não é novidade a pressão dentro da indústria para reduzir custos de processos e produtos. Há até uma bem-humorada expressão (bean counter em inglês, contador de feijão em português) alusiva a profissionais que passam seus dias atrás de minúsculas economias, que supostamente trariam benefícios expressivos na soma dos “feijões” poupados.
No caso da indústria automobilística, muitas vezes a “contagem de feijões” resulta em economias questionáveis, tanto pelo valor unitário diante do custo total do carro quanto pela inconveniência que trazem a quem o compra e dirige, mas que alguns fabricantes continuam a fazer. Reuni aqui algumas delas.
• Ajuste elétrico do facho dos faróis – Item de grande conveniência ao rodar com mais carga, quando a traseira se abaixa e o facho se ergue, com prejuízo à iluminação e risco de ofuscar outros motoristas. Obrigatório na Europa, já foi comum por aqui em carros médios e até pequenos, mas se tornou alvo fácil dos contadores de grãos. Hoje, é tão raro que causa surpresa encontrá-lo em um modelo nacional.
Como certas coisas não mudam enquanto a lei for omissa, continuam cintos que precisam ser ajustados a cada passageiro, o que pode levar a folga incorreta
• Alarme para faróis acesos – Em grande parte dos carros, ao desligar a ignição os faróis apagam-se. Nenhum problema se o fabricante prefere mantê-los acesos, mas se torna essencial soar um alarme para lembrar o motorista de desligá-los, sob risco de descarregar a bateria ao sair do carro sem atenção durante o dia. Mesmo assim, alguns carros não tinham esse alerta, como o Toyota Etios até 2014.
• Cintos de segurança não retráteis – A legislação requer cintos de três pontos nas laterais do banco traseiro, mas não o sistema de retração, que o mantém rente ao corpo sem necessidade de ajuste. Como certas coisas não mudam enquanto a lei for omissa, carros como o Fiat Palio Fire continuam a usar cintos que precisam ser ajustados a cada passageiro, o que pode levar ao uso com folga incorreta e, sem dúvida, desestimula a utilização. E o que dizer de instalar uma cadeira infantil presa por esse cinto? Um tormento.

• Cinto central de três pontos – Outra omissão legal que deixa fabricantes à vontade para abusar. Se cinto central subabdominal no banco traseiro de um Fiat Mobi ou Volkswagen Up já não é boa solução, o que dizer dessa economia em um Hyundai IX35 de mais de R$ 120 mil?
• Cinzeiro – É fato que cada vez menos pessoas fumam, razão para que tomadas de 12 volts tenham substituído acendedores de cigarro em quase todo automóvel. No entanto, o cinzeiro ou algo similar deveria permanecer. Sem ele, pequenos lixos (recibos de pedágio e estacionamento, papéis de bala, etc.) acabam espalhados pelos porta-objetos do carro, a menos que se pendure aquela horrorosa sacolinha à alavanca de transmissão.
• Computador de bordo – É compreensível sua falta em um carro do segmento de entrada, mas não em qualquer modelo de preço médio para cima. Que nos leia a Hyundai, pois seu IX35 — em qualquer versão — deixa de informar ao motorista algo tão trivial quanto o consumo médio.
• Desembaçador do vidro traseiro – Essencial caso não haja ar-condicionado, mas ainda opcional em modelos como Palio Fire e Mobi Easy. Sem ele, a visibilidade para trás em dia chuvoso logo se anula.
• Encostos de cabeça no banco traseiro – Também opcionais no Palio Fire, acredite. A lei os exige desde o milênio passado (1999) para “novos projetos”, mas a Fiat se apoia no fato de produzir o modelo desde 1996, apesar das muitas mudanças de faróis e grade.
• Entrada USB – Depois que os CDs saíram de circulação, ouve-se música no carro por meio de conexão ao telefone (caso em que a tomada USB é conveniente para carregar a bateria) ou inserção de dispositivo como pendrive (quando a USB é essencial). No entanto, o VW Up com o navegador Maps & More não traz essa entrada.
• Espelho retrovisor convexo – A diferença de custo entre uma lente plana e uma convexa para o fabricante não deve passar de centavos, mas algumas marcas insistiram (como a Ford no Fiesta até pouco tempo atrás) no primeiro tipo no espelho esquerdo, o que limita drasticamente o campo visual.
Repetidores laterais das luzes de direção são item de segurança que pode prevenir acidentes, mas ainda tratados por várias marcas como acessórios

• Estepe – O pneu temporário é uma tendência, assim como sistemas de vedação e compressores de ar (como no Fiat 500 Abarth) e pneus roda-vazio, que podem seguir viagem sem ar (comuns na BMW). Cada solução tem suas vantagens e limitações: a pior alternativa talvez seja o pneu comum de medida diferente dos outros, como de 15 pol em carro que usa 16 ou 17 pol. O estepe continua limitado em velocidade e estabilidade, mas serve apenas para uso emergencial. Se um pneu precisar de substituição definitiva será preciso comprar outro — e o estepe terá pouco ou nenhum uso até expirar a validade de cinco anos da borracha.
• Faixa degradê no para-brisa – Em um país com tanto sol e calor a seção escura no vidro dianteiro é bem-vinda, mas muitos carros nacionais não a têm. A falta é mais comum em importados, pois mercados como o europeu gostam de encher o interior de raios solares (haja vista a predileção por tetos envidraçados).
• Iluminação traseira na cabine e no porta-malas – Carros que estão longe de custar pouco, caso do Peugeot 2008 Griffe, deixam os passageiros de trás às escuras por só haver luz de cortesia na frente. Também inadmissível é o compartimento de bagagem sem uma simples lâmpada, como no Fiat Mobi.
• Limpador de para-brisa – Dois recursos são indispensáveis: temporizador (era opcional no VW Gol mais simples, não faz muito tempo) e função uma-varrida, em que um toque na alavanca passa as palhetas só uma vez (ainda não existe nos Renaults Logan e Sandero).
• Tampa do tanque de combustível – É inconveniente entregar a chave para o frentista, que em geral está com as mãos sujas (lida com combustíveis, lubrificantes, capôs, etc. o dia todo), além do risco de danos a um item caro (se deixar a chave cair, por exemplo). No exterior é comum o motorista fazer o abastecimento, mas isso não justifica que carros nacionais sejam assim, mesmo alguns de certo preço, como vários Citroëns e Peugeots. Comando interno da tampa ou, melhor ainda, seu destravamento junto às portas resolve.
• Repetidores laterais das luzes de direção – São itens de segurança que podem prevenir acidentes em mudanças de faixa, mas ainda tratados por várias marcas como acessórios e reservados a modelos e versões superiores. Há carros que nascem com eles e os perdem por obra dos “contadores de feijão”. O pior é que em muitos casos, talvez pela previsão de repetidores no projeto, as luzes de direção dianteiras ficam na parte interna dos faróis e não podem ser vistas ao lado do carro, como acontece com luzes nas extremidades. Mais uma vez, na omissão da lei, as raposas fazem a festa no galinheiro.
Editorial anteriorFotos do autor