Como é o evento maior do automóvel,
do ponto de vista da indústria e do mercado
Após dois anos de espera, vem chegando mais uma edição do Salão Internacional do Automóvel. O megaevento, que ocorre a cada dois anos em São Paulo, traz frenesi à vida dos amantes das máquinas sobre rodas, que durante alguns dias podem ter acesso — mesmo que de longe — aos carros de seus sonhos e a outros modelos também, observando-os, tocando-os e sentando ao banco do motorista, mesmo que por instantes.
A “sociedade do automóvel” assiste a muitos outros factoides políticos e mercadológicos resultantes desse evento, que coloca em pauta assuntos que demonstram a clara influência do automóvel e de sua indústria em todas as esferas dessa mesma sociedade — que o sacraliza, levada bem além da mera fruição do estilo das carrocerias ou do avanço tecnológico da engenharia.
Acompanhamos, nos últimos dias, todo o impacto do tradicional Salão de Paris. O foco de muitos artigos sobre a mostra foi a crise econômica para a qual a Europa parece não encontrar solução. Discutem-se os rumos do desenho dos automóveis, a engenharia ecoeficiente, a redução de cilindrada dos motores, as novas gerações dos produtos da anfitriã Renault. Mas as entrevistas coletivas e suas derivadas manchetes nos jornais da manhã dão pistas de que a influência do carro em nossa sociedade vai além.
Aproveitam-se os fartos microfones para cobrar incentivos governamentais e todo o tipo de estímulo à compra do automóvel, sob pena do encolhimento industrial e sua consequência óbvia e nefasta — o desemprego
Fala-se de demissões, reestruturações, do encolhimento das outrora poderosas indústrias francesas, da influência governamental — que impediu, recentemente, o fechamento de uma unidade da PSA Peugeot Citroën, na França — no afã de conter a sangria de empregos na indústria automotiva do velho mundo.
Por aqui é semelhante. Durante as duas semanas de duração do evento, a indústria do automóvel passa por intensa exposição. A paixão pelo carro ainda é foco, muito puxada pela presença ilustre de supercarros nos estandes — figuras raras nas ruas brasileiras e, com razão, motivos de atração. No entanto, as indústrias buscam otimizar ao máximo o investimento no evento usando-o como uma intensa plataforma mercadológica, de impulso para lançamentos, de intensificação das relações dos consumidores com as marcas, do fomento à paixão ao automóvel e, por que não, de muita publicidade.
É o período ideal para que as associações industriais reforcem seu lobby nos diversos setores da sociedade, trazendo à tona suas reivindicações e usando todo o tipo de justificativa, como tradicionalmente faz. Se o Salão padece de certo esvaziamento ou poucas novidades, aproveitam-se os fartos microfones para cobrar incentivos governamentais, redução tributária e todo o tipo de estímulo à compra do automóvel zero-quilômetro, sob pena do encolhimento industrial e sua consequência óbvia e nefasta — o desemprego.
Se o Salão é agitado, em um eventual bom momento cíclico da indústria (como parece ser a situação desse ano), usam-se os microfones para reclamar a importância de uma política estrutural para o setor; afinal, o que está bom não dura para sempre.
Bola de cristal
O Salão do Automóvel, além de termômetro da saúde da sociedade do automóvel, também serve de bola de cristal. Como todo exercício de adivinhação, carrega certa margem de erro em si. Em 2010, previu-se pelo movimento do Salão que haveria uma iminente invasão chinesa no mercado. JAC, Lifan, Chery, Effa e Changan (à época Chana) expuseram diversos produtos e ganharam muitas páginas de atenção nos jornais.
O resultado da bravata não passou nem perto de tudo que foi especulado à época. Muito dali não foi realmente lançado e a participação dos chineses ainda não decolou — em parte pelo aumento de Imposto sobre Produtos Industrializados, IPI, no ano seguinte, em parte por um descrédito do consumidor. Mas essa “exposição de produto” é mais uma boa utilização do Salão: como clínica de aceitação. Parte dos produtos chineses expostos no evento de 2010 estava ali com o intuito de avaliar a receptividade do consumidor. Talvez parte do que estava exposto não tenha chegado, de fato, às lojas justamente como resultado da avaliação dos que ali estiveram.
Muitos carros conceituais, criados pelas indústrias como exercício de mercado para as futuras gerações de automóveis, têm a função de testar com antecedência a reação do mercado às propostas de estilo. Foi assim — quem não se lembra? — com o GPix, mostrado pela Chevrolet no Salão do Automóvel de 2008. Bem aceito, de acordo com o marketing da marca, deu origem a um modelo de produção terrivelmente mais feio que o estudo: o Agile. Por azar, aquele conceito inaugurou uma escola de desenho que foi reproduzida em alguns modelos Chevrolet adiante, como Montana, Cobalt e Spin. Nesse caso, o conceito exposto em um Salão serviu como “amém do mercado” para justificar racionalmente uma polêmica como poucas vezes se viu no estilo da indústria nacional.
Estou bastante ansioso pelo Salão brasileiro, que começa em duas semanas. Com suas múltiplas utilizações, possibilitará enxergar todas as derivações da indústria nos campos onde ela demonstra influência. Veremos a saúde das marcas, aonde pretendem chegar. Veremos a visão governamental, o ponto de vista da imprensa, dos consumidores, e o mais importante, em minha opinião — provavelmente na opinião de todos os amantes de carro: tatear a maior quantidade possível de volantes e engatar todas as marchas que conseguir.
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