Enquanto produto, o novo Golf é impecável, mas faltava
prestar mais atenção ao que acontece do lado de fora
Jogar golfe não foi das coisas mais empolgantes que já fiz na vida — exceto pela bela paisagem, uma exigência do esporte, com aquelas gramas perfeitas, as pequenas colinas estrategicamente posicionadas e tal. Muita cena e pouquíssima emoção. Um contrassenso pensar que se chama Golf o carro da Volkswagen que é tamanho sinônimo de esportividade e emoção ao volante. Exceto por uma característica bem interessante desse esporte: a total falta de competitividade.
Talvez o leitor não saiba, mas jogar golfe é uma coisa que não se faz “contra”. Você não ganha de alguém jogando golfe — não nesse conceito que temos tão vinculado ao esporte, tipo um time contra outro, um atleta contra outro. No golfe, seu maior inimigo é você mesmo. Lute contra si para diminuir a quantidade de tacadas certeiras. Seu único propósito é a autossuperação.
O Golf é um desses carros que lutam unicamente contra si, mesmo bombardeado por todos os lados por uma concorrência irritadiça, inquieta, que muda a estratégia a todo momento tentando descobrir o segredo. O que esse carro tem que eu não tenho? E o Golf permanece lá, em seu próprio mundo, apenas buscando em si a inspiração que precisa para ser ainda melhor, sem dar bola ao mundo exterior.
O Golf não deixa de seguir uma trilha evolucionária, a um passo constante: sua regra que eu mais prezo e considero eficaz é a repetição
É claro que não há trabalho fácil e o Golf não é prosaicamente lendário por acaso. Como toda boa marca, ele obedece regras filosóficas à risca e não deixa de seguir uma trilha evolucionária, a um passo constante. Das regras que o Golf reza, a que eu mais prezo e considero eficaz no intento da criação, consolidação e longevidade de uma marca é a repetição.
Olhar a sutil evolução das linhas do Golf, do modelo inicial de 1974 à atual sétima geração, é um grande prazer, mesmo que não sejam linhas de suspirar. Aliás, essa opção pelas linhas básicas, retilíneas é um dos truques para que as gerações do Golf (e de outros carros da Volkswagen) tenham sido mais longevas do que a média do segmento. A larga coluna traseira, sem vigia, talvez seja uma de suas marcas mais claras, acompanhada de um rigor nos traços e uma sobriedade sem igual na personalidade da dianteira, traseira, vincos da carroceria e traços do interior.
Ao longo de todas as suas gerações, é claro perceber que não há rompimento na identidade. Essa repetição consolida uma trajetória de pensamento, uma escolha em pensar o automóvel também como marca, em posicionar o Golf de forma clara como uma referência definitiva que sempre será consultada por consumidores e concorrentes. Cito apenas o desenho, tal é o consenso em torno do acerto mecânico.
Investimento colhido
No Brasil, o Golf parece considerar, finalmente, que uma competição pode ser saudável (até necessária) em diversos aspectos, a despeito de o esporte homônimo ser tão individual. Na linha da ciência das marcas você realiza “investimentos” em atributos que citei acima, os quais ao longo do tempo são colhidos em “lucros” como participação de mercado, imagem diferenciada e outros. E o Golf brasileiro não ficou surfando assim esses 15 anos de graça, sem ter nada a oferecer. Podemos dizer que ele colheu todo o investimento feito em sua marca e que desfrutou bem uma imagem solidamente construída.
Só que esse bagaço já está sem sumo faz muito tempo. Tudo vem, tudo vai: se na linha do tempo automotiva da contemporaneidade três anos já são três anos-luz, quiçá 15. O Golf oferecido hoje no Brasil, portanto, já estava mais que mofado. Daí entramos em uma seara interessante, que tem muito a ver com a forma alemã de enxergar as coisas aqui do lado de baixo do Equador. Vou resumir todo esse ponto de vista em apenas uma palavra, assim poupo-me do excesso de parágrafos e o hábil leitor entenderá bem: Kombi.
Você realiza “investimentos” em atributos, os quais ao longo do tempo são colhidos em “lucros” como participação de mercado e imagem diferenciada
Como todo o mercado comporta-se equilibrando-se como um sistema vivo, a chegada da nova geração do Golf tem apenas a ver com o desequilíbrio provocado por outros membros do organismo, como Chevrolet Cruze, Ford Focus e Hyundai I30, que demonstraram consistência em desempenho de mercado — e não porque a VW queira oferecer por aqui algo especial. Se a concorrência fosse unicamente um combalido Fiat Bravo ou um desatualizado Citroën C4, duvido que valeria o esforço, com toda a reserva da soberba.
Um último fator, que tem muito a ver com o comportamento de quem compra, é a especial sensibilidade ao fator “novidade” daqueles que são bem-dispostos a gastar mais que R$ 60 mil em um automóvel — e o mofo, claro, não cheira a algo novo. Para retomar liderança mercadológica e intelectual do segmento não falta nada ao Golf, como produto, como conceito e — acima de tudo — como marca. Talvez seja necessário apenas parar de agir como se fosse um jogador de golfe e entender que pode fazer bem praticar outros esportes mais competitivos de vez em quando.
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