Entidade produtora estreia megacampanha para estimular
consumo, mas consumidor só enxerga um fator: o custo
O álcool (ou etanol, como eles passaram a chamá-lo) é viável. O álcool é “verde”. O álcool cria mais empregos em sua cadeia produtiva. O álcool aumenta a potência do motor. Só que o álcool não é barato, ou melhor, não representa menor custo por quilômetro rodado na grande maioria das cidades brasileiras. Essa é uma verdade incontestável: o motorista brasileiro não usa mais o combustível vegetal como antes pelo simples motivo de que, feitas as contas de consumo versus preço por litro, a gasolina sai mais barata na maior parte dos casos. É o óbvio ululante.
Estamos na era da segunda chance dada ao álcool como alternativa viável ao derivado de petróleo como combustível. Na primeira chance, iniciada no fim da década de 1970, a política do álcool fracassou pela incapacidade de abastecimento, a instabilidade de preços e o desequilíbrio entre os interesses dos usineiros, do mercado consumidor e do governo. Os menos jovens devem se lembrar da crise de disponibilidade de 1989, um tiro contra a confiança popular nesse combustível.
A campanha tenta agregar valor ao combustível como alternativa de “causa”, trazendo um aspecto emocional à escolha do que colocar no tanque
Quando o álcool parecia morto, no começo da década passada, criou-se uma saída. Com o advento dos veículos flexíveis em combustível, estabeleceu-se um claro poder de escolha, na ponta do mercado, onde fica a critério do usuário do carro que combustível colocar. Consagrou-se a forma simples de calcular pela razão de 70%, onde o preço da gasolina é estabelecido como o padrão e o álcool é o alternativo. Quando o preço do álcool supera a razão de 70% do preço da gasolina, o motorista opta pelo derivado de petróleo.
Desde 2003, quando o Volkswagen Gol Total Flex foi lançado, o álcool operou em diferentes graus de competitividade frente à gasolina. Considerando o estado de São Paulo, que tem a maior frota do País, o combustível vegetal foi mais atraente até o verão de 2005/2006, quando pela primeira vez ficou longe de ser interessante no período de entressafra da cana de açúcar. Desde então, entre altos e baixos, usineiros e distribuidores têm trabalhado para manter o preço do produto estacionado ao redor dos citados 70%, equalizando a escolha e fazendo com que muitos motoristas continuem a optar pela gasolina — não por vantagem financeira, mas pela comodidade, já que a autonomia do veículo fica pelo menos 40% maior.
Dinheiro a ser queimado
Deve-se considerar o fato de que esse equilíbrio artificial de preços ocorre apenas na região Sudeste e, de modo mais específico, em São Paulo pela proximidade do polo produtor. No restante dos estados do País, o preço do álcool é sempre maior, proibitivo, devido a diferenças tributárias e a custos de transporte, fatores mais estruturais que mercadológicos. Mais uma prova de que, talvez, ainda não estejamos levando a sério o álcool.
Em suma: ninguém escolhe o combustível pensando em vantagens, exceto o preço. Há um pragmatismo defronte o frentista que nos impele a contar o que temos no bolso, olhar quanto temos que andar e mandar encher com o que há de mais barato, seguida a regrinha dos 70%. Triste, mas é a verdade: o mundo enxerga o combustível como uma commodity, dinheiro que será queimado, cujo valor agregado é zero. Logo, quanto menos dinheiro pegar fogo, melhor.
Agora, nos deparamos na TV, no rádio e nas mídias de massa com uma campanha muito bem produzida, repleta de atores globais vendendo o álcool como “marca”. Estão tentando agregar valor ao combustível como alternativa de “causa”, trazendo um aspecto emocional à escolha do que colocar no tanque.
O álcool gera mais empregos. O álcool é mais ecológico. O álcool deixa o carro mais potente (embora a maioria de carros flexíveis apresente diferença desprezível de potência). Chegou a hora da verdade, a hora de comprovarmos a eficácia da estratégia de marketing da Unica, a entidade que representa a indústria produtora de álcool. O recado que a campanha quer solidificar é “o álcool é caro, mas vale” — e digo que, a contar pela péssima reação dos consumidores, aparentemente não vale.
Há um canal da campanha chamado “Álcool – O Combustivel Completão” no Facebook. Todos os argumentos usados pelos criativos são prontamente rebatidos com “abaixe o preço que eu abasteço com álcool”. Sinceramente, impossível de compreender aonde querem chegar. Se a iniciativa emplacar e o consumo de tal combustível aumentar, o Brasil terá de importar ainda mais álcool norte-americano, produzido a partir do milho, mais caro.
Quem vai ganhar com isso? Essa é a dura verdade do álcool brasileiro, o combustível viável, mas incoerente.
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