Dodge Dart e Charger: não há substituto para a cilindrada

A linha de sedãs e cupês grandes teve no motor V8 de 5,2 litros — o maior dos carros nacionais — um de seus destaques

Texto: Fabrício Samahá* – Fotos: divulgação

 

Em um tempo em que os maiores sedãs produzidos no Brasil são carros médios com motor de quatro cilindros e 2,0 litros, pode ser surpresa para muitos que, meio século atrás, nosso mercado recebesse um automóvel de oito cilindros com cilindrada de 5,2 litros — a maior já vista em um modelo nacional. Lançado em outubro de 1969, o Dodge Dart deu origem a uma família de grandes sedãs e cupês que deixaram saudades em seus admiradores.

 

 

A Chrysler Motor Corporation, fundada nos Estados Unidos em 1925, chegou ao Brasil em 1949 por meio da empresa Brasmotor, que montava seus automóveis importados em regime CKD (completamente desmontados) e um ano depois faria o mesmo com o Volkswagen. Em 1958 instalava-se no País uma subsidiária da Simca francesa, da qual 25% pertenciam à Chrysler, para produzir o Chambord e seus derivados.

A empresa era absorvida em agosto de 1967, o que fez surgir a Chrysler do Brasil S.A., com sede no quilômetro 23 da Via Anchieta, em São Bernardo do Campo, SP, de frente à Volkswagen. Após manter por mais de 10 anos a fabricação dos modelos Simca, a subsidiária brasileira optou pela introdução da marca Dodge. Antes mesmo que chegassem ao mercado os novos Esplanada, Regente e GTX, em abril de 1968, foi aprovado o investimento para a produção de caminhões Dodge e o projeto de desenvolvimento e fabricação dos automóveis Dart.

 

O motor V8 de 318 pol³ ou 5,2 litros fazia valer seu destaque na publicidade do primeiro Dart: com 198 cv brutos, era o carro nacional mais potente até então

 

A linha Dart contava com 10 anos de história nos Estados Unidos, onde era um dos modelos mais populares da marca. O sedã brasileiro, similar ao norte-americano, era apresentado em versão de quatro portas e acabamento único, equipada com motor V8 de 5.212 cm³ (318 polegadas cúbicas) e potência bruta de 198 cv. Ele inaugurava uma nova faixa de mercado, localizada abaixo do Ford Galaxie 500 e acima do Chevrolet Opala 3800.

O grande sedã, de 4,96 metros de comprimento e 1.500 kg de peso, era cerca de 20 centímetros mais longo que o Esplanada, mas tinha apenas 2,5 cm a mais na distância entre eixos. O interior trazia bancos de três lugares cada, painel bem-equipado (incluindo manômetro de óleo e voltímetro, mas não conta-giros) e recursos interessantes como a iluminação do miolo de ignição para inserção da chave, que se acendia ao se abrirem as portas e se apagava meio minuto após seu fechamento.

 

O Dart oferecia o motor mais potente entre os carros nacionais até então, com 198 cv brutos e grande torque, além de se revelar um dos mais duráveis e robustos

 

Era fácil gostar do Dart à primeira vista, por suas linhas retas e imponentes com cantos vivos, grade larga e pela traseira com vidro côncavo, que parecia encravado na carroçaria. Os passageiros tinham bom conforto, embora o espaço interno não fosse tão grande como o aspecto do carro fazia supor, e havia um amplo porta-malas. O acabamento, entretanto, deixava a desejar com excessivo ruído de vento, má vedação contra poeira e água e fechamento deficiente do capô — que não trazia comando interno da trava, facilitando furtos ou vandalismo.

Nosso primeiro Dodge oferecia o motor mais potente entre os carros nacionais fabricados até então, com grande torque (bruto) de 41,5 m.kgf. Outro fator positivo evidenciou-se com o tempo: o motor revelou-se um dos mais duráveis e robustos do mercado. Mesmo que o alto consumo de gasolina fizesse pouca diferença naquele tempo, anterior à primeira crise do petróleo, a autonomia limitada era um inconveniente, pois o tanque comportava apenas 62 litros. A transmissão manual de três marchas tinha a alavanca na coluna de direção.

 

Suspensão firme para boa estabilidade e elevado torque eram atributos de destaque do Dart, mas havia críticas ao acabamento, à autonomia e à relação de direção

 

Como novidade, a suspensão apresentava braços sobrepostos com barra de torção longitudinal na dianteira, em vez da mais comum mola helicoidal. Na traseira havia um eixo rígido com molas semielípticas. A direção, ainda sem assistência hidráulica, evitava o peso excessivo ao adotar uma relação muito alta (24:1), que exigia grande movimento ao volante para curvas e manobras.

 

 

A suspensão firme permitia boa estabilidade, mas havia críticas aos freios a tambor nas quatro rodas (apesar de as dianteiras terem dois cilindros de roda) diante do peso do veículo e as velocidades que podia alcançar. A mesma crítica aplicava-se aos pneus de construção diagonal, que a própria fábrica não recomendava para mais de 150 km/h. Havia opção de radiais Pirelli CF67 Cinturato, garantidos até 180 km/h. Nas rodas, uma curiosidade: as roscas das porcas eram esquerdas, isto é, soltavam-se no sentido oposto ao usual. O manual indicava a particularidade, mas omitia que isso só acontecia nas rodas esquerdas.

No primeiro teste do Dart, a revista Quatro Rodas observou que “é um carro bonito. Já o seu acabamento geral, embora bom, é relativamente pobre. O que mais entusiasma no carro é sua excepcional potência e seu grande torque. É agradabilíssimo calcar o acelerador e sentir o Dart arrancar, com os pneus cantando no asfalto. Nas subidas, ele continua como se estivesse na horizontal”.

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Nos Estados Unidos

O Dart teve uma história mais longa e variada nos Estados Unidos, onde foi lançado em novembro de 1959 com linhas imponentes, 5,35 metros de comprimento e opções de sedãs de duas e quatro portas, hardtop de duas portas e perua de cinco portas e até nove lugares. Os motores variavam do seis-cilindros em linha de 3,7 litros e 145 cv ao V8 de 6,3 litros e 330 cv (brutos), passando pelo 318 de 5,2 litros que teríamos aqui, e a transmissão automática podia ter comando por botões. O motor 6,8 de até 375 cv vinha em 1961. A segunda geração, em 1962, trazia menores dimensões, um hardtop de quatro portas e o conversível de duas. O novo topo de linha era o 6,8-litros com 410 cv.

 

O Dart 1963 já era outro carro, compacto pelos padrões de lá, com 4,98 m de comprimento e motores menores (2,8 de seis cilindros e V8 4,5). O Dart Charger, dois anos depois, vinha com o motor 4,5 retrabalhado para 235 cv e freios dianteiros a disco.

 

O Dart assumia para 1967 o estilo com que o teríamos no Brasil, incluindo o vidro traseiro côncavo. Havia cupê, hardtop e sedã de duas portas, sedã de quatro portas e conversível, mas não perua. Os motores iniciais eram os seis de 2,8 e 3,7 litros e o V8 de 4,5 litros, mas um ano depois apareciam os V8 de 5,2 e 5,6 litros, este com 275 cv para as versões GTS e Swinger. O GTS podia ter ainda o V8 6,3 com 300 cv. Mais rápido que ele, só mesmo o Hurst Hemi Dart, edição limitada com peças de carroceria de plástico e fibra de vidro e motor Hemi V8 de 7,0 litros e 425 cv.

 

Um Dart GTS com o V8 de 7,2 litros e 375 cv assumia o topo de linha em 1969. No ano seguinte, frente e traseira eram atualizadas, mas os motores 6,3 e 7,2 e o conversível saíam do catálogo. O Sport 360 aparecia em 1974 com motor 5,9 de 245 cv (agora líquidos). Nesse ano o Dart assumia o desenho frontal que recebemos em 1979. O último Dart, em 1976, ganhava freios dianteiros a disco de série, só adotados quando a lei exigiu. Ele dava lugar ao Aspen, mas o nome voltaria à linha Dodge em 2013 com um sedã compacto.

* Fernando e Ivan Resende, do site Dodge News (dodgenews.com.br), colaboraram no texto de 2003 que serviu de base para este artigo

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Com duas portas e sem coluna central, o Dart Coupé aparecia na linha 1971 com estilo mais informal e opção de direção assistida, de resposta mais rápida

 

A revista acrescentou que “a suspensão é dura, mas isso dá firmeza ao carro, que se mantém estável nas curvas mais fechadas. É necessário dar muitas voltas na direção, que é, porém, sempre firme e precisa. A Chrysler oferece um carro de desempenho excepcional por preço relativamente baixo”. Foram feitas críticas também à baixa autonomia, ao motor de partida ruidoso e à má vedação da carroceria. O Dart acelerou de 0 a 100 km/h em 12 segundos e alcançou a velocidade máxima de 175 km/h.

 

 

Depois do Dart sedã, a Chrysler ampliava a linha em outubro de 1970 com o Dart Coupé, modelo de duas portas sem coluna lateral, e oferecia opção de direção assistida, que acrescentava conforto e agilidade nas manobras com a relação de 16:1. Em novembro, por ocasião do Salão do Automóvel de São Paulo, apareciam os esportivos Charger LS e R/T.

O Charger R/T, com sua sigla que significava road and track (estrada e pista em inglês), oferecia bancos dianteiros individuais reclináveis e mais baixos, console central, conta-giros, direção assistida, freios dianteiros a disco e transmissão manual de quatro marchas com alavanca no assoalho. Ar-condicionado era opcional. Por fora exibia rodas e acabamentos esportivos, faixas pretas, faróis ocultos atrás da grade, teto revestido de vinil e colunas traseiras alongadas, que vistas de lado sugeriam um perfil mais esportivo, embora o vidro estivesse na mesma posição.

 

As colunas alongadas do Charger sugeriam um vidro mais inclinado; o R/T vinha com motor de 215 cv brutos, transmissão no console e bancos individuais reclináveis

 

Sob o capô com travas externas, estava o mais potente motor de um carro nacional. Era o mesmo 318, mas com taxa de compressão mais alta (8,4:1 em vez de 7,5:1), o que exigia o uso de gasolina azul de maior octanagem — pela primeira vez no Brasil desde o Willys Interlagos. A potência bruta passava de 198 cv para 215 cv, e o torque máximo, de 41,5 para 42,9 m.kgf. O escapamento duplo conferia um ruído mais encorpado.

O Charger LS, por sua vez, caracterizava-se como um cupê de luxo com certa esportividade. Combinava motor de 205 cv, caixa de três marchas e o mesmo painel do Dart, mas com opção por bancos individuais com console, ar-condicionado e direção assistida. Itens do R/T como escapamento duplo, conta-giros, rodas esportivas e o motor 10 cv mais potente estavam disponíveis à parte.

 

Sob o capô com travas externas do Charger R/T estava o mais potente motor do País: o 318 com taxa de compressão mais alta e 215 cv, que exigia o uso de gasolina azul

 

O teste da Quatro Rodas consagrou o Charger R/T como carro nacional mais veloz, com média de 188 km/h, vantagem de 10 km/h sobre o Dart cupê: “O motor sempre responde prontamente, qualquer que seja a marcha. Ele dá as sensações de um carro de competição norte-americano. O escapamento duplo produz um ruído mais agradável, embora pouco intenso. Seus freios são muito eficientes. Um problema: sua direção [sem assistência] é muito longa (exige muitas voltas) e demora a voltar à posição normal”.

Quando se fala em potência, cabe ressalvar que o Brasil demorou a adotar o padrão líquido de medição, usado havia décadas na Europa e habitual nos Estados Unidos desde 1972. As potências brutas aqui indicadas, mais altas que as líquidas, podem levar a erro de avaliação. Como exemplo, o motor V8 do Ford Maverick era anunciado no Brasil com 199 cv brutos, mas no exterior não passava de 135 cv líquidos.

 

SE, o Dodge para “não passar dos 30”, era um Dart simplificado e com certo apelo esportivo: cores alegres, bancos individuais, volante de três raios

 

No Charger R/T, o 318 desenvolvia na verdade 140 cv líquidos (dados dos fabricantes publicados na revista suíça Automobil Revue). Por isso, carros lançados mais tarde como Chevrolet Vectra GSI 1994 (150 cv) e Fiat Marea Turbo 1999 (182 cv) eram efetivamente mais potentes que os Dodges, embora os dados de cada época possam sugerir o contrário.

 

 

Esportivo acessível

A razão social da empresa era mudada para Chrysler do Brasil S.A., em julho de 1971, ao absorver as ações restantes nas mãos de terceiros. No ano seguinte a marca apresentava mais três versões do Dart: o SE em maio, o Gran Coupé e o Gran Sedan em outubro. O SE (special edition, edição especial) era um cupê despojado e de certo apelo esportivo, mais barato que o Dart cupê. Foi criado com foco em um público jovem que não dava importância ao requinte, mas exigia desempenho. A Chrysler foi inteligente ao se afastar do rótulo de “popular”, fracassado na década de 1960 em vários modelos, incluindo o Profissional da Simca.

Com um mínimo de cromados e acabamento interno mais simples, o SE trazia um interessante volante esportivo com três raios de metal e aro imitando couro, bancos dianteiros individuais com encostos mais altos e alavanca de caixa no assoalho. Ele deixava de fora alguns itens supérfluos e outros nem tanto: freios dianteiros a disco, lavador do para-brisa, revestimento no painel. Também eliminava a fechadura na tampa do tanque, o retorno automático da alavanca de luzes de direção, o ventilador elétrico e as luzes de cortesia.

 

Bancos de couro, painel com madeira, teto com vinil e pneus com faixa branca buscavam requinte ao Gran Sedan (foto) e ao Gran Coupé, novas versões do Dart

 

Claro, havia uma boa compensação do preço: no lançamento ele foi anunciado como o Dodge “para quem não quer passar dos trinta”, em alusão ao preço de quase 30 mil cruzeiros, 40% menos que um Charger R/T. Como não havia opcionais, até 1973 quem quisesse freios a disco deveria instalá-los em concessionária. Só no ano seguinte esse item de segurança se tornava de série.

No extremo oposto da oferta da marca, o Gran Coupé e o Gran Sedan estreavam como versões de topo de duas e quatro portas, na ordem. Traziam calotas integrais, pneus com faixa branca, teto revestido em vinil, friso decorativo no porta-malas e repetidores de luzes de direção nos para-lamas, em posição que permitia ao motorista perceber que estavam ligados. O interior tinha volante com o centro acolchoado, painel revestido com imitação de cerejeira, relógio, rádio e revestimento mais luxuoso nos bancos com opção de couro. Como no Dart, transmissão automática de três marchas também estava disponível.

A Quatro Rodas testou o SE e o Gran Coupé 1974 e definiu o primeiro como “extremamente barato em relação ao desempenho. Opala 4100 e Maverick V8, mesmo nas versões mais simples, custam quase o mesmo que o SE. Mecanicamente, os dois carros são bastante bons e já demonstraram resistência inegável, mas o SE tem ainda problemas de acabamento, má vedação e barulhos na carroceria. Já o Gran Coupé mostrou-se muito agradável de dirigir. Seu principal defeito: os freios que bloqueavam as rodas traseiras nas freadas em alta velocidade”.

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Em outros países

Além do Brasil e dos Estados Unidos (leia quadro na página 1), o Dart foi produzido na Espanha e na Colômbia, além de ter dado origem ao Polara na Argentina. Os espanhóis da Barreiros começaram a fabricá-lo em 1965, com modelo similar ao norte-americano. Após quatro anos a Chrysler assumia as operações, eliminando o nome da empresa original, e o estilo era remodelado.

Em 1971 o Dart dava lugar ao Dodge 3700 GT (acima) com novo desenho, mantido até 1977. Ele foi montado a partir de componentes da Argentina (leia mais a seguir) por dois anos, passando então a usar carroceria local para se adequar à legislação. O motor de seis cilindros em linha, 3,7 litros e 165 cv brutos, embora modesto diante do V8 brasileiro, era o maior já aplicado a um carro espanhol. Uma versão mais econômica para uso como táxi, o Dart Diésel, tinha motor Barreiros de 2,0 litros a diesel e apenas 65 cv. Também existiu uma perua, que dava origem a conversões como ambulância e carro fúnebre.

 

Na Argentina, a Chrysler-Fevre desenvolveu uma linha de sedãs com a marca Dodge a partir da plataforma do Dart, iniciada em 1968 (acima) e composta pelos modelos Valiant, Coronado, GT, Taxi e Polara Diésel (ambos destinados a taxistas). O cupê, com desenho desenvolvido no país, estreava em 1970 como Polara Coupé e ganhava a versão GTX no ano seguinte. Em 1974 vinha o Polara RT, também cupê.

 

O principal motor da linha tinha seis cilindros em linha, 3,7 litros e 145 cv brutos, com caixa manual de três marchas na coluna (no RT e no Diésel eram quatro no assoalho) e opção por automática em algumas versões. O RT (acima) usava carburador especial para obter 174 cv. No Polara Diésel vinha um motor Perkins a diesel de quatro cilindros, 3,3 litros e 71 cv. Apenas o GTX oferecia opção de um V8, o mesmo de 5,2 litros do Brasil, mas importado do México ou do Canadá, com 212 cv brutos e mais tarde 230 cv — o mais potente em um carro fabricado no país. A produção acabou em 1979, um ano antes da venda da Chrysler argentina à Volkswagen.

 

Na Colômbia, o Dart foi feito por duas gerações pela Chrysler Colmotores. O modelo lançado em 1969 (acima à esquerda) era montado com conjuntos importados dos Estados Unidos, motor de seis cilindros, 3,7 litros e 145 cv e caixa de três marchas na coluna. Uma remodelação da frente vinha em 1974, seguindo o norte-americano e se antecipando à do brasileiro por quatro anos. No ano seguinte ele recebia o motor V8 de 5,2 litros e 220 cv com caixa automática. Foi feito até 1977.

Os colombianos foram os únicos na região a ter a carroceria de cupê mais esportivo do Plymouth Duster norte-americano. O Dodge Demon local (à direita), feito apenas em 1971 e 1972, usava o V8 5,2 com 240 cv, ainda com caixa manual de três marchas. A segunda geração do Dart, apesar do nome, era um carro menor similar ao Aspen norte-americano e foi fabricada até 1982.

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Faróis duplos atrás da grade davam ar imponente ao Charger; a propaganda esnobava Maverick GT e Opala SS, como se fossem carrinhos infantis

 

Novo estilo no Charger

Enquanto preparava o lançamento de seu carro médio, o 1800, a Chrysler anunciava para 1973 novidades de estilo para os Chargers LS e R/T: faróis duplos (ainda escondidos atrás da grade) com as luzes de direção entre eles e novas lanternas traseiras. O R/T perdia as travas externas do capô e as faixas pretas sobre ele. Por dentro, instrumentos redesenhados, lampejador do farol alto e ajuste interno do retrovisor externo (único), uma inovação.

O esportivo não estava mais sozinho: embora menor, o Ford Maverick GT chegava em 1973 com um novo motor V8 de 4,95 litros e 199 cv brutos, enquanto o Chevrolet Opala havia passado a usar o motor de 4,1 litros no lugar do 3,8 inicial. A Chrysler aproveitava sua superioridade em potência nos anúncios publicitários do modelo, anunciando “Vamos acabar com essa brincadeira de carro esporte com menos de 200 hp”, com o cupê diante de carrinhos de bater de um parque de diversões.

 

A caixa automática do Charger 1974 foi a primeira com bloqueio do conversor de torque; para o ano seguinte, os Dodges inovavam com a ignição eletrônica

 

Na linha 1974 o Charger trazia novas faixas laterais, rodas esportivas e a inédita transmissão automática com alavanca no assoalho, dotada de bloqueio do conversor de torque na terceira e última marcha. Com esse recurso, a caixa operava como manual em terceira, eliminando o deslizamento do conversor e as perdas de energia resultantes.

 

 

Em um paralelo a Opala SS4 e SS6, Ford Corcel GT e Maverick GT V8, a Quatro Rodas destacou no Charger R/T os itens motor, desempenho e transmissão, com notas baixas em acabamento, instrumentos, posição do motorista e consumo. Ele liderou o grupo em máxima (180 km/h) e aceleração de 0 a 1.000 metros (32,4 segundos), mas teve o maior espaço de frenagem a 100 km/h. “O mais caro é o Charger. Em compensação, é o de maior cilindrada e tamanho. Isso, embora lhe roube um pouco de mobilidade, não lhe tolhe as características esportivas”, analisou.

Apesar da euforia, a primeira crise do petróleo (1973) causava aumentos assustadores de preço à gasolina, o que afetava as vendas de carros potentes e de alto consumo como os Dodges. Como paliativo, a linha recebia como opcional o Fuel Pacer System (traduzível por sistema moderador de consumo de combustível). O recurso simples acionava os repetidores de luzes de direção dos para-lamas dianteiros, à vista do motorista, sempre que o acelerador era pressionado além de certo ponto. Não havia limitação, apenas o alerta.

 

Gran Coupé e Gran Sedan (foto) adotavam a frente do Charger para 1975 e o sedã podia vir com bancos em bege, entre outras novidades na linha naquele ano

 

Seu princípio era o mesmo dos vacuômetros, tão comuns à época: orientar o usuário a manter o mínimo de pressão no acelerador. Só que hoje se sabe que o ideal para obter eficiência do motor é o contrário, ou seja, abrir mais o acelerador e recorrer a rotações mais baixas, o chamado método de carga. Teste da Quatro Rodas apontou que seguir a indicação do sistema poupava até 25% de gasolina, mas o motorista precisava pisar muito pouco, aumentando em cerca de 70% o tempo de aceleração.

 

Na linha 1974 o Charger recebia transmissão automática com bloqueio do conversor de torque na terceira marcha, que eliminava perdas de energia

 

Importante novidade mecânica na linha 1975 era a ignição eletrônica, que eliminava o platinado e o condensador, a fim de manter o sistema regulado por mais tempo e preservar o desempenho. A caixa automática tornava-se opcional aos vários modelos e o Charger recebia retoques estéticos: faixas laterais, lanternas traseiras, painel de instrumentos. No Dart Coupé havia novos grade e painel e retornava a oferta do Sedan de Luxo. O Gran Coupé e o Gran Sedan recebiam a frente do Charger, com faróis duplos atrás da grade, e o modelo quatro-portas podia ter os bancos em cor bege.

A linha estava mais enxuta para 1976: saíam de linha o Dart SE, o Gran Coupé e o Charger LS. O R/T agora contava com bancos mais altos e novos volante e faixas laterais. Para conquistar a confiança do público para a transmissão automática, a fábrica ampliava a garantia da caixa para dois anos ou 50 mil km, a maior de um componente de automóvel na época no Brasil. No ano-modelo seguinte, a taxa de compressão do esportivo era reduzida (tornando-se a mesma dos demais modelos) para poder usar gasolina comum, “amarela”, mais barata e fácil de encontrar que a azul.

 

O Charger 1978 não tinha mais entradas de ar no capô e o motor perdia potência para usar gasolina comum; já os pneus radiais de série eram boa notícia

 

A Quatro Rodas comparava o Dart Gran Sedan a Alfa Romeo 2300, Chevrolet Comodoro 4100 e os Fords Maverick sedã e Galaxie 500. O Dart foi o segundo mais rápido de 0 a 100 km/h e em velocidade máxima, atrás do Maverick, e perdeu em consumo para o Alfa (o mais econômico) e o Comodoro. A revista destacou o bom acerto dinâmico — “um agradável equilíbrio entre a rigidez da suspensão e a maciez geral do carro” — e a oferta de diversas cores para o interior, mas lamentou o conforto do motorista.

 

 

O Charger R/T perdia um pouco da esportividade para 1978, pois não contava mais com falsas entradas de ar no capô. O revestimento de vinil do teto vinha limitado à seção traseira e havia novas faixas laterais. Os pneus radiais vinham de série, boa medida, e o carburador recalibrado visava economia. Saía de produção o Gran Sedan, restando somente o Dart de Luxo e o Charger R/T.

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O irmão menor

Os grandes Dodges tiveram um “irmãozinho” no Brasil: o 1800/Polara. Lançado em 1973, o 1800 não tinha origem norte-americana: era derivado do Hillman Avenger, feito na Inglaterra pela marca do grupo Chrysler, e do Dodge 1500 argentino. Contudo, enquanto o 1500 só existia com quatro portas e motor de 1,5 litro, o carro nacional saiu com duas portas (versão disponível na Inglaterra) e um exclusivo motor de 1,8 litro com 78 cv brutos.

 

Apesar do relativo conforto interno, o 1800 não teve êxito ao rivalizar o Chevrolet Chevette, o Ford Corcel e, de 1974 em diante, o Volkswagen Passat: havia problemas de confiabilidade, como acabamento, transmissão e vibrações na direção, além de alto consumo. Após trabalhar em soluções, a Chrysler mudava também seu nome para Polara em 1976 (acima à esquerda). Uma nova frente (à direita) vinha dois anos depois. O Polara marcou época ao oferecer, em 1979, a primeira caixa automática de quatro marchas em carro nacional, nove anos antes do Chevrolet Opala. Depois de ganhar a versão GLS, mais potente e refinada, o modelo saía de linha em 1981.

 

Nas pistas

Apesar da inadequação da linha Dodge a competições por seu tamanho e peso, o desempenho do motor V8 318 não passou despercebido pelos pilotos da época. O primeiro uso conhecido do Dart em corrida foi na prova Encosta da Serra, em 1969, no Rio Grande do Sul. O carro de José Madrid acidentou-se. Na 24 Horas de Interlagos, no ano seguinte, um Dart foi pilotado por Luís Carlos Sansone e Luís Paula Sousa, mas teve vários problemas mecânicos.

A primeira vitória do Dodge no Brasil foi em Interlagos, em São Paulo, em 1971: Rui Amaral Lemos Junior ganhou uma disputa de estreantes e novatos. Dois anos depois, Dart e Charger disputaram a 25 Horas de Interlagos, únicos competidores da Classe E, e não terminaram. Os modelos ganharam nova tentativa na 500 Quilômetros de Interlagos de 1974, com carros da Divisão 3. Um Charger conseguiu o nono lugar. Uma última chance para os Dodges ainda em produção foi o Dart preparado por Leopoldo Abi Eçab para a temporada de 1975 da Divisão 3 (foto), com resultados modestos.

No início da década de 1980, já no fim de linha dos automóveis, os Dodges brasileiros passavam a competir na nova categoria Turismo 5000, enfrentando Ford Maverick e Galaxie. Aliviados em peso com a remoção de forros, bancos de passageiros e acessórios, os Dodges tinham a suspensão rebaixada e enrijecida e o motor ganhava coletores e escapamento especiais. A colorida decoração garantia a identificação com os modelos da Chrysler que competiam na Nascar norte-americana nos anos 60. As corridas eram realizadas no anel externo de Interlagos, mais adequado a carros desse porte. Nos anos seguintes, ainda foi comum ver os Darts em pistas de terra de Santa Catarina, Paraná e São Paulo.

Colaborou Francis Castaings

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Nova frente, a mesma do norte-americano desde 1974, e lanternas traseiras na horizontal marcavam o Dart 1979, que trazia caixa de quatro marchas no assoalho

 

O princípio do fim

A maior remodelação dos Dodges nacionais vinha na linha 1979. O Dart exibia nova frente, como no modelo norte-americano de 1974, com a grade pouco mais alta na região dos faróis, um “bico” no centro, para-choque mais robusto e, na traseira, lanternas em linha horizontal. Com bancos individuais reclináveis, opcionais, a alavanca da caixa manual de quatro marchas passava a vir no assoalho.

 

 

Toda a linha trazia novidades mecânicas como novo radiador, bateria e alternador de maior capacidade e suspensão recalibrada com amortecedores mais macios, além de melhor isolamento acústico. A Chrysler enfim atendia aos pedidos de maior autonomia com um tanque de combustível bem maior (de 62 passava a 107 litros). Era necessário em um período em que o governo mantinha os postos fechados das 20h às 6h e nos fins de semana, mas impôs nova colocação do estepe (antes debaixo da bagagem, agora sobre o eixo traseiro) com prejuízo à capacidade do porta-malas.

O cupê Magnum e o sedã de quatro portas Le Baron ampliavam a oferta como topos de linha, mais caros que o Charger R/T — tiveram seu lugar no mercado, devido à demanda criada pela proibição das importações de automóveis em 1976. A carroceria era a mesma do Dart, mas com novas seções dianteira e traseira feitas em plástico com fibra de vidro, recurso que permitia modificações de estilo a custo baixo. Ambos exibiam quatro faróis, para-lamas traseiros com sutis “rabos de peixe”, calotas cromadas de desenho clássico e interior luxuoso. Os bancos do Le Baron, bem acolchoados, pareciam poltronas e o rádio/toca-fitas tinha antena elétrica.

 

A faixa interrompendo o vinil do teto sugeria um teto targa no cupê Magnum, que usava frente de plástico e fibra de vidro com quatro faróis, como no sedã Le Baron

 

 

O Magnum lembrava um targa com a solução da capota, em que uma moldura na cor da carroceria ligava as colunas centrais de cada lado, e vinha com pneus radiais de série. Ele podia ter caixa manual de quatro marchas ou automática de três, com alavanca no assoalho, enquanto o Le Baron oferecia a manual e a automática de três marchas, sempre na coluna de direção. Além da transmissão, o único opcional para esses modelos era o ar-condicionado — todos os demais itens vinham de série.

A revista Auto Esporte elogiou a comodidade do Le Baron: “Acabamento perfeito, surpreendente maciez ao rodar, elevado nível de silêncio e conforto internos. Estes são os pontos que mais se destacam no Le Baron. O novo sedã da Chrysler começa a convencer quando se verifica o cuidado que foi dispensado ao seu interior, com bancos muito confortáveis, estofamento em veludo acrílico com desenho de bom gosto, painéis laterais combinados e capricho em todos os detalhes. A suspensão se tornou mais macia. O sedã roda suave e silencioso como um Galaxie LTD, e supera, nesses itens, um Alfa TI”.

 

O Magnum e o Le Baron ampliavam a oferta como topos de linha, mais caros que o Charger R/T — e tiveram seu lugar com a demanda criada pela proibição das importações

 

No teste da Quatro Rodas o Dart sedã foi elogiado pelo “acabamento muito bom, a aparência sóbria e imponente, o funcionamento suave e silencioso. A estabilidade é satisfatória, embora a suspensão recalibrada tenha tornado o Dart mais macio. E, entre os carros de alto luxo, é o de menor preço”. Com transmissão automática, o carro registrou máxima de 159,3 km/h e acelerou de 0 a 100 km/h em 18,6 segundos com consumo médio geral de 6,9 km/l.

O Charger R/T, no entanto, abandonava o antigo apelo esportivo e tornava-se mais um carro de luxo, com frente e traseira similares às do Magnum e pintura em dois tons. Passava a ser oferecido com rodas de alumínio, as primeiras de fábrica no Brasil, mas os pneus radiais voltavam a ser opcionais — um retrocesso inaceitável. Não havia mais os prolongamentos das colunas traseiras, embora ganhasse persianas nos vidros laterais posteriores.

 

A traseira do Dart seguia a desse modelo dos Estados Unidos; tanque maior, amortecedores mais macios e melhor isolamento acústico vinham em toda a linha

 

O esportivo perdia autenticidade: o volante vinha do Dart, o couro dos bancos dava lugar a vinil e até o conta-giros dava lugar a um relógio. As suspensões mais macias também não combinavam com sua tradição. Notavam-se também faltas de regulagem contínua dos encostos dianteiros, lavador elétrico e temporizador do limpador do para-brisa, além de o ar-condicionado não estar integrado ao painel.

 

 

“Em alta velocidade a frente balança e nas curvas, além de inclinar bastante, o carro tende a sair de traseira no limite. O acabamento está à altura da categoria, luxuoso e bem-feito, mas o R/T perdeu os bancos de couro. Apesar dos ótimos assentos, é difícil encontrar a posição ideal de dirigir. No estilo, as alterações foram de gosto duvidoso. As persianas nos vidros, que mais se parecem com uma grade, dão a sensação de prisão e prejudicam muito a visibilidade”, observava a Quatro Rodas.

Vítima da crise do petróleo e do desinteresse pelos carros grandes, a Chrysler era comprada em 1979 pela Volkswagen, que passava a produzir seus caminhões nas instalações da empresa norte-americana. A produção dos automóveis era mantida, mas não por muito tempo. A razão social da fábrica desaparecia no ano seguinte.

 

Com frente e traseira como as do Magnum, o Charger estava menos esportivo na aparência e no comportamento; as rodas de alumínio eram as primeiras na indústria

 

A linha Dodge 1980 tinha poucas atualizações. O Charger estava mais sóbrio, perdendo a pintura em dois tons e a persiana lateral. Já o Magnum recebia como opcional um teto solar de controle elétrico (comandado por botão no painel), primazia em um carro nacional. As versões mais luxuosas ganhavam, afinal, limpador de para-brisa com lavador elétrico.

Com os consumidores temerosos pelo preço da gasolina — agravado pela segunda crise do petróleo, em 1979 — e os rumores em torno do fim da linha Dodge, as vendas não se sustentavam. O Charger R/T despedia-se já em 1980 e, no ano seguinte, a linha Dart e o Polara. Os modelos com motor V8 alcançaram cerca de 92.500 unidades produzidas. Apenas seus motores continuaram nos caminhões Volkswagen. Na década de 1990, renovado e com injeção eletrônica, o tradicional 318 voltaria a nossas ruas no Jeep Grand Cherokee e, mais tarde, na picape Dodge Dakota montada no Paraná.

Cinquenta anos depois do lançamento do primeiro Dart e quase 40 desde que saíram de produção, os grandes Dodges brasileiros continuam motivo de paixão e dedicação entre os aficionados. O Charger R/T, em especial, marcou época por seu estilo e desempenho.

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Ficha técnica

Dart sedã (1970) Charger R/T (1973)
Motor
Posição e cilindros longitudinal, 8 em V longitudinal, 8 em V
Comando e válvulas por cilindro no bloco, 2 no bloco, 2
Cilindrada 5.212 cm³ 5.212 cm³
Potência máxima 198 cv a 4.400 rpm* 215 cv a 4.400 rpm*
Torque máximo 41,5 m.kgf a 2.400 rpm* 42,9 m.kgf a 2.400 rpm*
Alimentação carburador de corpo duplo carburador de corpo duplo
Transmissão
Tipo de caixa e marchas manual, 3 manual, 4
Tração traseira traseira
Freios
Dianteiros a disco a disco
Traseiros a tambor a tambor
Antitravamento (ABS) não não
Suspensão
Dianteira independente, braços sobrepostos independente, braços sobrepostos
Traseira eixo rígido eixo rígido
Rodas
Pneus 7,35-14 E70 S 14
Dimensões
Comprimento 4,96 m 5,08 m
Entre-eixos 2,82 m 2,82 m
Peso 1.500 kg 1.515 kg
Desempenho
Velocidade máxima 170 km/h 190 km/h
Aceleração de 0 a 100  km/h 12 s 11 s
*Valores brutos; dados de desempenho aproximados

 

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