Retomada há 20 anos com o 550 Maranello, a clássica configuração evoluiu para 575M, 599 GTB e F12 Berlinetta
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
O clássico conceito de carro grã-turismo com motor V12 dianteiro e tração traseira tem na Ferrari um de seus baluartes: era assim o primeiro modelo de rua da empresa, o 125 S, lançado em 1947 com uma compacta unidade de 1,5 litro (125 cm³ por cilindro, origem da designação) e potência de 118 cv e produzido em apenas dois exemplares. Uma concepção mantida em modelos legendários como as séries 166/195/212, 250, 275 e 330.
Com o passar do tempo a tradicional arquitetura perdeu espaço na marca do cavalinho empinado. Embora o 365 GTB/4 “Daytona” de 1968 tivesse respondido à Lamborghini que motor central-traseiro — como o de seu Miura — não fosse a única solução a adotar, a empresa de Maranello parecia ter cedido à tendência na década seguinte: era atrás da cabine que estava o coração do 365 GT4 BB ou Berlinetta Boxer de 1973, que ainda por cima adotava a disposição de 12 cilindros horizontais contrapostos (boxer) ou, como gostava o comendador Enzo, um “V” de 180 graus.
Nascida com o primeiro Ferrari, a tradição do V12 dianteiro ganhou força com o “Daytona”, mas foi abandonada nos Berlinetta Boxer e Testarossa
A disposição do Berlinetta Boxer revelou-se tão bem sucedida nas ruas — assim como nas pistas — que a Ferrari a definiu como padrão para seu sucessor, o Testarossa, apresentado em 1984. O boxer evoluiu nas versões posteriores 512 TR e 512 M, mas para a próxima geração de grã-turismo a marca, desde 1991 sob o comando do presidente Luca Cordero di Montezemolo, decidiu que era o momento de voltar às origens. Uma das razões seria permitir o compartilhamento da plataforma e de componentes mecânicos com o 456 GT, modelo de quatro lugares e motor dianteiro lançado em 1992. Em segmentos mais voltados à esportividade a posição central-traseira foi mantida, como no F355 (1994) e no supercarro F50 (1995).
O 550 Maranello acelerava de 0 a 100 km/h em 4,4 segundos e alcançava 320 km/h: mais rápido e veloz que Porsche 911 Turbo e Aston Martin DB7
O resultado do projeto F133 era apresentado em julho de 1996, com direito a avaliação pela imprensa no circuito alemão de Nürburgring. Chamava-se 550 Maranello em referência à cilindrada de 5,5 litros e à cidade-sede da marca — um abandono das clássicas designações da Ferrari, ora com a cilindrada unitária, ora com alusão à cilindrada e ao número de cilindros, como nos modelos 512.
Desenhado por Lorenzo Ramaciotti no tradicional parceiro da marca, o estúdio italiano Pininfarina, o 550 impressionava. A carroceria de alumínio era tão atraente e equilibrada em sua esportividade que ele merece lugar na galeria de mais belos Ferraris de todos os tempos. A frente comprida e baixa destacava os quatro faróis carenados e a ampla tomada de ar central no capô. As duas saídas de ar em cada para-lama dianteiro lembravam as do 250 GTO e do 275 GTB. Atrás, as clássicas quatro lanternas circulares que ladeavam o cavalo empinado remetiam ao “Daytona”.
O 550 Maranello está certamente entre os mais belos Ferraris da história; as saídas de ar e lanternas eram inspiradas em modelos do passado
O coeficiente aerodinâmico (Cx) 0,33 era bom para um carro esporte na época, sem prejuízo da sustentação negativa em ambos os eixos. No interior do Maranello estavam bancos revestidos em couro com regulagens elétricas, painel de instrumentos completo (com quatro mostradores circulares diante do motorista e outros três à direita) e a tradicional grade vazada de alumínio dentro da qual se deslocava a alavanca de transmissão. À frente dela, o rádio/toca-CDs parecia acrescentado de última hora — para que ouvi-lo quando há uma música tão refinada vindo de sob o capô? Acessórios da grife Carrozzeria Scaglietti eram lançados no ano seguinte.
A arquitetura cedida pelo 456 GT com chassi tubular de aço fora reduzida em 10 cm na distância entre eixos, que passava a 2,50 metros. Também comum ao modelo de quatro lugares, o motor de 12 cilindros em “V” a 65 graus tinha bloco de alumínio, quatro válvulas por cilindro, pistões forjados, bielas de titânio, coletor de admissão com geometria variável, borboletas de aceleração individuais e lubrificação com cárter seco. O escapamento oferecia um caminho mais direto para uso em altas rotações, enquanto o de maior contrapressão e menor ruído era usado em condução moderada.
Potência de 485 cv a 7.000 rpm e torque máximo de 58 m.kgf a 5.000 rpm eram enviados à transmissão manual de seis marchas montada em transeixo na traseira, solução para boa distribuição de peso entre os eixos. De acordo com a fábrica, o 550 acelerava de 0 a 100 km/h em 4,4 segundos e alcançava velocidade máxima de 320 km/h. Era mais rápido e veloz que o Porsche 911 Turbo de 408 cv (290 km/h e 4,5 s) e o Aston Martin DB7 de 340 cv (265 km/h e 5,7 s), embora menos que o Lamborghini Diablo SVR de 500 cv (350 km/h e 3,9 s).
No interior luxuoso e esportivo, só o aparelho de áudio parecia irrelevante; o assoalho carenado concorria para a sustentação negativa
As suspensões dianteira e traseira seguiam o mesmo conceito independente por braços sobrepostos, com molas helicoidais, e usavam amortecedores com controle eletrônico que podiam ser ajustados a bordo entre os modos normal e esportivo, escolha possível também para o controle de tração. Freios a disco ventilado paravam as quatro rodas de magnésio de 18 polegadas, mais largas na traseira. O tanque de combustível de 115 litros garantia ampla autonomia, mesmo quando o motorista decidisse acionar a música do V12 a pleno acelerador.
A Motor Trend comparou-o ao Diablo 6.0: “O Maranello é extremamente estável rodando acima de 250 km/h. Embora não seja tão rápido quanto o Diablo, ele ainda fornece desempenho estelar a inspira confiança em velocidades muito além do legal. Além disso, é muito mais fácil de entrar e sair, de manobrar no tráfego e de estacionar. Para dirigir todos os dias, o 550 é o vencedor sem dúvida. No entanto, se você procura o máximo em aceleração e um visual diabólico, o Lambo é seu supercarro”.
Próxima parte
Nas pistas
Embora a proposta desses Ferraris fosse mais de devorar quilômetros de rodovias que de vencer competições, diferentes versões foram colocadas nas pistas. O 550 Maranello estabeleceu um recorde de velocidade para carros de produção em outubro de 1998 em Marysville, Ohio, nos Estados Unidos: cobriu 100 km à média de 304,1 km/h e passou uma hora à média de 296,1 km/h, mesmo parando para abastecer.
O modelo estreava em 1999 no Campeonato FFSA GT francês com preparação da empresa Italtecnica para a equipe local Red Racing. Renomeado 550 Millennio, o carro foi convertido ao regulamento da categoria GT da FIA (Federação Internacional do Automóvel) e chegou a competir nos EUA na temporada de 2002 da American Le Mans Series, ALMS. Enquanto isso a alemã Baumgartner Sportwagen Technik desenvolvia o 550 GTS, também voltado ao GT da FIA, com participações entre 2001 e 2005.
O 550 não parou por ali: a versão GTO (depois rebatizada GTS) para o FIA GT teve 10 unidades preparadas pela inglesa Prodrive. A potência subia de 485 para mais de 600 cv e o peso baixava de 1.690 para cerca de 1.100 kg. Obteve bons resultados, sobretudo em 2003, como o título do FIA GT, a vitória em sua classe na 24 Horas de Le Mans e o segundo lugar na categoria na ALMS. No Japão o GTS correu o campeonato de turismo local JGTC em 2004 e 2005 e então passou ao Japan Le Mans Challenge, que venceu em sua classe em 2006 e 2007.
Com o lançamento do 575M, aparecia em 2003 o 575 GTC (Gran Turismo Competizione), desenvolvido em cooperação com a N. Technology. O motor passava para 6,0 litros e alcançava 605 cv e 74,4 m.kgf, suficientes para máxima de até 335 km/h, e o peso ficava em 1.150 kg, limite mínimo pelo regulamento, ajudado por painéis de carroceria em material composto. A suspensão permitia ajuste dos amortecedores, estabilizadores e do sistema antimergulho.
O 575M, contudo, ficou longe do sucesso do 550: venceu apenas uma prova em cada temporada em 2003 e 2004. O GTC ganhava em 2005 a versão Evoluzione (evolução em italiano), com aerodinâmica retrabalhada e motor revisto para curva de torque mais plana. O carro tinha transmissão sequencial de seis marchas, suspensões ajustáveis e freios a disco Brembo.
Pouco após lançar o 599 GTB Fiorano, em 2006, a Ferrari organizou o evento Panamerican 20.000 com uma viagem de 20 mil milhas (32 mil km) de duas unidades entre Belo Horizonte, MG, e Nova York, nos EUA. Os carros passaram também por Argentina, Chile, Bolívia, Peru, países da América Central, México e Canadá em um percurso de 84 dias em 15 etapas.
O Fiorano ganhava em 2009 a versão XX de corridas. O V12 de 6,0 litros alcançava 9.000 rpm para obter 700 cv (mais 80 que no modelo de rua) e a caixa automatizada trazia nova programação para trocas de marcha em 60 milésimos de segundo. Além da notável sustentação negativa (630 kg a 300 km/h), a sofisticação aerodinâmica incluía sistema de ventilação sob a tampa do porta-malas, que expulsava ar por saídas na traseira, conforme o lado da curva, para aumentar a aderência no lado desejado. Nos freios de carbono-cerâmica as pastilhas usavam fibra de carbono, como várias peças de carroceria.