
Retomada há 20 anos com o 550 Maranello, a clássica configuração evoluiu para 575M, 599 GTB e F12 Berlinetta
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
O clássico conceito de carro grã-turismo com motor V12 dianteiro e tração traseira tem na Ferrari um de seus baluartes: era assim o primeiro modelo de rua da empresa, o 125 S, lançado em 1947 com uma compacta unidade de 1,5 litro (125 cm³ por cilindro, origem da designação) e potência de 118 cv e produzido em apenas dois exemplares. Uma concepção mantida em modelos legendários como as séries 166/195/212, 250, 275 e 330.
Com o passar do tempo a tradicional arquitetura perdeu espaço na marca do cavalinho empinado. Embora o 365 GTB/4 “Daytona” de 1968 tivesse respondido à Lamborghini que motor central-traseiro — como o de seu Miura — não fosse a única solução a adotar, a empresa de Maranello parecia ter cedido à tendência na década seguinte: era atrás da cabine que estava o coração do 365 GT4 BB ou Berlinetta Boxer de 1973, que ainda por cima adotava a disposição de 12 cilindros horizontais contrapostos (boxer) ou, como gostava o comendador Enzo, um “V” de 180 graus.
Nascida com o primeiro Ferrari, a tradição do V12 dianteiro ganhou força com o “Daytona”, mas foi abandonada nos Berlinetta Boxer e Testarossa
A disposição do Berlinetta Boxer revelou-se tão bem sucedida nas ruas — assim como nas pistas — que a Ferrari a definiu como padrão para seu sucessor, o Testarossa, apresentado em 1984. O boxer evoluiu nas versões posteriores 512 TR e 512 M, mas para a próxima geração de grã-turismo a marca, desde 1991 sob o comando do presidente Luca Cordero di Montezemolo, decidiu que era o momento de voltar às origens. Uma das razões seria permitir o compartilhamento da plataforma e de componentes mecânicos com o 456 GT, modelo de quatro lugares e motor dianteiro lançado em 1992. Em segmentos mais voltados à esportividade a posição central-traseira foi mantida, como no F355 (1994) e no supercarro F50 (1995).
O 550 Maranello acelerava de 0 a 100 km/h em 4,4 segundos e alcançava 320 km/h: mais rápido e veloz que Porsche 911 Turbo e Aston Martin DB7
O resultado do projeto F133 era apresentado em julho de 1996, com direito a avaliação pela imprensa no circuito alemão de Nürburgring. Chamava-se 550 Maranello em referência à cilindrada de 5,5 litros e à cidade-sede da marca — um abandono das clássicas designações da Ferrari, ora com a cilindrada unitária, ora com alusão à cilindrada e ao número de cilindros, como nos modelos 512.
Desenhado por Lorenzo Ramaciotti no tradicional parceiro da marca, o estúdio italiano Pininfarina, o 550 impressionava. A carroceria de alumínio era tão atraente e equilibrada em sua esportividade que ele merece lugar na galeria de mais belos Ferraris de todos os tempos. A frente comprida e baixa destacava os quatro faróis carenados e a ampla tomada de ar central no capô. As duas saídas de ar em cada para-lama dianteiro lembravam as do 250 GTO e do 275 GTB. Atrás, as clássicas quatro lanternas circulares que ladeavam o cavalo empinado remetiam ao “Daytona”.
O 550 Maranello está certamente entre os mais belos Ferraris da história; as saídas de ar e lanternas eram inspiradas em modelos do passado
O coeficiente aerodinâmico (Cx) 0,33 era bom para um carro esporte na época, sem prejuízo da sustentação negativa em ambos os eixos. No interior do Maranello estavam bancos revestidos em couro com regulagens elétricas, painel de instrumentos completo (com quatro mostradores circulares diante do motorista e outros três à direita) e a tradicional grade vazada de alumínio dentro da qual se deslocava a alavanca de transmissão. À frente dela, o rádio/toca-CDs parecia acrescentado de última hora — para que ouvi-lo quando há uma música tão refinada vindo de sob o capô? Acessórios da grife Carrozzeria Scaglietti eram lançados no ano seguinte.
A arquitetura cedida pelo 456 GT com chassi tubular de aço fora reduzida em 10 cm na distância entre eixos, que passava a 2,50 metros. Também comum ao modelo de quatro lugares, o motor de 12 cilindros em “V” a 65 graus tinha bloco de alumínio, quatro válvulas por cilindro, pistões forjados, bielas de titânio, coletor de admissão com geometria variável, borboletas de aceleração individuais e lubrificação com cárter seco. O escapamento oferecia um caminho mais direto para uso em altas rotações, enquanto o de maior contrapressão e menor ruído era usado em condução moderada.
Potência de 485 cv a 7.000 rpm e torque máximo de 58 m.kgf a 5.000 rpm eram enviados à transmissão manual de seis marchas montada em transeixo na traseira, solução para boa distribuição de peso entre os eixos. De acordo com a fábrica, o 550 acelerava de 0 a 100 km/h em 4,4 segundos e alcançava velocidade máxima de 320 km/h. Era mais rápido e veloz que o Porsche 911 Turbo de 408 cv (290 km/h e 4,5 s) e o Aston Martin DB7 de 340 cv (265 km/h e 5,7 s), embora menos que o Lamborghini Diablo SVR de 500 cv (350 km/h e 3,9 s).
No interior luxuoso e esportivo, só o aparelho de áudio parecia irrelevante; o assoalho carenado concorria para a sustentação negativa
As suspensões dianteira e traseira seguiam o mesmo conceito independente por braços sobrepostos, com molas helicoidais, e usavam amortecedores com controle eletrônico que podiam ser ajustados a bordo entre os modos normal e esportivo, escolha possível também para o controle de tração. Freios a disco ventilado paravam as quatro rodas de magnésio de 18 polegadas, mais largas na traseira. O tanque de combustível de 115 litros garantia ampla autonomia, mesmo quando o motorista decidisse acionar a música do V12 a pleno acelerador.
A Motor Trend comparou-o ao Diablo 6.0: “O Maranello é extremamente estável rodando acima de 250 km/h. Embora não seja tão rápido quanto o Diablo, ele ainda fornece desempenho estelar a inspira confiança em velocidades muito além do legal. Além disso, é muito mais fácil de entrar e sair, de manobrar no tráfego e de estacionar. Para dirigir todos os dias, o 550 é o vencedor sem dúvida. No entanto, se você procura o máximo em aceleração e um visual diabólico, o Lambo é seu supercarro”.
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Nas pistas
Embora a proposta desses Ferraris fosse mais de devorar quilômetros de rodovias que de vencer competições, diferentes versões foram colocadas nas pistas. O 550 Maranello estabeleceu um recorde de velocidade para carros de produção em outubro de 1998 em Marysville, Ohio, nos Estados Unidos: cobriu 100 km à média de 304,1 km/h e passou uma hora à média de 296,1 km/h, mesmo parando para abastecer.
O modelo estreava em 1999 no Campeonato FFSA GT francês com preparação da empresa Italtecnica para a equipe local Red Racing. Renomeado 550 Millennio, o carro foi convertido ao regulamento da categoria GT da FIA (Federação Internacional do Automóvel) e chegou a competir nos EUA na temporada de 2002 da American Le Mans Series, ALMS. Enquanto isso a alemã Baumgartner Sportwagen Technik desenvolvia o 550 GTS, também voltado ao GT da FIA, com participações entre 2001 e 2005.
O 550 não parou por ali: a versão GTO (depois rebatizada GTS) para o FIA GT teve 10 unidades preparadas pela inglesa Prodrive. A potência subia de 485 para mais de 600 cv e o peso baixava de 1.690 para cerca de 1.100 kg. Obteve bons resultados, sobretudo em 2003, como o título do FIA GT, a vitória em sua classe na 24 Horas de Le Mans e o segundo lugar na categoria na ALMS. No Japão o GTS correu o campeonato de turismo local JGTC em 2004 e 2005 e então passou ao Japan Le Mans Challenge, que venceu em sua classe em 2006 e 2007.
Com o lançamento do 575M, aparecia em 2003 o 575 GTC (Gran Turismo Competizione), desenvolvido em cooperação com a N. Technology. O motor passava para 6,0 litros e alcançava 605 cv e 74,4 m.kgf, suficientes para máxima de até 335 km/h, e o peso ficava em 1.150 kg, limite mínimo pelo regulamento, ajudado por painéis de carroceria em material composto. A suspensão permitia ajuste dos amortecedores, estabilizadores e do sistema antimergulho.
O 575M, contudo, ficou longe do sucesso do 550: venceu apenas uma prova em cada temporada em 2003 e 2004. O GTC ganhava em 2005 a versão Evoluzione (evolução em italiano), com aerodinâmica retrabalhada e motor revisto para curva de torque mais plana. O carro tinha transmissão sequencial de seis marchas, suspensões ajustáveis e freios a disco Brembo.
Pouco após lançar o 599 GTB Fiorano, em 2006, a Ferrari organizou o evento Panamerican 20.000 com uma viagem de 20 mil milhas (32 mil km) de duas unidades entre Belo Horizonte, MG, e Nova York, nos EUA. Os carros passaram também por Argentina, Chile, Bolívia, Peru, países da América Central, México e Canadá em um percurso de 84 dias em 15 etapas.
O Fiorano ganhava em 2009 a versão XX de corridas. O V12 de 6,0 litros alcançava 9.000 rpm para obter 700 cv (mais 80 que no modelo de rua) e a caixa automatizada trazia nova programação para trocas de marcha em 60 milésimos de segundo. Além da notável sustentação negativa (630 kg a 300 km/h), a sofisticação aerodinâmica incluía sistema de ventilação sob a tampa do porta-malas, que expulsava ar por saídas na traseira, conforme o lado da curva, para aumentar a aderência no lado desejado. Nos freios de carbono-cerâmica as pastilhas usavam fibra de carbono, como várias peças de carroceria.
Michael Schumacher participou dos testes do 550 Maranello; com 485 cv, ele alcançava 320 km/h e usava amortecedores com controle eletrônico
Na Road & Track, também nos EUA, o 550 competiu em 2000 com Diablo, BMW Z8, Chevrolet Corvette Z06, Porsche 911 Turbo e Ruf 993 Turbo R em um teste de capacidades dinâmicas. Se não ficou entre os mais rápidos em cada prova, transmitiu segurança: “O carro é muito suave, mal se sente o motor. Segue acelerando sem esforço a cada marcha”, descreveu o piloto Wayne Taylor. “Com esse carro você sente que nada pode acontecer. Ele faz parecer que poderia ir a 300 km/h até o fim do mundo”, complementou Paul Frère após dirigi-lo na pista sob chuva intensa.
A inglesa Evo colocou em 2006 o Maranello ao lado do novo 599 Fiorano para avaliar a evolução da espécie: “Quando em 2004 relacionamos os 10 melhores carros dos 10 anos anteriores, o 550 foi nosso campeão. É um parceiro magnífico, com um V12 que parece uma turbina fornecendo potência infinita e respostas enfáticas em sexta marcha. É também muito confortável, com os bancos Daytona permitindo quatro horas de viagem sem cansaço. Nas curvas, logo encontramos um ritmo com cada mudança ou redução de marcha acompanhada de um delicioso schlick-schlick enquanto a alavanca de transmissão desliza entre os trilhos de alumínio. É difícil acreditar que 10 anos se passaram desde seu lançamento. Que carro”.
O Barchetta Pininfarina tinha para-brisa mais baixo e dispensava capota retrátil: havia apenas uma cobertura para uso moderado em dias de mau tempo
Uma edição limitada de 33 unidades era lançada em 1999: a World Record, em alusão ao recorde de velocidade estabelecido no ano anterior pelo 550 (leia quadro na página 1). O Maranello ganhava uma variação a céu aberto no Salão de Paris em setembro de 2000: o 550 Barchetta Pininfarina — barchetta, ou barquinho, é um termo usual dos italianos para roadsters. Não se tratava de um conversível na acepção tradicional, com capota retrátil: a fábrica sugeria o uso da cobertura manual apenas quando as condições climáticas exigissem e nunca acima de 110 km/h. A solução tinha como intuito manter o peso original do cupê, apesar dos reforços à estrutura e dos arcos de proteção adicionados atrás dos bancos.
O pacote HGTC para o 575M, com foco no comportamento, trazia freios a disco de carbono-cerâmica, inéditos em Ferrari de motor dianteiro
O para-brisa era 10 cm mais baixo que no 550 original. Dentro do Barchetta, os bancos de fibra de carbono podiam trazer cintos de quatro pontos de corrida e o painel era revestido em camurça sintética, chamada de Lorica. A produção foi restrita a 448 unidades, cada uma com placa numerada e assinada por Sergio Pininfarina no console — bem menos que os 3.083 exemplares do cupê.
“Aperte o acelerador e você sentirá um fornecimento interminável de torque, acompanhado por um ronco de motor que ressona em torno de seu corpo”, descreveu a Road & Track sobre o Barchetta. “Se os números de desempenho não parecerem espetaculares o bastante, é a experiência de todo o som e a fúria do V12 que o diferencia de todos os outros. Ele não tem o caráter de corredor de rua dos irmãos mais novos 360 Modena e Spider, mas fica plantado firmemente ao asfalto em curvas e equiparou-se à aceleração lateral do 360 no teste”.
Schumacher ao volante do Barchetta, que mantinha o V12 do modelo fechado; apenas 448 unidades desse roadster foram produzidas
No 575M, transmissão F1 e mais potência
Embora as belas formas do 550 Maranello tenham resistido bem aos anos, a Ferrari apresentava uma evolução em 2002: o 575M Maranello, identificação para a nova cilindrada de 5,75 litros e a palavra italiana modificata. Com poucas novidades na aparência (caso dos faróis), ele trazia evoluções mecânicas e eletrônicas que atualizavam o GT e aprimoravam seu comportamento, a começar pelo motor apto a produzir 515 cv a 7.250 rpm e 60 m.kgf a 5.250 rpm.
Na transmissão, a novidade era a alternativa da manual automatizada F1 produzida pela Magneti Marelli, com acionamento eletro-hidráulico e mudanças comandadas por meio de pás junto ao volante — tão rápidas quanto 200 milissegundos —, subindo pela direita e reduzindo pela esquerda. Na plaqueta de alumínio do console havia apenas uma pequena alavanca para marcha à ré e botões para operação automática e desativação do controle de tração.
Com ela as acelerações ficavam ainda mais rápidas, com 4,2 segundos para o 0-100 km/h, e a máxima passava a 325 km/h, equivalente à do supercarro F40, que em 1987 representava o máximo em Ferrari de rua. Havia ainda melhor distribuição de massas entre os eixos, aerodinâmica revista e requintes como o controle dos amortecedores vinculado à transmissão, para anular a tendência a movimentos durante as mudanças da caixa.
O visual mudava pouco, mas o 575M Maranello trazia mais 30 cv e opção de transmissão automatizada F1 para baixar o 0-100 km/h a 4,2 segundos
A Car and Driver destacou na versão F1 as “mudanças de marcha espertas sem um pedal de embreagem incômodo, velocidades chocantes mantidas sem esforço, estrelato instantâneo que confere a seu motorista. Só acima de 160 km/h a potência adicional do novo motor aparece. O 575M chega a 242 km/h em 22,1 segundos, 1,4 s mais rápido que o 550. Apesar do pico de potência a 7.250 rpm, o V12 é um doce na cidade. O 5,5 era potente, girador e fácil de lidar — e o 5,7 é simplesmente mais. A transmissão está em sua versão mais refinada, com acoplamento de embreagem mais suave. Você quer um dos carros mais velozes do mundo sem as inconveniências de um Ferrari? Aí está”.
O pacote opcional Handling GTC ou HGTC era acrescentado ao 575M com foco no comportamento dinâmico. O destaque estava nos freios a disco de carbono-cerâmica, já vistos no Enzo e no 360 Challenge Stradale, mas aplicados pela primeira vez a um Ferrari de motor dianteiro. Outras alterações envolviam a suspensão (molas e amortecedores mais firmes, estabilizador traseiro 75% mais rígido), rodas de 19 pol, pneus Pirelli PZero Corsa (255/35 à frente e 305/30 atrás), silenciadores mais leves e com nível de ruído mais alto e até o tempo de mudanças da caixa automatizada F1.
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Os conceitos e especiais
O 550 Maranello serviu de base mecânica para o conceito Pininfarina Rossa, revelado no Salão de Turim de 2000 para celebrar os 70 anos do estúdio italiano. Desenhado por Ken Okuyama, projetista japonês hoje com empresa própria e que seria o autor do Enzo de 2002, tinha estilo inspirado em carros esporte do passado e interior que destacava os dois lugares separados, com bancos concha e cintos de quatro pontos. O motor era original.
Pininfarina pode ser o estúdio de estilo mais associado à marca do cavalo empinado, mas Zagato também fez os seus. A pedido do japonês Yoshiyuki Hayashi, colecionador de Ferraris, a empresa elaborou o 575 GTZ a partir do 575M Maranello. Inspirado no 250 GT Berlinetta Zagato dos anos 60, o modelo revelado no Salão de Genebra de 2006 seguia elementos de estilo habituais como o teto em “dupla bolha”. Foram feitas seis unidades. Três anos mais tarde aparecia sua versão conversível, a 550 GTZ Barchetta, da qual se construíram cinco a partir de exemplares em perfeito estado do 550 Maranello.
Outra reinterpretação foi a da Carrozzeria Touring Superleggera para o F12 Berlinetta, mostrada em 2015 no Salão de Genebra. O Berlinetta Lusso buscava referências em modelos tradicionais da Ferrari, sobretudo na grade dianteira e na traseira, e descartava parte das curvas das laterais. A ligação da Touring com a marca iniciou-se nos anos 50 com o 166 Mille Miglia Touring.
Um Ferrari verde, não só na cor, era o 599 Hy-Kers. A versão conceitual do 599 GTB revelada em 2010 em Genebra usava motor elétrico para reduzir emissão de gás carbônico (CO2). Nesse vettura laboratorio ou carro experimental, o elétrico de 100 cv que auxiliava o propulsor a combustão ficava junto à transmissão. O jogo de baterias era montado em posição central sob o assoalho para não prejudicar o centro de gravidade ou o espaço interno. A Ferrari divulgava redução de 35% na emissão de CO2 no ciclo combinado cidade/rodovia.
O pacote HGTC vinha com alterações para melhorar estabilidade e freios do 575M; nas fotos internas, comandos no console e no volante para a caixa F1
A Evo aprovou as alterações: “Embora pareça pouco diferente do 575M básico, o HGTC representa uma extensiva melhoria de freios, suspensão, escapamento e programação da transmissão. Sua maior vitória talvez seja a tangível sensação de agilidade: em 10 minutos o 575M encolhe em torno de você, a ponto de colocar o carro em curvas se tornar puramente instintivo. Suspensão, pneus e freios trabalham em tanta harmonia que não há ponto fraco. Nota-se com que frequência você pode usar pleno acelerador. Você pode comprar um bom carro com o preço da opção HGTC, mas para o comprador de um Ferrari V12 é um pequeno valor a pagar por uma transformação tão completa”.
Como último suspiro de seu grande carro esporte, a Ferrari lançava em novembro de 2004 o Superamerica, versão conversível do 575M. O nome vinha de uma linhagem de Ferraris especiais de produção limitada, feitos entre 1951 e 1960. Foram feitos 559 exemplares.
Atração do Superamerica, o teto Revocromico podia alterar sua transmissão de luz e ser basculado para trás em 10 segundos para abrir a cabine
O destaque era o painel envidraçado que servia de teto retrátil. Chamado de Revocromico, ele continha camadas de filme eletrocrômico para alterar sua transmissão de luz (ou seja, clarear ou escurecer) de acordo com a corrente elétrica que recebia. Um comando no console efetuava tal ajuste entre cinco níveis de tom azulado, em operação que consumia 60 segundos entre os pontos extremos. Mesmo no mais escuro ainda se podia ver o Sol. Em vez de ser dobrado e guardado sob a tampa do porta-malas, como já ocorria na época com o do Mercedes-Benz SLK, o teto retrátil do Ferrari basculava-se para trás, tendo sua parte traseira como eixo, e então era embutido na vertical em um processo de 10 segundos sem prejuízo à capacidade de bagagem. Nessa posição, atuava como bloqueio do vento que vem de trás quando se roda a céu aberto.
No 599 GTB Fiorano, capaz de 0-100 em 3,7 segundos, o seletor no volante ajustava transmissão, controle de estabilidade e amortecedores
O motor V12 ganhava admissão e escapamento com fluxo menos restritivo para passar a 540 cv sem alteração no torque. Com meros 60 kg de acréscimo de peso ao cupê, o Superamerica acelerava de 0 a 100 km/h em 4,2 segundos e alcançava 320 km/h, o conversível mais veloz do mundo na época. Também podia receber o pacote HGTC.
“Mecanismo inteligente de teto e aumento de potência fazem deste um 575 muito especial”, destacou a Evo. “É uma tentativa muito mais séria de um V12 aberto que o mal executado 550 Barchetta, sem sacrificar muito em rigidez e usabilidade no mundo real. O pacote HGTE leva o preço do Superamerica a mais de 200 mil libras, mas 40% dos compradores pediram essa opção e 92% escolheram o sistema F1. Se você puder bancar o custo, o HGTE vale o preço pelo grande aumento em controle de rolagem e aderência e a fenomenal capacidade de frenagem”.
A série 550/575 cedia espaço em 2006 ao 599 GTB Fiorano, com muito alumínio, colunas traseiras alongadas e 620 cv no motor V12 de 6,0 litros
Fiorano: estrutura de alumínio e 620 cv
Substituir o 575M era uma tarefa árdua: esse estandarte da fábrica italiana havia estabelecido, junto do 550 Maranello, o recorde de vendas para essa classe de veículos na Ferrari com mais de 5.700 veículos desde 1996. Depois de nove anos, a série enfim ganhava um sucessor no Salão de Genebra em março de 2006: o 599 GTB Fiorano, este o nome do circuito italiano no qual a Ferrari testa seus carros. O número era alusivo à cilindrada (5.999 cm³) e a sigla significava Gran Turismo Berlinetta ou cupê grã-turismo.
A marca de Maranello apostou em formas menos ousadas que as do Enzo ou mesmo do F430, que haviam dividido opiniões. Com desenho de Pininfarina, o 599 GTB era mais comprido, largo e alto que o antecessor. Na frente os faróis lembravam os do F430 e o capô com duas saídas de ar tinha um ressalto por toda a extensão. O Cx de 0,336 não surpreendia, mas o projeto previa baixa sustentação mesmo sem aerofólio traseiro. As rodas dianteiras eram de 19 pol e as traseiras de 20 pol. Como no antecessor a traseira quase formava um terceiro volume, camuflado nas laterais pelas colunas posteriores alongadas, conhecidas como flying buttress em alusão a colunas da arquitetura.
O interior do Fiorano associava sofisticação e esportividade, com bancos revestidos em couro com apoios laterais de fibra de carbono, conta-giros central com escolha da cor de fundo (vermelho ou amarelo) e comodidades como volante com ajuste elétrico, ar-condicionado de duas zonas, sensores de pressão e temperatura dos pneus e conjunto de malas de viagem fabricadas sob medida. Opcionais eram volante de fibra de carbono inspirado no do Enzo, com leds no topo para indicar a rotação para troca de marcha, e freios de carbono-cerâmica.
Bancos e volante com ajuste elétrico, seletor de modos de condução, opção de freios de carbono-cerâmica: sofisticação técnica e no interior do 599
Como no modelo de quatro lugares 612 Scaglietti, a estrutura e a carroceria eram de alumínio. O motor de 6,0 litros derivado do que equipava o Enzo era o mais potente V12 já usado em um Ferrari desse perfil: 620 cv a 7.600 rpm e torque de 61,9 m.kgf a 5.600 rpm para transportar 1.690 kg — relação peso-potência de ótimos 2,6 kg/cv. A potência específica de 103 cv/l era inédita para um motor de aspiração natural desse porte e, com variação de tempo de abertura das válvulas de admissão e escapamento, a marca conseguiu melhor distribuição de torque pela faixa de operação.
O desempenho impressionava — 0 a 100 km/h em 3,7 segundos e máxima de 330 km/h —, mas não tanto quanto o do principal concorrente, o Lamborghini Murciélago LP640 (340 km/h e 3,4 s). O Porsche 911 Turbo, então com 480 cv, igualava-se ao Ferrari no 0-100 e alcançava 310 km/h. A nova geração Superfast da transmissão automatizada F1 reduzia o tempo de troca de marchas para apenas 100 milissegundos. Permaneciam o modo automático e o assistente de arrancada para saídas rápidas sem perda de tração. Pelo seletor no volante, o manettino, o motorista podia escolher o programa de condução para ajustar transmissão, controle de estabilidade e regulagem magneto-reológica dos amortecedores.
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Os preparados
A suíça Sbarro, preparadora e construtora de carros especiais, lançou em 2002 sua proposta para o 550 Maranello. Da carroceria original restaram capô e teto: o restante foi alargado em 14 centímetros e surgiram novos para-choques e seis saídas de escapamento. Com motor original, o carro usava rodas de 19 pol e pneus traseiros 345. Consta que foram feitos apenas dois, um deles destruído em acidente.
Se a opção fosse fazer a potência do V12 disparar, o caminho era a alemã Koenig Specials, que aplicava dois turbos para o levar a 800 cv e 77 m.kgf. A empresa (que iniciou suas preparações nos anos 70 com o Ferrari Berlinetta Boxer) anunciava 0-100 em 3,4 s e máxima de 350 km/h para o Maranello, que ganhava rodas de 19 pol e um chamativo aerofólio traseiro. Pavesi e Imola Racing também modificaram o modelo.
O 575M passou por preparadoras como Edo Competition, Hamann e Novitec Rosso, todas alemãs. A Novitec remodelava os para-choques, aplicava aerofólio traseiro e rodas de 19 pol e mudava freios, bancos e volante. O motor ganhava 18 cv com escapamento mais livre. A Edo, além de retrabalhar o cupê, fez em 2015 um Ferrari peculiar: o 575 GTS, um 550 Barchetta preparado. O conversível passou a 515 cv e ganhou carroceria alargada e bancos especiais.
As mesmas três empresas do 575M, assim como Anderson Germany, Mansory, Project Kahn e Vorsteiner, apresentaram propostas para o 599 GTB. A da alemã Anderson trazia anexos aerodinâmicos de fibra de carbono, rodas de 21 pol com pneus 345/25 na traseira, bancos de couro preto e vermelho e detalhes internos de carbono. O V12 ganhava 54 cv com escapamento especial que oferecia dois níveis de ruído.
Pela Novitec Rosso o 599 recebia dois compressores para alcançar 611 cv, novos freios, suspensão revista e rodas de 20 e 21 pol. O SA Aperta da preparadora era ainda mais potente: 888 cv e 88 m.kgf para 0-100 em 3,1 s e máxima de 340 km/h. Foram aplicadas molas especiais para rebaixar o chassi e rodas de alumínio forjado de 21 pol na frente e 22 atrás. O mesmo conjunto podia ser instalado no 599 GTO.
Para o F12 uma das ousadas propostas foi o Novitec Rosso N-Largo, com pacote visual de fibra de carbono para alargar a carroceria, preparação eletrônica e escapamento mais livre para levar o V12 a 781 cv e 73,6 m.kgf, que permitiam máxima de 350 km/h. Ganhava ainda molas esportivas para menor altura e rodas de 21 e 22 pol em alumínio forjado. Outras propostas foram feitas por DMC e Mansory.
Suspensão mais firme, transmissão recalibrada, bancos especiais com cintos de quatro pontos: o 599 GTB ganhava em 2009 seu pacote HGTE
O Fiorano foi testado pela Evo: “O V12 tem um som glorioso e sua nota quando se afunda o acelerador é épica. Há um salto de potência a 3.000 rpm e outro a 5.500. O trabalho dos amortecedores mal é notado, como deve ser: rolagem e mergulho são amenizados, mas o 599 parece muito natural em uma série de curvas. Embora pareça tão pesado quando a balança acusa, é um carro tremendamente ágil”. A revista inglesa considerou-o “extraordinariamente executado: o teste provou que seu desempenho geral equivale-se ao do F40. Isso é sensacional diante de quão mais pesado ele é, mas seu motor é um dos melhores do mundo, associado à caixa automatizada mais impressionante que já experimentamos. Não há outro GT que chegue perto das habilidades do 599 nem da riqueza de sua experiência”.
A exemplo do 575M, o Fiorano recebeu seu pacote de comportamento dinâmico, dessa vez chamado de HGTE (Handling Gran Turismo Evoluzione, ou evolução). Lançado em março de 2009, compreendia molas e amortecedores mais firmes, estabilizador traseiro mais grosso e menor altura de rodagem. As trocas de marcha estavam mais rápidas e os pneus usavam composto de maior aderência em novas rodas de 20 pol. Mudavam também o silenciador e os bancos, com acabamento em couro e camurça sintética, parte traseira em fibra de carbono e cintos de quatro pontos integrados. O motor seguia inalterado.
Com mais 50 cv no motor de 6,0 litros e 85 kg a menos que o GTB, o 599 GTO acelerava à frente do supercarro Enzo e atingia 333 km/h
A Car and Driver comparou o 599 HGTE em 2010 ao Lexus LFA: “Em rodovia o Ferrari é mais refinado. A 130 km/h o V12 está calmo e o rodar é mais confortável que o do LFA, desde que o manettino esteja em um dos programas menos agressivos. Acelere e seu lado esportivo brilha. O V12 é magnífico, com fornecimento linear de potência; faz um empurrão imenso de 2.000 rpm ao limite de 8.400. Com o manettino em Race a resposta do acelerador é ainda mais precisa, mas gostaríamos de uma nota de escapamento mais alta a plena aceleração”. O 599 foi superior também transmissão e espaço de bagagem, mas perdeu em direção e estabilidade.
Mais potente que o Enzo, até então o supercarro de topo da marca, o 599 GTO superava-o em aceleração e no tempo de volta na pista de testes de Fiorano
A carismática sigla GTO (Gran Turismo Omologato, grã-turismo homologado para competição) retornava à Ferrari em abril de 2010. Mas dessa vez não era um carro com carroceria exclusiva, como o clássico 250 GTO dos anos 60 ou mesmo o 288 GTO dos 80, e sim uma versão mais potente para o 599 GTB Fiorano, capaz de superar em desempenho até mesmo o Enzo.
Com soluções da versão de corridas XX, o 599 GTO tinha o V12 de 6,0 litros revisto para 670 cv a 8.250 rpm e 63,2 m.kgf a 6.500 rpm (aumentos de 50 cv e 1,3 m.kgf sobre o GTB) com maior taxa de compressão, redução de atritos e novos sistemas de admissão e escapamento. Era 10 cv mais potente que o Enzo, até então o supercarro de topo da marca. Com peso de 1.605 kg (menos 85 kg que no GTB), o GTO acelerava de 0 a 100 km/h em 3,35 segundos e alcançava 335 km/h, o que o deixava entre o GTB (330 km/h e 3,7 s) e o Enzo (350 km/h e 3,65 s) em velocidade e à frente de ambos em aceleração.
Versão conversível do 599, o SA Aperta celebrava 80 anos do estúdio Pininfarina com uma série de 80 unidades, que usavam o motor do GTO
Não menos importante, o tempo de 1 min 24 s para a volta na pista de testes de Fiorano era melhor que o do próprio Enzo. Para identificar o GTO a Ferrari adotou defletores e tomadas de ar mais pronunciados, teto em fibra de carbono na cor natural negra e novas rodas forjadas de 20 pol com pneus Michelin Supersport. Os freios usavam discos de carbono-cerâmica de nova geração e pastilhas de cerâmica, inéditas em carros de rua; a suspensão foi revista e a transmissão automatizada fazia trocas ainda mais rápidas, em 60 milissegundos. A produção foi limitada a, curiosamente, 599 unidades.
“Qualquer um que pensar que essa máquina não merece seu nome deveria calar a boca, dirigir e então decidir”, desafiou a Evo. “A intenção foi extrair o máximo desempenho em circuito do 599, mas ainda com usabilidade suficiente para o carro ser prazeroso na rua. Na pista de Fiorano o carro é brutalmente rápido. Ele parece muito diferente do GTB, pois você pode chegar em muito maior velocidade às curvas e ainda se apoiar no eixo dianteiro. A tração é excelente, mas ainda é possível derreter os pneus com a eletrônica desativada”.
A revista também comparou-o ao Porsche 911 GT2 RS: “O GTO é bem maior que o 911 e mais de 200 kg mais pesado. Assim, há sempre uma sensação de inércia no Ferrari. Não é preguiça — o carro é preciso demais para que seja o caso —, mas múltiplas mudanças de direção requerem que o motorista realmente pense adiante. Embora o GTO tenha distribuição de peso perfeita, não se pode usar toda sua potência na saída da curva do modo que o Porsche permite. O motor é simplesmente sensacional: um instrumento musical com propulsão linear de 2.000 a 8.500 rpm. O do Porsche é certamente mais efetivo, mas é apenas um mecanismo sem nome depois do V12”.
Com a edição 60F1, derivada do 599 HGTE com decoração específica, a Ferrari marcava os 60 anos de sua primeira vitória na Fórmula 1
Como ocorreu com 550 e 575M, o 599 GTB Fiorano ganhou uma versão conversível. No Salão de Paris em setembro de 2010 aparecia o 599 SA Aperta (aberta), restrito a 80 unidades em alusão aos 80 anos da parceira de longa data Pininfarina. A sigla SA referia-se a pai e filho que comandaram o estúdio, Sergio e Andrea Pininfarina. Ao perder o teto rígido, o 599 recebeu para-brisa mais inclinado e domos nas laterais atrás dos bancos no mesmo tom prata da armação daquele vidro. A capota de lona removível serviria, segundo a Ferrari, apenas a dias com tempo realmente ruim. O motor era o V12 de 6,0 litros e 670 cv do 599 GTO.
A edição especial 60F1 do 599 GTB Fiorano, em dezembro de 2011, celebrava os 60 anos desde a primeira vitória da marca na Fórmula 1 no GP da Inglaterra de 1951. Trazia os itens do pacote HGTE, tampa do tanque em alumínio e três opções de decoração, todas com o vermelho como cor predominante. No interior os bancos Recaro podiam ter cintos de três ou quatro pontos e o acabamento usava camurça sintética. Não poderia faltar uma plaqueta comemorativa.
Próxima parte
Os especiais de fábrica
Marcas como a Ferrari têm clientes exigentes e endinheirados, que não medem esforços (e verbas) para ter um carro exclusivo. Foi o que levou a fábrica a fazer em 2009 o P540 Superfast Aperta, um 599 GTB conversível em exemplar único, feito dentro do programa Special Projects um ano antes do SA Aperta de série. Inspirado em um modelo desenhado pela Carrozzeria Fantuzzi para o filme Toby Dammit, de Felini, lançado em 1968, o carro destinava-se a Edward Walson (filho de John Walson, o inventor da TV a cabo), que participou de todas as fases do projeto. Desenhado por Pininfarina, o P540 recebeu amplo reforço estrutural e uso mais extenso de fibra de carbono, o que permitiu até reduzir o peso em 20 kg. O motor V12 não foi modificado.
Para um comprador da marca havia 45 anos, o colecionador de automóveis Peter Kalikow, de Nova York, EUA, foi feito outro 599 especial em 2011. O exemplar único, inspirado nos 400 e 410 Superamerica dos anos 50, foi chamado de Superamerica 45 e ficou exposto no elegante encontro de clássicos Villa d’Este Concorso d’Eleganza. Desenhado por Frank Stephenson, baseava-se no 599 GTO. O teto de fibra de carbono retrátil incluía o vidro traseiro; quando rebatido, acomodava-se na seção posterior remodelada. Frente e laterais também foram modificadas e até a cor era especial: o mesmo tom de azul do 400 Superamerica Cabriolet 1961 de Kalikow.
Nas telas
Dos modelos aqui abordados, apenas o primeiro tem várias aparições relevantes no cinema. O 550 Maranello pode ser visto em filmes de ação como Bad Boys II (2003) e Agentes 000 (Double Zéro, 2004), na comédia Um Homem de Família (The Family Man, 2000) e na ação inglesa Cannonball Run Europe: Great Escape (2005). Sua evolução 575 M também está em Bad Boys II. Dos carros seguintes, vale citar o 599 GTB Fiorano da comédia The Third Rule (2010).
Com 740 cv no V12 de 6,3 litros e menor peso que o do Fiorano, o F12 Berlinetta cumpria o 0-100 km/h em 3,1 segundos: o mais rápido dos Ferraris
F12: fluido e ainda mais rápido
Mais potência, menos peso, melhor aerodinâmica: que fórmula poderia ser mais acertada para o supercarro que vinha substituir uma lenda como o Ferrari 599 GTB Fiorano? O F12 Berlinetta, estrela da marca de Maranello no Salão de Genebra em março de 2012, estreava com esses grandes atributos e um estilo que, sem inovar de fato, conseguia associar perfil moderno a elementos clássicos do fabricante, caso das lanternas traseiras circulares.
No desenho, feito mais uma vez em parceria com Pininfarina, chamava atenção a fluidez de linhas como as das laterais, com uma reentrância em forma de onda entre os para-lamas dianteiros e as portas, e as da traseira, onde as formas que emolduravam as lanternas se uniam na seção central do para-choque. Menor distância entre eixos e motor, painel e bancos mais baixos buscavam maior agilidade e centro de gravidade mais próximo do solo. Chassi e carroceria com 12 tipos diferentes de ligas, alguns deles inéditos na construção de automóveis, contribuíam para a redução de peso de 70 kg em comparação ao GTB.
Avanços eram notados também em aerodinâmica, não apenas pelo Cx mais baixo (0,299 ante 0,34 do antecessor), mas também pela sustentação negativa 76% maior (123 kg a 200 km/h). O fluxo de ar foi aprimorado por duas soluções: a “ponte aerodinâmica”, que direcionava ar dos sulcos do capô para as laterais e reduzia sua parcela que passava por cima do carro, e o arrefecimento ativo de freios, com dutos que se abriam no para-choque para ventilar os discos apenas quando eles acusassem alta temperatura.
No interior do F12, atraente como de hábito, muitos comandos no volante e configuração dos instrumentos; a transmissão era de dupla embreagem
Embora a pressão por menores consumo e emissão de gás carbônico (CO2) viesse levando várias marcas de esportivos a usar turbocompressor e reduzir a cilindrada — como a própria Ferrari faria mais tarde com o California e o 488 GTB —, o F12 Berlinetta recebia um motor V12 de aspiração natural ainda maior que o do Fiorano, com 6.262 cm³. Com injeção direta, a potência de 740 cv (70 cv a mais que no 599 GTO e 40 acima do Lamborghini Aventador) era atingida a 8.500 rpm, com limite de giros a 8.700, e representava 118 cv/l. O torque máximo de 70,4 m.kgf aparecia a 6.000 rpm, mas 80% estavam disponíveis já a 2.500.
No F12 TDF, alusão à Tour de France, o V12 chegava a 780 cv e o peso era 110 kg mais baixo: acelerava de 0 a 100 em 2,9 segundos e superava 340 km/h
Não existia transmissão manual para o F12, que adotava uma caixa automatizada F1 de dupla embreagem com sete marchas. O Ferrari de rua mais rápido já visto arrancava de 0 a 100 km/h em 3,1 segundos, passava pelos 200 em 8,5 s e superava 340 km/h. O tempo de volta de 1 min 23 s em Fiorano confirmava sua supremacia na marca. Para controlar esse ímpeto o F12 usava freios de carbono-cerâmica, ajuste magneto-reológico dos amortecedores, diferencial E-Diff com bloqueio eletrônico e assistente de largada F1-Trac. Consumo e emissão de CO2 foram reduzidos em 30% em relação aos do GTB.
A Car and Driver definiu que “o botão Launch (largada) entre os bancos deveria se chamar ‘quebra-pescoço’. Dizem que bons cavalos não gostam de maus cavaleiros, mas o F12 foi programado para tolerar os inexperientes. Cada grau de volante leva a uma resposta previsível do carro. Ganha-se confiança rápido e o chassi faz tudo melhor do que se espera. Em Fiorano, sentimo-nos confortáveis o bastante para um power-slide [derrapagem de traseira pela aplicação de potência] ao fim da primeira volta. É um supercarro usável e confortável, que entretém e delicia a todas as velocidades”.
Restrito a 10 exemplares, o F60 America foi a versão conversível do F12; o interior destacava o espaço do piloto com acabamento em vermelho
A Evo confrontou o F12 ao Aston Martin V12 Vanquish e ao Aventador: “De repente, controlar seus 740 cv torna-se um verdadeiro desafio. Ele é tão rápido e brutal em respostas ao menor movimento que se fica constantemente ocupado. A aceleração é tão forte e incansável que você mal processa o tempo até a próxima curva. O F12 é certamente mais supercarro que GT, de modo que o Aventador é seu rival mais próximo. O Ferrari é mais usável todos os dias, mas o Lamborghini vence em drama visual. Não há dúvida de que o F12 está em outro nível tecnológico”.
O F12 conversível aparecia em 2014 em edição limitada de 10 unidades com o nome F60 America, alusão aos 60 anos de atividades da marca nos EUA. Com arcos de proteção revestidos em couro atrás dos bancos, extensões de fibra de carbono para esses elementos, frente e traseira modificadas e pintura ao estilo dos carros da equipe North American Racing Team (NART), ele destacava em vermelho o posto do piloto e mantinha o motor original.
A primeira evolução técnica do F12, em outubro de 2015, foi denominada TDF em referência à corrida de longa duração Tour de France, vencida várias vezes pela marca nos anos 50 e 60. O V12 ganhava 40 cv, passando a 780 cv a 8.500 rpm (125 cv/l) e 71,9 m.kgf a 6.750 rpm. Com redução de peso em 110 kg (para 1.520 kg) pelo amplo uso de fibra de carbono na carroceria e em itens internos, o TDF acelerava de 0 a 100 km/h em 2,9 segundos e deixava para trás os 200 em 7,9 s (sobre a máxima, a fábrica mantinha a informação de “mais de 340 km/h”), além de cumprir a volta em Fiorano em 1 min 21 s. Com produção limitada a 799 unidades, ele trazia alterações também na transmissão F1 (relações mais curtas e trocas até 40% mais rápidas) e no chassi.
Potência elevada a 780 cv, menor peso e chassi revisto deixavam a versão TDF do F12 ainda melhor para acelerar e devorar curvas
O eixo traseiro ganhava um sistema de esterçamento chamado de Entre-Eixos Curto Virtual, que direcionava as rodas com o objetivo de assegurar a agilidade em curvas de um carro de pequeno entre-eixos, sem abrir mão da estabilidade direcional trazida pela dimensão mais longa. Os pneus vinha mais largos e os freios ganhavam pinças similares às do La Ferrari. Mudanças na aerodinâmica ampliavam em 87% a sustentação negativa, que alcançava 230 kg a 200 km/h. O interior trazia revestimentos em tecido e camurça sintética nos bancos e carbono nos painéis de porta e no quadro de instrumentos.
“Pura pornografia automobilística”, definiu a Evo. “O TDF é o mais desejável carro à venda hoje. Tem extrema aderência no eixo dianteiro, resposta instantânea e parece dar pouca margem de erro. A aderência adicional e muito maior controle de rolagem criam uma sensação muito diferente do F12 normal. Ele não quer brincar com grandes derrapagens de traseira: demanda respeito. E que motor! O torque profundo, insistente e o modo como ele sopra perto do limitador a 8.900 rpm não têm similar. Alguns dirão que os turbos são tão bons hoje, mas estão mentindo: o F12 TDF é prova de que para empolgação, respostas e sons, nada supera um grande motor aspirado. Nada”.
Um grande motor aspirado à frente, largos pneus empurrando o solo atrás e um cavalo empinado no volante: que definição de prazer em dirigir pode ser mais exata que um Ferrari V12 grã-turismo?
Mais Carros do Passado
Para ler
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The Road Ferraris: The Complete Story – por Anthony Pritchard, editora Haynes. Do 166 Inter de 1948 ao 612 Scaglietti, os Ferraris de rua por mais de 60 anos estão reunidos no livro de 432 páginas publicado em 2013. Inclui carros-conceito e explanação das diferenças entre versões de rua e de competição dos modelos.
Ferrari – All the Cars: a Complete Guide from 1947 to the Present – por Leonardo Acerbi, editora Giorgio Nada. De tamanho semelhante (454 páginas), a obra de 2015 também se propõe uma “enciclopédia” da marca do cavalinho, mas abrange carros da Fórmula 1 e de outras categorias das pistas.
Standard Catalog of Ferrari – 1947-2003 – por Mike Covelllo, editora Krause. Mais antigo (2003), o livro de 224 páginas traz na capa um 550 Maranello. Dentro, informações de todos os modelos de rua desde a fundação da marca, com dados técnicos e volumes de produção.
Ferrari by Pininfarina: Technology and Beauty – por Etienne Cornil, editora Giorgio Nada. Outro V12 deste artigo — um Superamerica — ganhou a capa da obra de 536 páginas, dedicada aos esportivos que o estúdio italiano desenhou para a Ferrari. Foram 50 anos de parceria de 1952 ao ano de publicação.
Ferrari: The Legendary Models – por Saverio Villa, editora White Star. Mais compacto (212 páginas) e recente (2015), traz dois volumes: um com a história da marca, outro com 40 de seus modelos mais emblemáticos, como 250 GTO (1962), 275 GTB (1964), 330 P3 (1966), F355 Berlinetta (1994) e P540 Superfast Aperta (2009), um dos carros desta matéria.
Ficha técnica
575M Maranello (2002) | 599 GTO (2010) | F12 TDF (2016) | |
Motor | |||
Posição e cilindros | longitudinal, 12 em V | ||
Comando e válvulas por cilindro | duplo nos cabeçotes, 4 | ||
Diâmetro e curso | 89 x 77 mm | 92 x 75,2 mm | 94 x 75,2 mm |
Cilindrada | 5.748 cm³ | 5.999 cm³ | 6.262 cm³ |
Taxa de compressão | 11:1 | 11,9:1 | 13,5:1 |
Potência máxima | 515 cv a 7.250 rpm | 670 cv a 8.250 rpm | 780 cv a 8.500 rpm |
Torque máximo | 60 m.kgf a 5.250 rpm | 63,2 m.kgf a 6.500 rpm | 71,9 m.kgf a 6.250 rpm |
Alimentação | injeção multiponto sequencial | injeção direta | |
* Medidos pelo método bruto | |||
Transmissão | |||
Tipo de caixa e marchas | manual ou automatizada, 6 | automatizada, 6 | automatizada de dupla embreagem, 7 |
Tração | traseira | ||
Freios | |||
Dianteiros | a disco ventilado | ||
Traseiros | a disco ventilado | ||
Antitravamento (ABS) | sim | ||
Suspensão | |||
Dianteira | independente, braços sobrepostos | ||
Traseira | independente, braços sobrepostos | ind., multibraço | |
Rodas | |||
Pneus dianteiros | 255/40 R 18 | 285/30 R 20 | 275/35 R 20 |
Pneus traseiros | 295/35 R 18 | 315/35 R 20 | 315/35 R 20 |
Dimensões | |||
Comprimento | 4,55 m | 4,71 m | 4,66 m |
Entre-eixos | 2,50 m | 2,75 m | 2,72 m |
Peso | 1.730 kg | 1.605 kg | 1.520 kg |
Desempenho | |||
Velocidade máxima | 325 km/h | 335 km/h | +340 km/h |
Aceleração de 0 a 100 km/h | 4,2 s* | 3,35 s | 2,9 s |
Dados do fabricante; *com transmissão automatizada |