Potente e sofisticado na técnica, o esportivo participou de um grande
período junto de Honda NSX, Mazda RX-7, Nissan 300 ZX e Toyota Supra
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
Assim como a década de 1960 é lembrada como época de ouro dos “carros musculosos” nos Estados Unidos, a de 1990 ficou para a história como período mais marcante para os superesportivos japoneses. Foi nessa década que a Honda teve a melhor fase do NSX, a Nissan produziu a geração mais sofisticada da série de carros Z — o 300 ZX —, a Mazda alcançou o ponto mais alto da trajetória do RX-7 e a Toyota chegou ao auge da história do Supra em termos de requinte técnico e desempenho, enquanto a Subaru produziu o SVX. De seu lado, a Mitsubishi respondeu à altura com o 3000 GT.
A fábrica do emblema dos três diamantes já tinha boa experiência com cupês esportivos. Nos anos 80 havia fabricado o Starion, que chegou a ganhar versão para venda pela Chrysler sob o nome Conquest, e em 1989 lançara o Eclipse, que buscava um segmento mais acessível com a tração dianteira e motores menos potentes. No mesmo ano, no Salão de Tóquio, o carro-conceito HSX previa o estilo e as soluções a serem aplicados ao novo esportivo de produção.
O resultado era apresentado em 1990: o GTO, que retomava a carismática sigla do cupê Galant GTO dos anos 70, usada antes pelo Ferrari 250 GTO e pelo Pontiac GTO. Contudo, talvez para não conflitar com direitos das marcas italiana e norte-americana, os japoneses optaram por renomear as versões de exportação como 3000 GT, em alusão ao motor de 3,0 litros. Toda a produção era concentrada na unidade de Nagoia, capital da província de Aichi, no Japão.
Um bom trabalho de estilo para um cupê derivado da plataforma do sedã Galant;
no Japão ele se chamava GTO; o interior já trazia ar-condicionado automático
O 3000 GT — que chamaremos pelo nome ocidental daqui em diante — era sem dúvida um belo carro, em que o desenho arredondado, “orgânico”, típico dos carros japoneses da época, conseguia ser esportivo sem exageros. A frente baixa adotava faróis retangulares escamoteáveis; a cabine era compacta e com amplos vidros; havia tomadas de ar à frente de cada uma das rodas; a traseira exibia um aerofólio destacado e sugeria a ligação de lado a lado pela faixa preta entre as lanternas. O amplo vidro subia com a tampa do porta-malas, ou seja, era um hatchback.
O 3000 GT sobressaía em tecnologia: tração
integral, direção também atrás, suspensão com
controle eletrônico, aerodinâmica variável
As dimensões eram de carro esporte médio, com 4,60 metros de comprimento, 1,84 m de largura, apenas 1,28 m de altura e 2,47 m de distância entre eixos. No interior de 2+2 lugares, as formas suaves seguiam as da carroceria e havia detalhes de alta tecnologia como o ar-condicionado com controle automático e operação por painel digital. Três instrumentos na seção central complementavam o quadro principal. Os itens de conforto incluíam ajuste elétrico do banco do motorista e controlador de velocidade; bancos revestidos de couro eram opcionais.
Ao contrário do Starion e de alguns concorrentes, que tinham tração traseira, o 3000 GT baseava-se em uma plataforma de motor dianteiro transversal e tração dianteira como padrão, a do sedã Galant, com alternativa por tração integral. O motor V6 de 3,0 litros estava disponível em duas configurações, ambas com duplo comando e quatro válvulas por cilindro: de aspiração natural, para potência de 223 cv e torque de 27,7 m.kgf, e com dois turbocompressores para 296 cv e 42,3 m.kgf. Como no Japão havia restrições de potência, o GTO biturbo estava limitado a 280 cv, mas alcançava 43,5 m.kgf. Câmbios manual de cinco marchas e automático de quatro estavam no catálogo.
Além de tração integral e motor biturbo de 300 cv, o VR-4 trazia rodas traseiras
esterçantes e suspensão com controle eletrônico; à direita o Dodge Stealth
Mais que pela potência, porém, o 3000 GT sobressaía em tecnologia. Os recursos começavam pela tração integral permanente da versão VR-4, com padrão de repartição de torque em 45% à frente e 55% à traseira, mas que variava conforme a aderência de cada eixo. A direção atuava também nas rodas traseiras, esterçando-as em pequeno ângulo (1,5°) no mesmo sentido das dianteiras, a partir de 50 km/h, para melhor comportamento em curvas.
A suspensão contava com controle eletrônico e até o escapamento oferecia ajuste entre dois níveis de ruído. Os anexos aerodinâmicos assumiam nova posição ao atingir 80 km/h — o defletor dianteiro ficava mais baixo e o aerofólio traseiro assumia novo ângulo. O VR-4 tinha ainda rodas de 17 pol com pneus 225/50, diferencial traseiro autobloqueante e freios a disco ventilado tanto à frente quanto atrás. A suspensão independente nas quatro rodas seguia o conceito McPherson na dianteira e o de braços sobrepostos na traseira.
Dentro da habitual parceria com a Chrysler, o 3000 GT ganhou sua versão para uma das marcas da corporação norte-americana. O Dodge Stealth tinha diferenças visuais, como a grade dianteira com quatro vãos, apliques que simulavam faróis fixos escuros (na verdade, continuavam escamoteáveis) e saias laterais sem tomadas de ar, e não oferecia os anexos aerodinâmicos móveis. Ele foi oferecido também com motor de comando único e duas válvulas por cilindro, que produzia 162 cv e 25,5 m.kgf, para a versão básica. A ES e a R/T usavam a unidade de 223 cv, com opção pelo biturbo de 300 cv na segunda.
Faróis fixos, novo aerofólio e potência adicional vinham no modelo 1994; a
ASC fazia nos EUA um conversível com teto rígido que se guardava no porta-malas
A revista Popular Mechanics dirigiu o Stealth biturbo e opinou: “Ele tem desempenho sólido, acelerando o quarto de milha [0 a 402 metros] em 13,7 segundos sem dificuldade. Isso é bom o suficiente para constranger líderes consagrados no segmento de esportivos como o Chevrolet Corvette e o 300 ZX. O desempenho dos freios é excelente e há farta aderência em curvas. Pelo preço, o Stealth certamente redefinirá os critérios do segmento, da mesma forma que o 300 ZX fez dois anos atrás. E comendo Corvettes no almoço enquanto isso”.
Outra, a Popular Science, colocou o R/T diante do Acura (Honda) NSX, do Ferrari 348 TB e do Porsche 911 Carrera 4. O Dodge acelerou mais e freou melhor que o 348, embora custasse apenas US$ 30 mil ante US$ 61 mil do Acura, US$ 75 mil do Porsche e US$ 99 mil do Ferrari. A revista, que deu a vitória ao NSX, observou: “O Stealth traz magias da técnica por um preço tentador, mas o peso de 1.735 kg drena o fator diversão. Com o motor mais potente do grupo, ele se impõe, mas o prazer de dirigir do Porsche e do Dodge é prejudicado pelo peso, o custo e a complexidade dos sistemas de tração integral: os carros perdem tanto em aceleração quanto em estabilidade em piso seco”.
O 3000 GT passava por evoluções em 1994. O visual trocava os faróis escamoteáveis, então em desuso em várias marcas, por unidades fixas com refletores elipsoidais, também usados nos faróis de neblina; mudavam ainda para-choques, saias laterais e o aerofólio traseiro. Rodas de 18 pol com pneus 245/40 apareciam na versão de topo. No interior vinham bolsas infláveis frontais de série e novo sistema de áudio.
O Stealth acompanhava as mudanças do 3000 GT em 1994; com preço menor,
a versão Dodge representava forte opção entre os esportivos mais acessíveis
O motor biturbo ganhava potência e torque, para 324 cv e 43,1 m.kgf, e adotava caixa manual da Getrag alemã com seis marchas. O aspirado também estava mais vigoroso, com 225 cv e 28,2 m.kgf. Na Alemanha era apresentada a edição especial Beckenbauer, em referência ao ex-jogador de futebol Franz Anton Beckenbauer, com rodas especiais OZ, escapamento mais esportivo, motor biturbo preparado para 400 cv e a assinatura do futebolista.
A revista Road & Track comparou nos EUA o VR-4 ao Corvette LT1, ao 300 ZX Turbo e ao Supra Turbo: “O 3000 GT é uma espécie de canivete suíço dos carros esporte. Todos os equipamentos acarretam um pênalti de peso, é claro: ele é 118 kg mais pesado que o Supra, 127 mais que o Z e 191 mais pesado que o Corvette. Mas, com 324 cv, não há falta de potência e todo aquele peso resulta em um rodar confortável para longos trajetos”.
Uma versão conversível era lançada pela Mitsubishi em 1995 com teto rígido retrátil de acionamento elétrico, de certa forma antecipando a solução que surgiria no ano seguinte no Mercedes-Benz SLK. O processo produtivo era finalizado na ASC (American Sunroof Company), na Califórnia, a partir de cupês recebidos sem a tampa traseira. Por outro lado, eram descartados do 3000 GT recursos como escapamento regulável, controle eletrônico da suspensão (na linha 1996) e ajuste dos anexos aerodinâmicos (um ano depois).
As últimas alterações, para 1999, tiveram vida curta: no mesmo ano a Mitsubishi
retirava o modelo dos EUA e no ano seguinte encerrava a produção no Japão
O Stealth também desaparecia do catálogo para 1997, ano em que a Mitsubishi aplicava a seu modelo para-choques e aerofólio traseiro redesenhados. O motor de duas válvulas por cilindro e 162 cv antes usado pelo Dodge tornava-se disponível para o 3000 GT básico nos EUA.
A Motor Trend comparou o VR-4 renovado ao 911 Turbo e ao Supra Turbo e observou: “Acelerado a pleno, o carro pula adiante de forma musculosa e empurra forte em todas as marchas, exceto a sexta, que tem relação para economia em rodovias. Embora vença o Supra de 0 a 96 km/h por 0,3 segundo (4,8 contra 5,1 s), graças à arrancada com tração integral, o Mitsu requer mais 1 s para alcançar 160 km/h por causa do peso adicional. A grande massa também prejudica seu desempenho em pista. Sem os recursos que se perderam com os anos, o que restou foi um grande, luxuoso e bonito grã-turismo, que leva seus ocupantes em conforto e com absoluta confiança sob quaisquer condições”.
Para 1999 o 3000 GT aparecia outra vez com para-choques, faróis e saias redesenhados, além de um aerofólio retilíneo bastante alto e colunas centrais revistas para parecerem mais largas. Durou pouco tempo mais: saía do mercado norte-americano naquele ano e deixava a produção japonesa no seguinte. A década de ouro para os superesportivos nipônicos ficava mesmo no passado.
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