Desempenho ao alcance de todos

 

Com o Road Runner, a Plymouth ofereceu a mais entusiastas a chance de acelerar mais de 300 cv no quarto de milha

Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação

 

O conceito norte-americano do muscle car ou “carro musculoso”, como vários outros, não demorou a perder seu sentido original. Quando a Pontiac lançou o GTO (considerado por muitos o pioneiro da categoria, embora outros tenham opinião diversa), em 1964, a proposta era aplicar o maior motor V8 disponível na marca a uma carroceria de carro médio, sem maiores concessões ao refinamento e ao conforto. O objetivo estava claro: obter a melhor aceleração possível na tradicional prova de quarto de milha — de 0 a 402 metros —, que espelhava a situação de arrancar ao lado de um modelo adversário nas ruas, entre um semáforo e outro.

Passados alguns anos, porém, os “musculosos” acumulavam gordura na forma de equipamentos de conforto, que aumentavam seu peso — e seu preço — e os afastavam da proposta primitiva. Isso podia ser notado também na Plymouth, divisão da Chrysler que havia chegado ao mercado em 1928. Seu representante na classe apresentado em 1967, o Belvedere GTX, era um pesado cupê que usava como principal motor o V8 Super Commando 440 de 7,2 litros. Polegadas cúbicas e, sobretudo, dólares estavam acima do patamar que muitos admiradores desse tipo de carro esperavam encontrar.

No começo daquele ano, Joe Sturm, responsável pelo planejamento de produtos da Chrysler, recebia da divisão de vendas a proposta de um novo modelo: um carro com grande motor V8, mas sem banco traseiro, carpetes ou acabamentos supérfluos — um modelo de corrida para uso em rua, que capitalizasse com o êxito da Plymouth nas provas da Nascar, a mais importante categoria de automobilismo dos EUA.

 

O modelo inicial do Road Runner, em 1968: coluna central, interior simples, dois motores

 

Sturm discutiu a ideia com Jack Smith e Gordon Cherry, planejadores de produtos da divisão Plymouth, que argumentaram que um carro tão despojado atenderia a uma pequena parcela de consumidores. Por outro lado, um cupê de acabamento mais simples, sem tanto refinamento, e com maior atenção aos aspectos de desempenho poderia ser um sucesso. A equipe então dividiu o mercado potencial em cinco segmentos, dos quais o mais relevante em termos de volume era um grupo interessado em soluções para melhorar o desempenho de seu carro, mas com pouco dinheiro para gastar.

Segundo Sturm, o que fazia falta ao mercado era um carro rápido e acessível. Ao cruzar dados de preço e de aceleração no quarto de milha, ele percebeu que quanto mais se pudesse gastar em um carro, mais rápido se poderia acelerar: “Vários carros acima de US$ 3.300 eram capazes de atingir mais de 100 milhas por hora [161 km/h] no quarto de milha, mas não havia um carro no mercado abaixo desse valor com o mesmo desempenho”. Com tais parâmetros em mente, a Plymouth decidiu fazer um modelo capaz de superar as 100 mph na prova e que custasse menos de US$ 3.000.

 

Além da denominação, a Plymouth usou a imagem do pássaro veloz do desenho e seu característico “beep-beep”, ou bip-bip — até a buzina do carro produzia um som similar

 

O resultado chegava às concessionárias já em 1968. Com base na plataforma B da Chrysler, que também servia aos Plymouths Satellite e GTX e aos Dodges Coronet e Charger, foi desenvolvido o Road Runner. O nome vinha do personagem homônimo de desenho animado (no Brasil, Papa-Léguas), criado por Chuck Jones em 1948 para a Looney Tunes, que aparecia sempre com Wile E. Coyote ou simplesmente o Coyote. Além da denominação, a Plymouth usou em sua publicidade a imagem do pássaro veloz do desenho e seu característico “beep-beep”, ou bip-bip — até a buzina do carro produzia um som similar ao do outro Road Runner.

Seu estilo derivado do Belvedere era simples e imponente: frente longa (que parecia ainda mais quando vista de lado por sua forma côncava), quatro faróis circulares ladeando a grade de motivos quadriculares, capô com saídas de ar, cabine compacta e de linhas retas, laterais planas com ondulação nos para-lamas traseiros para sugerir o formato de “garrafa de Coca-Cola”, usual na época, e lanternas que emolduravam uma ampla faixa em cromo fosco na parte posterior com o nome Plymouth. A única versão inicial era um cupê com coluna central, elemento abolido meses mais tarde para um aspecto mais limpo.

 

Alusão ao pássaro Beep-Beep do desenho animado no nome, na publicidade e até na buzina

 

No interior, dentro da proposta de esportivo acessível, o Road Runner abria mão de requinte. Os bancos inteiriços (apesar da colocação da alavanca de câmbio manual no assoalho) vinham revestidos em tecido e vinil, não havia console central e até o carpete no piso fora dispensado nos primeiros carros em favor da simples borracha. A fábrica oferecia opções para uma condução mais confortável, mas nada que se comparasse à enorme lista de equipamentos da maior parte dos “musculosos” — apenas itens como direção assistida, ar-condicionado, rádio AM, caixa de câmbio automática e freios dianteiros a disco.

O motor básico era o conhecido Magnum V8 de 383 pol³ (6,3 litros) em versão exclusiva do modelo, que trazia como diferenças o comando de válvulas do Super Commando 440 e taxa de compressão elevada de 10,25:1 para 10,5:1. Alimentado por um carburador de corpo quádruplo da marca Carter, produzia potência de 335 cv, aumento de 5 cv sobre o Magnum original, e torque máximo de 58,8 m.kgf (todos os valores mencionados até 1971 são pelo método bruto de medição); carros com ar-condicionado mantinham os 330 cv, porém. Era o bastante para acelerar de 0 a 96 km/h em 7,5 segundos, passar pelo quarto de milha em 15,4 s e atingir velocidade máxima de 190 km/h.

Os mais exigentes contavam com a alternativa do Hemi V8 de 426 pol³ ou 7,0 litros, um motor com câmaras de combustão hemisféricas desenvolvido para as pistas de corrida, que usava dois carburadores Carter de corpo quádruplo e fornecia 425 cv e 67,7 m.kgf. Com ele, o Road com caixa automática cumpriu o 0-96 em 5,1 segundos e passou pelo quarto de milha a 13,5 s no teste da revista Car and Driver. Esse câmbio, o Chrysler TorqueFlite de três marchas, era uma opção ao manual de quatro velocidades.

Próxima parte

 

O conceito

Um estudo nada discreto com base no Road Runner foi apresentado pela Plymouth em 1969. Chamado de Beep Beep X-1, o modelo aberto de dois lugares adotava soluções como frente sem para-choque, para-brisa baixo e barra de proteção atrás da cabine. De acordo com a empresa, os defletores aplicados a tal barra e às laterais traseiras tinham como objetivo aumentar a estabilidade em alta velocidade. A distância entre eixos de 2,54 metros era bem menor que a do carro original, mas o motor Hemi V8 de 426 pol³ e 425 cv foi mantido.

 

 

Nas telas

A carreira do Road Runner nas estradas não passou despercebida no cinema, como se nota pelas várias aparições de relevo do modelo. Carros de 1969 podem ser vistos no drama F.T.W. (1994), no filme policial Johnny Destino (Destiny Turns on the Radio, 1995), na aventura O Filho do Máscara (Son of the Mask, 2005), no filme de terror Wreckage (2010) e na comédia The Gay Deceivers (1969), que traz um conversível.

Modelos de 1970 estão na comédia Voar é com os Pássaros (Brewster McCloud, 1970) e na ação Moonshine County Express (1977). Do ano seguinte são os automóveis usados no filme policial Os Amigos de Eddie Coyle (The Friends of Eddie Coyle, 1973) e no drama Caminhos Violentos (At Close Range, 1986).

Não há muitos Roads Runners posteriores nas telas, mas são de 1972 o do suspense Um Amor e Uma 45 (Love and a .45, 1994) e o carro de competição de The Last American Hero (1973), enquanto um de 1973 está no policial Guncrazy (1992).

 

Plymouth Road Runner – continuação

 

A configuração mecânica não diferia da empregada na maioria dos “musculosos”, com tração traseira, suspensão dianteira independente por braços sobrepostos (mas com barras de torção, como habitual nos modelos da Chrysler, em vez das molas helicoidais usadas pelas marcas concorrentes), eixo posterior rígido com feixe de molas semielípticas, direção com esferas recirculantes, freios a disco na frente e tambor atrás. Os pneus F70-15 em rodas de 6 pol de tala eram opcionais.

 

O conversível era uma novidade em 1969; outra, o motor 440 com três carburadores duplos

 

Oferecido a partir de US$ 2.896, o Road Runner havia cumprido seu objetivo de preço. E quanto à aceleração? Para demonstrar que atingira a meta, a Plymouth levou uma versão Hemi ao autódromo de Irwindale, na Califórnia, sob supervisão da NHRA (National Hot Rod Association, entidade que organiza provas de arrancada nos EUA). O pássaro veloz cumpriu o quarto de milha em 13,5 s e o concluiu a 104 mph (167 km/h), embora algumas modificações — em carburadores, comando de válvulas, coletor de escapamento e pneus — tenham sido feitas para melhorar o resultado. Entretanto, mesmo a versão básica atingia 98 mph (158 km/h) na prova, ou seja, ficava bem próxima do que se definiu como ideal.

O mercado respondeu bem ao Road Runner — um tanto melhor que o esperado, aliás. As vendas de 45 mil unidades no primeiro ano superaram em muitas vezes a expectativa da Plymouth, de 2.500 carros, e no ano seguinte aquele total seria quase duplicado. Em 1968 ele foi o terceiro “musculoso” mais vendido, atrás somente do pioneiro GTO e do Chevrolet Chevelle SS 396. Um modelo similar para a divisão Dodge, chamado de Super Bee (leia boxe abaixo), logo era lançado.

 

No capô Air Grabber, tomadas de ar escamoteáveis eram acionadas por um comando no painel e, quando abertas, davam ao motor condições de “respirar” mais e ganhar potência

 

Uma versão conversível ampliava a gama de opções do “pássaro veloz” no modelo 1969 — embora tenha respondido por margem mínima das vendas —, assim como um motor intermediário, o 440 com três carburadores de corpo duplo, montados em um coletor de admissão Edelbrock de alumínio. Sob aceleração moderada apenas o carburador central atuava; quando o pedal da direita fosse usado com vontade, os seis corpos eram acionados para garantir farta alimentação aos oito cilindros.

Com 390 cv e 67,7 m.kgf, o grande motor oferecia desempenho semelhante ao do Hemi com as vantagens de menor custo e maior torque em baixa rotação. Outra novidade era o capô opcional Air Grabber, com tomadas de ar escamoteáveis acionadas por um comando no painel que, quando abertas, aumentavam a admissão para o filtro de ar, dando ao motor condições de “respirar” mais e ganhar potência. O êxito do Road Runner continuava marcante: eleito o Carro do Ano pela revista Motor Trend, naquele ano ele deixava para trás em vendas o GTO e conquistava a vice-liderança atrás do Chevelle.

 

O capô Air Grabber, opcional, admitia mais ar para o motor quando acionado pelo motorista

Escolha fácil

A Car and Driver colocou em 1969 o Road Runner com motor Hemi lado a lado com cinco outros econo-racers, como ela denominou esses carros de alto desempenho e preço moderado (econo certamente não se referia a economia de combustível): Chevrolet Chevelle SS 396, Dodge Super Bee, Ford Fairlane Cobra, Mercury Cyclone Cobra Jet e Pontiac GTO Judge. O Plymouth foi o melhor em aceleração e frenagem e ficou em segundo em comportamento dinâmico, enquanto direção, câmbio e instrumentação levaram notas medianas no grupo. Qual foi o resultado do confronto?

Sim, o Road Runner venceu. A revista assim se justificou: “Foi uma escolha fácil. Enquanto Chevelle, Cobra e Cyclone dão a impressão de serem sedãs ‘quentes’, o Road Runner vem da direção oposta — é um carro de corrida amansado. Ele tem mais presença mecânica que qualquer outro automóvel norte-americano, mais até que o Chevrolet Camaro Z/28. É o ruído de potência que coloca o Hemi em uma classe à parte dos rivais. Quando você abre tudo nos dois Carters de quatro corpos, o escapamento explode como o [vulcão] Krakatoa e o som do ar sendo sugado pela admissão torce pescoços em quarteirões inteiros”.

O atraente conjunto do Plymouth incluía freios potentes para os padrões da época e boa estabilidade, mas com um preço a pagar: “A suspensão é incrivelmente dura — garantia de extremo desconforto para qualquer um que não seja entusiasta. Todo Hemi Road Runner tem barras de torção e feixes de molas mais firmes que os da versão 383. Claro que ele tem bom comportamento. Não tão bom quanto o do Chevelle, pois sua natureza muito subesterçante requer pé pesado no acelerador para fazer a traseira sair, mas ele faz curvas de modo muito previsível e com pouca inclinação”.

Próxima parte

 

O “primo” da Dodge

Nos anos 60, as divisões Dodge e Plymouth tratavam certa competição interna para definir qual seria o braço mais esportivo da corporação Chrysler. Tão logo o Road Runner chegou ao mercado, a Dodge passou a reivindicar um produto similar para aproveitar o promissor segmento dos “musculosos” acessíveis. Assim, ainda em 1968 era apresentado o Super Bee.

Semelhante ao “pássaro” nas linhas, o Super Bee era um pouco maior, com 10 cm a mais na distância entre eixos, e menos espartano no interior, que trazia o mesmo painel do Charger e um trambulador Hurst na alavanca de câmbio manual. Os motores iniciais, ambos V8, repetiam os do Road Runner: Magnum 383 com 335 cv e Hemi 426 com 425 cv. Mais tarde vinha o 440 com três carburadores duplos.

Para 1971 o Super Bee era remodelado e posicionado abaixo do Charger, passando a oferecer cinco versões: motor 340 com 275 cv, 383 com 300 cv, 440 com 370 ou 385 cv e o mesmo Hemi 426. Contudo, sua produção era encerrada após esse ano-modelo. Em 2006 a Dodge voltaria a usar tal denominação em uma versão do Charger moderno, oferecida até 2009 e relançada para 2012.

 

Plymouth Road Runner – continuação

 

Uma remodelação visual do Road Runner era adotada na linha 1970, em que a grade dianteira tinha um estreitamento apenas na parte inferior, e não também em cima como no ano anterior. O capô exibia um ressalto central, os para-lamas traseiros ganhavam tomadas de ar (não funcionais) e a traseira acompanhava a reforma. O capô Air Grabber opcional podia passar despercebido quando inativo, mas ao se abrir criava tomadas de ar com a forma de dentes de tubarão, ao mesmo tempo em que revelava os logotipos referentes ao sistema.

 

Grade em linha reta superior no modelo 1970 do “pássaro amado” (sua publicidade, abaixo)

 

O item era de série com motor 426 e opcional com o 440 de três carburadores duplos. Tal versão acelerava de 0 a 96 em 6,6 s e superava o quarto de milha em 14,4 s. O câmbio da opção de entrada 383 passava a ter apenas três marchas, podendo-se optar pelo de quatro marchas. Esse foi o último ano para o conversível e um período de vendas em baixa, mas dentro do padrão do segmento de esportivos, o que o manteve à frente do GTO e atrás do Chevelle no mercado. O lançamento do Plymouth Duster, menor e mais barato, com motor de 340 pol³ (5,6 litros), explicava em parte o declínio.

Foi também nesse ano-modelo que a Plymouth colocou nas ruas o Superbird, um Road Runner especial para fazer companhia ao Dodge Charger Daytona apresentado no ano anterior. Com a proposta de melhorar a aerodinâmica nas provas da Nascar (leia boxe abaixo), o carro ganhava frente longa e um alto aerofólio traseiro, mudanças que adicionavam 48 centímetros ao comprimento. O aerofólio tão distante da carroceria explicava-se pela necessidade de abrir a tampa do porta-malas sem interferir com o dispositivo — que poderia ter sido fixado à própria tampa, mas o fabricante parece ter considerado a fixação aos para-lamas mais confiável para as exigências previstas nas pistas.

 

Para melhorar a aerodinâmica nas provas da Nascar, o Superbird ganhava frente longa e um alto aerofólio traseiro, mudanças que adicionavam 48 centímetros ao comprimento

 

O pacote da versão passava por teto revestido em vinil (para disfarçar o acabamento ao redor do vidro traseiro, que era plano e não curvo como no Road original), direção e freios assistidos, rodas de 14 pol com opção por 15 e câmbio manual ou automático, mas não ar-condicionado. Os motores 440, com e sem o trio de carburadores, e Hemi 426 estavam disponíveis. Com a ajuda da menor resistência ao ar, o 440 básico cumpriu o quarto de milha em 14,3 s, na medição da revista Road Test, enquanto o Hemi conseguiu 13,5 s na avaliação da Car and Driver após passar pela marca de 96 km/h em apenas 4,8 s.

 


Frente alongada, aerofólio muito alto: o Superbird visava à estabilidade nas pistas

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Estilo fuselagem

Apenas o cupê hardtop continuava no catálogo para 1971, ano em que o Road Runner passava pela remodelação visual mais extensa até então, aderindo ao padrão de estilo “fuselagem” adotado em várias linhas da Chrysler. Embora o tema de grade envolvendo os quatro faróis fosse mantido, tal moldura atuava como o próprio para-choque, solução que conferia um ar bastante esportivo à frente. Em vez de cromada, a moldura podia ser de material absorvente de energia e pintada na cor da carroceria.

As laterais vinham mais lisas, sem tomada de ar nos para-lamas traseiros, e as colunas C eram mais grossas e verticais. Atrás, as lanternas estavam incorporadas ao para-choque. Menor no comprimento, mas com distância entre eixos alongada, o Plymouth estava bastante imponente e esportivo. Como o Belvedere saía de produção, o modelo de base para o Road era agora o Satellite hardtop de duas portas. A longa relação de opcionais compreendia itens como aerofólio traseiro, rodas Rallye de 14 ou 15 pol, teto de vinil, bancos individuais com console central, teto solar com controle elétrico, controlador de velocidade, rádio com ou sem toca-fitas e dois modelos de volante.

 


A potência diminuía, mas o visual para 1971 estava atraente, e o interior, mais luxuoso

 

O motor 383 estava menos potente, 300 cv, pois a taxa de compressão era reduzida para permitir o uso de gasolina de octanagem mais baixa, sem chumbo tetraetila, como exigiam as novas normas de controle de emissões poluentes. Se essa opção ainda era a mais comum, o V8 340 com carburador de corpo quádruplo e 275 cv era acrescentado como opção de entrada, com o principal objetivo de enquadrar o modelo em categoria inferior para cálculo de seguro — argumento que foi explorado em sua publicidade, pois a cobertura dos “musculosos” andava cada vez mais cara. O Hemi 426, mantido no topo da linha, continuava com produção reduzida.

Sem alterações visuais de monta, o motor básico do Road Runner para 1972 agora era o V8 340, que atingia valores mais baixos de potência (240 cv) e torque (40 m.kgf) por causa da adoção do método líquido de medição, embora não houvesse redução efetiva. Com ele, acelerar de 0 a 96 exigia 7,8 s e o quarto de milha chegava em 15,5 s. A opção seguinte era o inédito bloco-grande de 400 pol³ (6,6 litros) com carburador quádruplo, 255 cv e 47 m.kgf, que substituía o 383 usado desde seu lançamento. Com o capô Air Grabber os índices subiam para 265 cv e 47,7 m.kgf.

Próxima parte

 

Nas pistas

Os nomes da Plymouth e do piloto norte-americano Richard Petty formaram uma dupla bem-sucedida nos anos 60 e 70 na Nascar, a mais popular categoria de automobilismo dos Estados Unidos. Petty foi campeão do principal campeonato da modalidade em 1964, com um Plymouth Sport Fury, e em 1967, com um modelo Satellite.

Para a temporada de 1969, porém, estava insatisfeito. Enquanto a divisão Dodge estreava seu Charger Daytona, a Plymouth não oferecia uma carroceria aerodinâmica, alegando que o piloto já vinha vencendo com um carro menos eficiente na resistência ao ar e não precisava desse recurso. Petty insistiu que queria correr com o Dodge, o que a empresa negou, alegando que ele era um piloto Plymouth. Contrariado, ele decidiu se mudar para a Ford e correr com um Torino Talladega.

A divisão da Chrysler percebeu o erro e iniciou o projeto do que seria chamado de Superbird, seu equivalente ao Daytona. Em meados do ano ela contatou Petty, perguntando até quando vigoraria seu contrato com a Ford. A resposta do piloto foi animadora: “Vocês fazem um Superbird e eu corro para vocês no ano que vem!”.

Assim, em 1970 Petty estava de volta à Plymouth ao volante do novo carro. Com desenho diferenciado do modelo da Dodge, mas seguindo os mesmos princípios, o Superbird (foto) tinha uma frente longa e afunilada com faróis escamoteáveis e aerofólio traseiro bastante alto, que tanto melhoravam a penetração do carro no ar quanto resultavam em força descendente (ou sustentação negativa) na traseira para maior estabilidade em alta velocidade. Com tais vantagens, o “superpássaro” superava 320 km/h.

Pelas normas da Nascar, os modelos colocados para competir tinham de ser oferecidos também a público, em quantidade mínima de 1.000 unidades ou o bastante para atender a 50% das concessionárias da marca — o que fosse maior. Isso fez com que o Superbird chegasse às ruas como versão de topo do Road Runner. Ao fim de 1970 a Plymouth havia fabricado 1.935 deles.

Um novo regulamento da Nascar para 1971 impunha diferentes limites de cilindrada: enquanto os carros aerodinâmicos — classificados como especiais — não podiam superar 305 pol³ ou 5,0 litros, os modelos convencionais estavam liberados até 366 pol³ (6,0 litros) em motores de bloco pequeno ou 430 pol³ (7,05 litros) nos de bloco grande. Mesmo que a eficiência ao cortar o ar ainda justificasse insistir nos aerodinâmicos, todas as marcas os abandonaram de imediato.

Correndo com um Road Runner como os de rua, Petty concluía as 48 provas do ano com seu terceiro título na categoria Grand National. O quarto campeonato vinha já em 1972, ao volante tanto do Road Runner quanto do Dodge Charger — o piloto justificou a mudança de carro durante a temporada pela sensação de que o Dodge teria melhor aerodinâmica.

 

Plymouth Road Runner – continuação

 

O motor de topo permanecia o V8 440 com carburador quádruplo, que agora produzia 280 cv e 51,8 m.kgf ou, com o capô especial, 290 cv e 52,5 m.kgf. No estado da Califórnia o Air Grabber não estava disponível e a potência era pouco menor por força dos limites de emissões. O leque de opções, agora mais enxuto, levava embora o motor Hemi 426, o revestimento dos bancos em couro e o controle elétrico dos vidros. Até mesmo o pacote Track Pack, disponível apenas com motor 440 e câmbio manual, não durou todo o ano-modelo.

 


“A classificação-padrão de seguro é de série”; “um carro de desempenho sem um preço

premium”: anos após o lançamento, o Road Runner ainda se apoiava no custo-benefício 

 

A versão 440 com três carburadores foi testada na Performance Car Guide, que a anunciou como “praticamente o único verdadeiro supercarro para 1972”, já que diversos “musculosos” haviam deixado o mercado ou sido convertidos em cupês de luxo com potência modesta. O carro alcançou máxima de 193 km/h, acelerou de 0 a 96 em 7,2 s e fez o quarto de milha em 14,4 s. Se em desempenho ele sobressaía, o câmbio merecia críticas: “Não conseguimos mudar de marcha rápido o bastante para explorar suas qualidades. Mas o Road Runner gruda ao asfalto como cola, é firme e realmente acelera forte. Se você conseguir fazer seu seguro e for isso mesmo que você quer, este é seu pacote”.

 

O fim da esportividade

Embora mantivesse o desenho da seção central da carroceria, o Road Runner 1973 estava bem diferente. Frente e traseira mais longas aumentavam o comprimento em 18 cm e o aspecto da dianteira estava convencional, com um espesso para-choque cromado — o antigo modelo envolvente, além de mais caro de produzir, não poderia ser usado com as novas regras de resistência a impactos do governo. Na traseira as lanternas continuavam integradas ao para-choque.

Se o capô exibia grandes nervuras, abaixo dele o Plymouth estava mais pacato. A opção de entrada era agora o V8 318 de 5,2 litros (como o usado nos Dodges brasileiros), que usava o primeiro carburador de corpo duplo da história do modelo e obtinha 170 cv. O escapamento duplo era a única diferença entre o motor do esportivo e o de qualquer outro Plymouth. Os grandes 400 e 440 permaneciam, este último com caixa automática de série, pois não atendia mais aos limites de emissões com a manual. Os dois motores inferiores podiam vir com trambulador Hurst para o câmbio manual.

 

Do lendário pássaro veloz nada mais restava: era agora um cupê de linhas sóbrias, com dois faróis circulares, lanternas traseiras verticais e para-choques imensos

 

Embora não agradassem aos entusiastas por esportivos, as novas linhas ajudaram a erguer as vendas, que cresceram 40% em relação ao ano anterior. As poucas alterações para 1974 incluíam para-choques mais resistentes, como exigia a lei, e o motor V8 340 ampliado para 360 pol³ (5,9 litros), com duplo escapamento e 233 cv. Os demais oferecidos eram o 318, o 400 e o 440, este com 275 cv.

Uma nova carroceria aparecia para 1975, baseada na plataforma B do grupo e vinculando o Road Runner ao modelo Fury, já que o antigo Fury de grande porte era renomeado Grand Fury. Do lendário pássaro veloz nada mais restava: era agora um cupê de linhas sóbrias, com dois faróis circulares, lanternas traseiras verticais e para-choques imensos. Os motores eram o 318 (com escapamento simples e 152 cv, responsável pela maior fatia das vendas), o 360 e o grande 400 que, com carburador quádruplo, oferecia 230 cv.

 


Nos modelos de 1974 a 1976 (esquerda para direita), decoração sem desempenho

 

O Road Runner como modelo terminava sua carreira ali, mas o carismático nome ganhou sobrevida por mais cinco anos. Em 1976 ele aparecia como um pacote esportivo para o modelo compacto Volaré, que substituía a dupla Valiant/Duster e usava a plataforma F da Chrysler, com entre-eixos de 2,76 m. Além de faixas decorativas, o Road adotava componentes de suspensão cedidos pelas versões de uso policial, que a deixavam mais firme.

O motor V8 318 continuava o principal na linha, com opção pelo V8 360 com carburador duplo e 160 cv vinculado a uma caixa automática de três marchas. Ao receber carburador de quatro corpos (1978) e escapamento duplo (1980) o 360 chegaria a 195 cv, que produziam desempenho interessante para a época, ajudado pelo menor peso do carro. Por outro lado, compradores interessados em economia de combustível passavam a dispor em 1979 do primeiro motor de seis cilindros em um Road Runner: o Slant Six, ou seis inclinado, com 225 pol³ (3,7 litros) e módicos 100 cv. No ano seguinte o Volaré saía de produção, levando junto o pacote esportivo.

Como muitos grandes nomes da indústria norte-americana, o Plymouth Road Runner foi desvirtuado em sua proposta para se adequar às tendências do mercado, que levaram os “carros musculosos” à extinção e colocaram modelos sem potência ou imponência em seu lugar. Mas esse esportivo inspirado em um desenho animado cumpriu, enquanto lhe permitiram, a missão para a qual foi criado: oferecer, a quem até então não tinha como participar desse clube, grandes doses de aceleração e adrenalina ao comando do pé direito.

 

Para ler

 

 

Dodge and Plymouth Muscle Car, 1964-2000 – por Peter C. Sessler, MotorBooks International. Com 208 páginas, a obra de 2001 abrange os muitos esportivos dessas duas marcas em um vasto período, que chega aos recentes Viper (primeira geração) e Plymouth Prowler.

Charger, Road Runner and Super Bee – por Paul Herd e Mike Mueller, editora MotorBooks International. As 128 páginas do livro lançado em 1994 abordam três dos mais marcantes “carros musculosos” da Chrysler, baseados na plataforma B, incluindo dados técnicos e entrevistas com projetistas da empresa.

Original Dodge and Plymouth B-Body Muscle, 1966-1970 – por Jim Schild, MotorBooks International. Outro sobre os modelos da plataforma B, com o mesmo número de páginas (128). Lançado em 2004, traz também modelos como Satellite, GTX e Coronet. Traz detalhes técnicos e de acabamento de cada modelo e ano.

Plymouth 1964-1971: Muscle Portfolio – por R.M. Clarke , editora Brooklands Books. Livro de 2003 com matérias, testes e comparativos publicados em revistas na época de produção dos carros. As 136 páginas cobrem Fury, Barracuda, Satellite, GTX, Duster e, claro, Road Runner.

Standard Catalog of American Muscle Cars, 1960-1972 – por John Gunnell, editora Krause Publications. Opção para uma visão mais geral do segmento de “musculosos” com muita informação em 320 páginas. A obra de 2006 traz mais de 340 modelos e versões.

 

Ficha técnica

Road Runner 383 (1968) Road Runner Hemi 426 (1969) Road Runner 440 (1975)
Motor
Posição e cilindros longitudinal, 8 em V
Comando e válvulas por cilindro no bloco, 2
Diâmetro e curso 109,7 x 85,8 mm 108 x 95,2 mm 110,2 x 85,8 mm
Cilindrada 6.276 cm³ 6.980 cm³ 6.555 cm³
Taxa de compressão 10:1 10,25:1 8,2:1
Potência máxima 335 cv a 5.200 rpm* 425 cv a 5.000 rpm* 230 cv a 4.200 rpm
Torque máximo 58,8 m.kgf a 3.400 rpm* 67,7 m.kgf a 4.000 rpm 47 m.kgf a 3.200 rpm
Alimentação carburador de corpo quádruplo 2 carb. de corpo quádruplo carburador de corpo quádruplo
* Potência e torque pelo método bruto
Transmissão
Tipo de câmbio e marchas manual, 4, ou automático, 3 manual ou aut., 3
Tração traseira
Freios
Dianteiros a disco
Traseiros a tambor
Antitravamento (ABS) não
Suspensão
Dianteira independente, braços sobrepostos
Traseira eixo rígido
Rodas
Pneus F70-15 F78-14
Dimensões e peso
Comprimento 5,15 m 5,43 m
Entre-eixos 2,95 m 2,92 m
Peso 1.545 kg 1.790 kg 1.765 kg
Desempenho
Velocidade máxima 190 km/h 225 km/h ND
Aceleração de 0 a 96 km/h 7,5 s 5,1 s ND
ND = não disponível

 

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