Bem sucedido na Europa e na América do Sul, o médio francês
ofereceu versões conversível e esportiva e veio também ao Brasil
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
O segmento de carros médio-pequenos, que tem no Volkswagen Golf um típico representante, ocupa há décadas uma importante fatia do mercado europeu. A francesa Renault sempre teve bons competidores na classe, como o R14 (1976 a 1983) e a dupla R9/R11 (1981 a 1989). O projeto X53 foi iniciado para substituí-los com um carro que, embora não vendido nos Estados Unidos como os dois últimos, atravessaria o Oceano Atlântico: o Renault 19.
Apresentado em junho de 1988 como hatchback com três ou cinco portas, o R19 trazia um estilo retilíneo e funcional que não escondia a autoria de Giorgetto Giugiaro, da Italdesign, o italiano que também desenhara os modelos originais do Golf, do VW Passat e do Fiat Uno. A ausência de grade dianteira — a admissão de ar cabia às tomadas do para-choque — era típica de seu tempo, tendo sido aplicada também ao Passat de 1988, aos Fords Sierra (1982) e Escort (1990) e ao Honda Civic de 1992.
Seu coeficiente aerodinâmico (Cx) era muito bom, 0,31, e o peso partia de 885 kg. Com 4,16 metros de comprimento e 2,54 m de distância entre eixos, o médio francês estava entre os maiores de uma categoria que incluía o italiano Fiat Tipo, os alemães Escort, Opel Kadett (depois Astra) e Golf, o compatriota Peugeot 309 (sucedido pelo 306), o japonês Civic, o inglês Rover 200 e o sueco Volvo série 400.
As linhas funcionais de Giugiaro dispensavam grade para boa aerodinâmica;
na suspensão traseira, o arranjo independente típico dos franceses
Os motores a gasolina iniciais pertenciam a duas famílias. Os de 1,2 litro (potência de 55 cv e torque de 9,2 m.kgf) e 1,4 litro (60 cv e 10,3 m.kgf) vinham da veterana linha Cléon, com comando de válvulas no bloco, lançada em 1962 e que havia originado no Brasil a unidade dos Fords Corcel e Escort (conhecida hoje como CHT, mas que só adotou este nome para 1984). Havia também os mais modernos 1,4 (80 cv e 11 m.kgf) e 1,7 (92 cv e 14,1 m.kgf) da série Energy, com comando no cabeçote — todos com carburador, embora o antigo 1,4 e o 1,7 tenham recebido injeção eletrônica monoponto pouco depois —, e um diesel aspirado de 1,9 litro com 64 cv e 11,8 m.kgf. Não sobressaía, portanto, em desempenho na fase inicial.
O 16S — de soupapes, válvulas em francês — fazia o R19 brilhar em desempenho: com 137 cv, acelerava de 0 a 100 km/h em 8,5 segundos
Em termos técnicos o R19 seguia alguns conceitos comuns na categoria — como motor transversal, tração dianteira e suspensão McPherson à frente — e outros peculiares às marcas francesas na época, como a suspensão traseira independente com braços arrastados e barras de torção.
A família começava a crescer em 1990 com o Chamade, um sedã de quatro portas e linhas conservadoras que media apenas 9 cm a mais que o hatch, e seguia um ano depois com o conversível, cuja carroceria era produzida pela alemã Karmann, assim como faziam a Ford com o Escort e a VW com Fusca e Golf de mesmo estilo. Outras novidades em 1990 eram o câmbio automático opcional com quatro marchas, o turbodiesel de 1,9 litro (90 cv e 17,8 m.kgf) e a versão esportiva 16V ou 16S (de acordo com o país), com quatro válvulas por cilindro no motor 1,8.
A versão 16V ou 16S colocava o R19 para andar: motor 1,8-litro com
137 cv, mais de 210 km/h, rodas de 15 pol, bancos envolventes
Oferecido como hatch e depois também como sedã, o 16S — de soupapes, válvulas em francês — enfim fazia o R19 brilhar em desempenho: com 137 cv e 16,1 m.kgf (sem catalisador era ainda mais potente, 140 cv), acelerava de 0 a 100 km/h em 8,5 segundos e alcançava velocidade máxima de 212 km/h. Faróis de duplo refletor, rodas de 15 polegadas, anexos aerodinâmicos, freios a disco nas quatro rodas, suspensão mais firme e bancos envolventes compunham o conjunto. Uma tomada de ar no capô era adotada pouco depois.
Na Espanha, onde o R19 se tornou o carro mais vendido, a revista Autopista comparou o R19 Chamade 1,4 ao Alfa Romeo 33: “O motor Energy é muito elástico e gira de poucas rotações até 6.000 rpm sem desfalecer em nenhum momento. O Renault supera o rival com um câmbio mais suave e preciso e a disposição de seus comandos é muito ergonômica”. Acabamento cuidadoso e comportamento em curvas também foram elogiados no R19, apesar da escassez de equipamentos.
A Car inglesa confrontou o hatch 16S em 1992 a Tipo 16V, Escort RS 2000, Civic Si, Rover 220 GTi e Astra GSi (outro concorrente, o Golf GTI, ainda não estava disponível na nova geração): “É um bom motor, com mais torque em baixa do que se espera, mas dentro da moda 16-válvulas só brilha acima de 4.500 rpm. O ponto fraco é um monte de ruídos. O chassi é bom, e a direção, excelente. Bancos envolventes, do tipo que não permite movimentos, dão-lhe uma sensação precisa do que o chassi está fazendo. O quarto lugar refere-se a suas habilidades: para muitas pessoas, seu preço faria dele o vencedor imediato”.
Enquanto o conversível fabricado pela Karmann acrescentava charme, o
sedã Chamade (também disponível como 16S) ampliava o porta-malas
A remodelação apresentada em abril de 1992 trazia um ar atualizado ao R19, mais coerente com as novas tendências de estilo da marca, aplicadas ao luxuoso Safrane daquele ano e ao médio-grande Laguna de 1993. Grade, faróis e para-choques ficavam mais arredondados e, na traseira, as lanternas ganhavam um aplique que ligava um lado ao outro, deslocando a placa de licença para o para-choque. O painel acompanhava a reforma.
Sob o capô, a gama Energy crescia com o motor 1,2 de injeção monoponto (58 cv e 8,6 m.kgf), sistema também aplicado ao 1,4, e tomava aos poucos o lugar da antiga série. Um novo 1,8 com injeção multiponto oferecia 109 cv e 16,3 m.kgf. A Renault promoveu também reforços estruturais para maior segurança em impactos e passava a oferecer bolsa inflável para o motorista. Essa fase incluiu a versão de luxo Baccara, com motor 1,8, bancos revestidos em couro, teto solar com controle elétrico e freios a disco nas quatro rodas com sistema antitravamento (ABS).
Na italiana Quattroruote o sedã de 1,8 litro foi descrito como uma “fusão bem sucedida entre o conforto francês e o acabamento alemão. Seu ponto mais forte é o nível de conforto, mas ele fornece bom desempenho. A flexibilidade do motor também tem efeito positivo sobre o consumo”. A revista elogiou-o ainda em estabilidade, conforto ao rodar e nível de equipamentos, mas lamentou a direção lenta.
Nova frente e ligação entre as lanternas atualizavam o estilo em 1992;
foi com esse visual que sedã, hatch e conversível vieram ao Brasil
A Car comparou o sedã 16S ao Alfa Romeo 155 (2,0 litros, 145 cv) e ao Civic 1,6 de 160 cv: “Como os outros, este motor precisa de rotações para fazê-lo andar rápido. O Renault faz curvas com destreza e tem aderência quase tão boa quanto a do Civic, com excelentes freios e direção comunicativa. Os bancos oferecem ótimo apoio, mas o acabamento de aparência barata deprecia o interior”. Com desempenho superior ao do Alfa, mas menos brilhante que o do Honda, o R19 terminou o confronto em segundo lugar atrás do Civic.
Os R19 hatch e sedã entravam em produção em 1993 — já reestilizados — em Santa Isabel, na Argentina, para aproveitar a longa tradição e a boa imagem da Renault naquele país. Foi de lá que chegaram ao Brasil no ano seguinte, o hatch com motor de 1,6 litro, comando no bloco e 75 cv (da série Cléon, mas que não existiu na Europa) e o sedã com o 1,8 de 109 cv. Foram oferecidos até 1998 (hatch) e 1999 (sedã). O sedã 16S, de 1994 a 1996, e o conversível 1,8, apenas em 1994 e 1995, foram importados da França para complementar a oferta por aqui.
Além das fábricas francesas de Douai e Maubeuge e da argentina, o R19 foi produzido ou montado em Haren-Vilvoorde (Bélgica), Laguna de Duero e Villamuriel de Cerrato (Espanha), Setúbal (Portugal), Bursa (Turquia), Envigado (Colômbia), Mariara (Venezuela) e Taichung (Taiwan). Embora a França tenha deixado de fazê-lo em 1996, logo após o lançamento do sucessor Mégane — um ano mais tarde no caso do conversível —, os turcos e argentinos seguiram até 2000, e os venezuelanos, um ano a mais. Foi o último lançamento da Renault denominado com número: o Clio de 1990 iniciaria o padrão de nomes que vigora ainda hoje.
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