Possuo um Honda Civic LXS 1.8 automático 2014, que comprei 0km. Fiz todas as revisões no prazo. Ele está com 35 mil km e há um mês começou a apresentar leve vibração em marcha-lenta e um pouco de perda de potência. Levei em duas concessionárias e pediram autorização para abrir o cabeçote, pois acreditam que é 90% de chance de ser carbonização não coberta por garantia: seria combustível adulterado. Em 95% dos abastecimentos utilizei etanol do posto de confiança ou de postos com bandeira. É possível a carbonização com 35 mil km? Esse problema poderia ter sido constatado nas revisões?
Carlos Felipe Rosa Fontão – São Paulo, SP
É difícil dar uma resposta precisa sem ver o carro, mas a perda de potência pode, sim, ser consequência da carbonização. Essa camada de depósitos em cima dos pistões aumenta a taxa de compressão, o que torna o motor mais propenso à pré-ignição. Para evitá-la, a central eletrônica retarda o avanço de ignição e, em consequência, ocorre perda de potência. Mas seria difícil isso ocorrer com álcool em um motor com taxa baixa como o do Civic.
Exija um diagnóstico mais preciso, pois uma redução no fornecimento de combustível — perda de pressão, como por filtro de combustível entupido ou mesmo problema nos injetores ou bomba de combustível — resultaria em comportamento semelhante ao descrito. Seria interessante conhecer a pressão de combustível com um filtro novo antes de providências adicionais.
O processo de carbonização ocorre devido à formação de carbono oriundo de queima incompleta, que pode ocorrer por diversos fatores do próprio motor — um deles combustível adulterado, sobretudo gasolina. A gasolina adulterada possui produtos que não queimam de forma correta, deixando resíduos. Já a adulteração mais comum do álcool é com adição de água, a qual traria menor impacto. A água a mais (vale lembrar que pelo menos 7% do álcool como padrão é água) pode reduzir a temperatura de combustão em cargas (aberturas de acelerador) menores ou marcha-lenta, o que aumenta a chance de queima incompleta.
Sendo morador de São Paulo, é possível que você pegue muito trânsito e fique bastante tempo em marcha-lenta. De modo geral, motores que só usam álcool tendem a ter câmaras de combustão limpas, mas o uso em marcha-lenta prolongado é prejudicial. Por outro lado, a água do álcool pode ajudar a carregar para fora dos cilindros as impurezas em cargas e rotações mais altas: por isso, dar a famosa “esticada” no motor ou mesmo subir uma serra com vigor, solicitando bastante torque e em rotação mais alta, aumenta a temperatura de queima e o vapor proveniente da queima do álcool ajuda a limpar certos resíduos dentro dos cilindros.
Portanto, de acordo com o projeto do motor e a calibração adotada, pode-se carbonizar o motor (geralmente na parte superior dos pistões) mesmo com combustível de boa qualidade, ao submeter o carro a grandes períodos de marcha-lenta. Contudo, entendemos que isso não deve ser aceito como “item não coberto pela garantia”, uma vez que o fabricante se dispôs a vender o carro em uma cidade de trânsito exigente como São Paulo. Fica fácil prover garantia de três ou cinco anos, obrigando o proprietário a gastar algumas centenas — às vezes milhares — de reais em revisão periódica, e quando um problema aparece dizer que não é coberto por garantia.
Nossa recomendação inicial para tentar resolver o problema é abastecer com álcool em posto de confiança e rodar em velocidades e cargas mais altas por pelo menos 30 minutos, como pegar uma rodovia a 120 km/h. Então parar e fazer algumas acelerações até o limite de velocidade com o acelerador a 100% (não é preciso sair muito forte: preserve sua transmissão e seus pneus). Ao repetir o processo algumas vezes, tende-se a expelir parte das impurezas que podem ocasionar o problema. Mas há casos em que a carbonização dos pistões está tão impregnada que não se pode mais removê-la assim. Antes de fazer isso, confira se o óleo lubrificante está no nível e dentro do prazo de troca recomendado, bem como o nível do líquido de arrefecimento.
Se não resolver, volte à concessionária e insista para que o serviço seja coberto pela garantia, uma vez que a desculpa do combustível adulterado se tornou praxe, levando a uma situação muito confortável para o fabricante e suas concessionárias.
Texto: Felipe Hoffmann – Foto: divulgação
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