Existe algum motivo técnico para que não sejam usados em automóveis comuns os câmbios manuais sequenciais, como os das motocicletas?
Israel Zen Gianesini – Brusque, SC
Motivo técnico não haveria, mas não seria prático de operar no dia a dia. Na verdade ambos os tipos de transmissão são idênticos em construção e uso, com duas pequenas diferenças: eixo de seleção das marchas e a falta de sincronizador nas transmissões sequenciais das motocicletas (em grande maioria). Ao olharmos os sistemas de engrenagens de uma transmissão manual, podemos ver que a seleção das marchas acontece por meio dos garfos seletores ou garfos de engate (o garfo selecionado desloca a luva, conectando a marcha desejada), como na figura abaixo.
No entanto, a seleção dos garfos das transmissões manuais de carros é efetuada pelo eixo de seleção, o qual se rotaciona (ao movimentar a alavanca de mudanças entre a primeira e a segunda marchas, por exemplo) e sobe e desce (ao se movimentar a alavanca para o lado, selecionando garfos diferentes). Na figura abaixo, ao movimentar a alavanca para esquerda, seleciona-se o garfo mais abaixo, responsável por primeira e segunda marchas. Ao passar para terceira e quarta, usa-se o segundo garfo debaixo para cima, sendo o terceiro para quinta marcha e o último (no topo) o garfo responsável pela marcha à ré.
Já nas motocicletas a seleção é feita pelo pedal, que apenas rotaciona o eixo de seleção (apontado pela seta na figura abaixo), o qual possui ranhuras para seleção das engrenagens de cada marcha pelos respectivos garfos seletores. É claro que, no caso das motocicletas, usa-se este sistema com o intuito de facilitar a vida do condutor ao selecionar as marchas desejadas apenas com o pé esquerdo.
A falta dos sincronizadores nas transmissões das motos se justifica por usarem engrenagens de pequeno tamanho e pouca inércia. Além disso, sem sincronizador a troca de marcha — ou seja, a seleção de outro par de engrenagem — deve ser rápida e precisa para que os dentes não se atropelem no engate da luva, que em muitos casos é a própria engrenagem (figura abaixo).
Na transmissão dos carros necessita-se do sincronizador, responsável por “frear” ou “acelerar” os pares de engrenagens para aquela determinada marcha, pois essas caixas usam engrenagens e eixos com maiores inércias, o que dificultaria o engate dos dentes da luva com a engrenagem de forma confortável. Até seria possível dispensar os sincronizadores, mas a troca de marcha pelo motorista deveria ser muito rápida, abrupta e com grande esforço.
No entanto, vemos muitas categorias de competição usarem carros de rua com uma alavanca de transmissão sequencial adaptada: no caso, o que se faz é alterar o eixo de seleção para algo semelhante ao encontrado em motocicletas. Para facilitar a troca de marchas, bem como aumentar a velocidade de troca, usa-se um artifício interessante: elimina-se o acionamento da embreagem na mudança para marchas descendentes (como da terceira para a quarta) pelo corte de torque do motor no momento da troca, de forma um tanto simples.
O meio mais comum para isso é cortar a ignição do motor ao movimentar a alavanca de seleção de marchas: além de criar uma repentina falta de torque (que facilita para o motor cair de giro e retira a carga das engrenagens), faz com que se selecione a marcha bem no momento da folga do sistema de transmissão. Essa folga pode ser notada quando se está com o motor desligado e o veículo parado com uma marcha selecionada: percebe-se uma pequena movimentação do veículo ao ser empurrado para frente e para trás, devido às folgas da transmissão.
Com esse arranjo ganha-se em tempo de troca de marcha e surge um efeito sonoro que anima o público — há estouros no escapamento nesse momento de mudança, pois houve injeção de combustível que não queimou dentro dos cilindros, devido à falta de centelha, e queimará no momento em que sair quente e encontrar oxigênio em abundância na atmosfera.
Texto: Felipe Hoffmann – Fotos: divulgação