Tenho um Chrysler 300M V6 1999. As velas (revestidas de platina) estavam fracas, troquei-as e no primeiro momento já percebi que ele estava diferente: o ronco era mais agudo e amplo, o desempenho era outro em acelerações e retomadas. Após duas noites de pouco uso, o carro voltou gradualmente ao desempenho que tinha. Por quê? Um amigo comentou que poderia ser que, com as velas velhas e sem faísca, o módulo da injeção mandava mais combustível, e ao trocar as velas o módulo ainda mandou mais combustível por dois dias. O Best Cars vai muito mais longe pelo conhecimento em todas as áreas, com profissionalismo por trás das matérias. Parabéns.
Piter Geison Peterson – Joinville, SC

É um caso muito interessante. Antes de mais nada, vamos esclarecer um conceito técnico. Sempre se escuta que o torque e a potência do motor aumentaram porque se alterou a injeção de combustível, mudando um parâmetro ou estratégia da central eletrônica. Mas esse conceito só é valido se houver alguma alteração na quantidade de ar admitida pelo motor: mais ar requer mais combustível; assim, pode-se ter aumento de potência.
Exemplo claro pode ser visto em motores turboalimentados: ao se aumentar a pressão na admissão — ou seja, maior massa de ar admitida para os cilindros —, maior será a quantidade de combustível injetada para manter a relação ar-combustível correta, de que decorre o aumento de potência. É o que ocorre quando uma preparadora aumenta a pressão máxima de trabalho do turbo em um veículo com o dispositivo de fábrica, um expediente comum.
Contudo, sem alterar a quantidade de ar admitida (seja em motor de aspiração natural, seja em sobrealimentado com a mesma pressão de turbo), não adianta injetar mais combustível: não haverá ar suficiente para a queima correta, o que tornará a mistura mais rica. Com a mesma quantidade de ar, o que permite ao motor produzir mais torque e potência é como se trabalha com o avanço de ignição. Quanto mais próximo do avanço de ignição MBT (veja o artigo de motores e a consulta sobre detonação), maior o rendimento do motor, ou seja, mais torque e potência serão obtidos com a quantidade de ar admitida.
Certas preparadoras oferecem o serviço de remapear a central eletrônica de motor aspirado e anunciam aumento de potência entre 10 e 15%, sendo que muitas delas comprovam o resultado em dinamômetro. Como conseguem isso? Sua estratégia é justamente alterar o ponto de ignição, aumentando o avanço, para que fique o mais próximo possível do MBT em condição de plena carga (acelerador 100% aberto): é algo difícil de atingir em todas as faixas de rotação em motores com alta taxa de compressão, sobretudo com gasolina.
Contudo, esse avanço a mais já pode ocasionar detonação, às vezes imperceptível a nossos ouvidos, mas prejudicial ao motor e sua vida útil. Faz sentido: o fabricante não seria incompetente para, depois de anos trabalhando na calibração do motor, deixar essa reserva de torque, potência e eficiência de lado — algo tão fácil de recuperar nas mãos de um preparador. No passado, com carburadores ou sistemas mais limitados de controle eletrônico, até podia haver ganhos fáceis com essa estratégia sem prejudicar o motor, bastando usar mais avanço e combustível de octanagem maior.

Como os sistemas eram incapazes de se proteger em caso de detonação (muitos motores nem traziam sensor de detonação até 10 ou 15 anos atrás), os fabricantes precisavam deixar certa margem de segurança. Hoje, porém, é difícil obter ganho expressivo sem comprometer a durabilidade, pois o próprio sistema reconhece a maior octanagem do combustível e permite maior avanço de ignição. É o que resulta no aumento ou redução de desempenho quando se usam gasolinas com diferentes octanagens ou, no caso do Brasil, se alternam gasolina e álcool.
Voltando a seu caso, o carro é relativamente antigo e deve ter um sistema de controle do motor mais limitado: afinal, para o 300M estar no mercado em 1998, seus sistemas foram desenvolvidos por volta de 1995, se não antes. Além das maiores limitações em relação aos sistemas atuais, ele também deve levar muito mais tempo para se adaptar a alguma alteração. É difícil saber sem ter testado o carro e lido alguns parâmetros durante a condição que você relatou, mas estimamos que as velas antigas poderiam estar com centelha fraca, com pouca energia, tornando a queima do combustível mais lenta.
Assim, o sistema deve ter percebido que poderia adiantar o ponto de ignição sem detonar e adotou aquela condição em sua memória como padrão. Era algo considerado de alta tecnologia na época, quando era comum apenas atrasar o ponto de ignição, caso estivesse detonando, mas não buscar o melhor ponto (aumentar o avanço) enquanto não estivesse.
Com novas velas, provavelmente a energia liberada por elas nas câmaras de combustão aumentou e levou a uma queima mais eficiente e rápida. Como já operava com maior avanço, é provável que a central tenha ficado muito mais próxima do MBT, produzindo mais torque e potência. Contudo, conforme você usou o carro, a central deve ter reconhecido algumas detonações e atrasado o ponto para proteger o motor, de forma gradativa e mais lenta que nos veículos atuais, o que resultou na percepção na perda de desempenho.
Texto: Felipe Hoffmann – Fotos: divulgação