Em busca de eficiência, fabricantes já usam superalimentação
em toda a linha — até mesmo nos mais nobres esportivos
De exceção, o turbocompressor tornou-se regra. Na atual linha BMW, todos os automóveis e utilitários baseados em motores de combustão interna já usam turbo — fica sem ele apenas o dois-cilindros do modelo elétrico i3, destinado à recarga das baterias. A Mercedes-Benz vai no mesmo caminho. A Ferrari lançou no Salão de Genebra o 488 GTB, sucessor do 458 Italia, que marca seu primeiro uso de um V8 turbo em modelo de motor central-traseiro de grande (para seus padrões, claro) produção. A Porsche já anunciou que terá mais versões turbo para o 911.
Essa tendência, embora bem mais forte na Europa, tem chegado a outros continentes. Nos Estados Unidos a Cadillac acaba de anunciar um V6 biturbo com potência de V8 para seu próximo topo de linha, o CT6. Honda e Toyota, defensoras da aspiração natural até em carros esportivos, também estão se rendendo: o novo Civic Type R da primeira usa turbo, assim como haverá opções menos potentes com a mesma superalimentação, e a divisão Lexus da segunda aderiu à admissão forçada de ar em seu NX 200T — e certamente não parará por aí.
Como explicar tamanha expansão de um recurso que, 20 ou 30 anos atrás, estava restrito a determinados esportivos? A chave da resposta está nas legislações de consumo de combustível por média do fabricante (CAFE), nos EUA, e de emissões de gás carbônico (CO2), na Europa. Ambos os quesitos são analisados em parâmetros de direção relativamente brandos, com menor demanda de potência do que grande parte da utilização prática dada pelos compradores, o que acaba por favorecer os motores turboalimentados.
O V8 da Ferrari ganhou expressivos 41%
em torque, e não é apenas no topo da cadeia
alimentar que se evidenciam vantagens
Essa maior eficiência não vem da simples aplicação do turbo, mas de um redimensionamento do motor em termos de cilindrada e até do número de cilindros — o chamado downsizing, termo genérico para redução de tamanho. Pistões de menor diâmetro são mais leves e têm menor área de atrito. Se percorrem um curso mais curto (ambas as dimensões compõem a cilindrada), o motor tende a obter funcionamento mais suave, com menor tendência a vibrar. Em ambos os casos o bloco pode ser também mais compacto e leve. Caso se possam eliminar cilindros, as reduções de peso, tamanho e atrito são ainda mais efetivas.
Tomando como exemplo o novo Ferrari, nota-se que o 488 GTB usa um V8 de 3,9 litros com dois turbos para obter potência de 670 cv a 8.000 rpm e torque de 77,5 m.kgf a 3.000 rpm, enquanto o 458 em sua versão mais potente, a Speciale, fornecia 605 cv a 9.000 rpm e 55,1 m.kgf a 6.000 rpm. Mesmo com menor cilindrada, ganhou-se 11% em potência e expressivos 41% em torque. E não é apenas no topo da cadeia alimentar dos automóveis que se evidenciam vantagens.
Em um segmento de preço mais razoável, o atual Ford Fusion Ecoboost com motor turbo de 2,0 litros obtém 240 cv a 5.500 rpm e 34,7 m.kgf de 1.750 a 4.000 rpm. Na geração anterior, a versão V6 aspirada precisava de 3,0 litros e mais dois cilindros para conseguir 243 cv a 6.650 rpm e 30,8 m.kgf a 4.300 rpm.
Bons resultados podem ser vistos também em motores de menor cilindrada. O THP turbo de 1,6 litro do grupo PSA, disponível no Citroën C4 Lounge e em breve no Peugeot 2008, oferece 166/173 cv a 6.000 rpm e 24,5 m.kgf a 1.400 rpm, enquanto o antigo motor aspirado de 2,0 litros do grupo dispõe de 143/151 cv a 6.250 rpm e 20,2/21,7 m.kgf a 4.000 rpm (sempre na ordem gasolina/álcool), apesar da cilindrada 25% maior.
Quer um exemplo extremo de downsizing? Veja o Twin Air da Fiat, um diminuto dois-cilindros turbo de 900 cm³ oferecido na Europa em modelos como o 500. Uma de suas versões produz 105 cv a 5.500 rpm e 14,8 m.kgf a 2.000 rpm, ao passo que o motor aspirado Multiair de quatro cilindros e 1,4 litro a gasolina tem 105 cv a 6.250 rpm e 13,6 m.kgf a 3.850 rpm, ou seja, fica para trás em torque mesmo com o dobro de cilindros e mais de 50% de acréscimo de cilindrada.
Tanto no motor Ferrari quanto no Ford, no PSA e no Fiat, o pico de torque aparece muito mais cedo na unidade turboalimentada, o que amplia na prática a diferença que os números fazem esperar. Esse torque em giros moderados traz vantagens como ganhar e sustentar velocidade em rodovia com facilidade, bastando aumentar a abertura de acelerador: a pressão de turbo cresce e o motor ganha potência sem precisar de redução de marcha, o que favorece tanto o conforto quanto a economia.
Há mais benefícios. Motores aspirados dependem apenas da pressão atmosférica para admitir ar — por isso se fala em aspiração natural —, mas essa pressão diminui conforme aumenta a altitude. Neles, a perda de potência gira em torno de 1% a cada 100 metros acima do nível do mar, o que significa que um motor de 100 cv nominais chega a Campos do Jordão, SP, com cerca de 85 cv. O turbo, por outro lado, usa tanto a pressão atmosférica quanto a superalimentação para empurrar ar cilindros adentro, o que reduz em muito aquela perda. Quanto maior a altitude, maior sua vantagem.
Os obstáculos
Mas, se é tão bom, por que a indústria demorou tanto a aderir em massa ao turbo?
Em grande parte, porque foi preciso evoluir os motores — e sobretudo seu gerenciamento eletrônico — para reduzir, quase a ponto de eliminar, o retardo de atuação do turbo (turbo lag) que acometia os antigos modelos. Não se precisa ir muito longe. Há 15 anos o Fiat Marea Turbo era exemplo de como esse elemento trazia sobressaltos à condução: o motor era fraco na saída em baixa rotação, apesar da cilindrada de 2,0 litros, o que levava o motorista a calcar o acelerador.
Assim, por volta de 2.500 rpm ocorria um surto de potência que colocava à prova a aderência dos pneus ao solo e das mãos ao volante, um querendo fugir ao outro. Era um entretenimento até interessante, mas nada adequado ao motorista comum, que busca apenas ir do ponto A ao B com eficiência e segurança. Esse comportamento abrupto está praticamente extinto: em sua maioria, os motores turbo modernos comportam-se como aspirados de maior cilindrada, com respostas lineares e quase imediatas ao acelerador.
Outro fator, o custo adicional do sistema, foi contornado pela escala de produção e os ganhos cada vez maiores com seu uso, que permitiram reduzir motores de forma expressiva como no caso do Fiat dois-cilindros. Acrescentam-se componentes, mas se economiza em materiais e tem-se um produto final superior em desempenho, economia, emissão de CO2 — e até em comportamento dinâmico, pois o peso é sempre um inimigo.
Facilidade de manutenção e redução de
seus custos explicam que o motor
aspirado ainda predomine no Brasil
Restam, é verdade, obstáculos a uma expansão ainda maior do turbo. Em mercados que não penalizam os carros de alto consumo ou que emitem mais gás carbônico, o motor aspirado ainda faz sentido, sobretudo por custar menos para fabricar. Há também maior facilidade de manutenção e provável redução de seus custos — como dizia João Gurgel, peça que não se coloca no carro não quebra… São dois fatores que explicam a mais lenta difusão do turbo no Brasil, mesmo que sua robustez já esteja comprovada nos motores a diesel, nos quais a aspiração natural já não tem espaço nem em veículos comerciais.
Quando se trata de supercarros esportivos os fatores de rejeição são outros. O motor aspirado ainda não tem similar quando o objetivo é obter um ronco agradável. Outra vantagem é a linearidade de fornecimento de potência, que depende somente da posição do acelerador.
Como assim? Ocorre que o turbo, mesmo com todo o avanço verificado com o tempo, ainda leva instantes para que o processo ao pressionar ao acelerador — gases de escapamento giram a turbina, que faz mover o compressor para admitir mais ar aos cilindros — se traduza em potência adicional. Os valores informados nas fichas técnicas são os obtidos com a máxima pressão de superalimentação permitida nos respectivos regimes. Mas, ao contrário dos aspirados, não basta abrir a borboleta de aceleração para se obter imediato enchimento dos cilindros e chegar àqueles valores. Enquanto a pressão de turbo estiver abaixo do limite, potência e torque serão menores.
Em um supercarro de alta estirpe, um hiato de um segundo pode significar menos precisão para controlar via acelerador as reações do automóvel quando levado ao limite em curvas. Esses dois fatores explicam certa resistência de marcas como Ferrari, Lamborghini, Porsche e até Audi (o novo R8 permanece com aspiração natural) a aplicar o turbo a modelos esportivos, ainda que Stuttgart o faça com êxito no 911 desde 1974.
Para a maioria dos comuns mortais, porém, a turboalimentação traz claros benefícios e tem tudo para se tornar cada vez mais comum sob o capô dos carros que nos levam para cá e para lá — ao menos enquanto eles ainda tiverem um motor a combustão.
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