Já li diversos artigos sobre o funcionamento do aparelho piggyback, mas não consegui informações sobre como ele opera de forma mais técnica e detalhada, ou seja, como a alteração dos sinais por ele interceptados altera o funcionamento da ECU dos veículos.
Luciano Amaral Rocha – Belo Horizonte, MG
Na verdade os aparelhos chamados de piggybacks não alteram o funcionamento da central eletrônica do motor, e sim a enganam, como sugere o significado da palavra em inglês — piggybacking é andar pendurado nas costas do outro, tirar proveito, enganar. O sistema atua como um “enganador” de sinais do motor para a central (ECU).
No passado a alteração da calibração original da central eletrônica era muito mais fácil, tanto em termos de segurança contra violação (criptografia) como em estratégias de controle. Nos primórdios, a ECU dos automóveis era semelhante ao que encontramos nas centrais eletrônicas “paralelas”, muito usadas no meio de preparação: tem-se todo o controle do motor através de tabelas com alguns fatores de correção.
Por exemplo, um mapa de ignição usa uma tabela que tem no eixo X a rotação do motor e no eixo Y a carga do motor (em geral a pressão de ar na admissão): o resultado da intersecção de ambos os parâmetros é o avanço de ignição. Além disso podem-se colocar fatores como uma relação da temperatura de admissão e atraso no avanço de ignição. Por exemplo, a 20°C tem-se 0 de atraso; a 40°C, 2 graus de atraso na tabela toda, e por aí vai.
Tabela do avanço de ignição em relação à pressão (eixo y) e à rotação do motor (eixo x)
Contudo, as centrais eletrônicas modernas, apesar de terem suas tabelas de referência, trabalham com um conjunto de diversas equações que interagem entre si. Ao contrário do passado, hoje ao se pressionar o pedal acelerador se requer torque para aquela rotação, não mais abertura de borboleta. Ou seja, se o motorista requer 10 m.kgf de torque a 3.000 rpm, a central faz diversas contas utilizando dados como pressão atmosférica, temperatura de admissão, tipo de combustível e sua octanagem (estimada pelo sistema de ignição que percebe detonações) para determinar com quanta abertura de borboleta, quanto avanço e quanto combustível o motor consegue produzir aquele torque. E sempre busca o mínimo de posição de borboleta (ou pressão de turbo, se for o caso) visando à maior eficiência possível: quanto menos ar para o mesmo torque, significa menos combustível com mais avanço, o que se traduz em menor consumo.
Portanto, por ser um tanto complexo alterar algo que o fabricante levou três ou quatro anos para fazer com diversos engenheiros de calibração, a estratégia mais fácil (embora não recomendável) é deixar a central trabalhar como veio ao mundo e “enganar” os sinais emitidos e enviados por ela, como se houvesse um intermediário corrompendo todo o sistema, o que se faz pelo piggyback.
Deve-se observar também a complexidade de alterar qualquer coisa nos atuais veículos, cuja tecnologia eletrônica interage entre o motor e o resto do veículo, como transmissão automática, controle eletrônico de estabilidade e tração e freios (quando se freia em descida, por exemplo, ocorre redução de marcha em função da pressão do sistema de freios). Há ainda a questão da complexidade de quebrar a barreira de segurança para acessar todos esses dados.
O uso do piggyback então deixa a central trabalhar como previsto, intercepta o sinal transmitido dela para o motor, altera os dados e retorna o que a central queria receber de volta. Um exemplo fácil de entender são veículos turboalimentados de fábrica, em que se intercepta o sinal da pressão do coletor de admissão para que a central pense que está baixo. Digamos que o veículo trabalhe com 1 bar de pressão positiva de turbo (pressão na admissão). Coloca-se um piggyback que intercepta esse sinal e retorna à central que aquela configuração de posição da válvula de controle de turbo não está produzindo o requerido 1 bar (apesar de, na verdade, estar) e sim 0,5 bar. O resultado dessa “enganação” é a central enviar um comando à válvula do turbo para aumentar a pressão até chegar ao que ela pensa que seja 1 bar, mas que na verdade são 2 bars.
Qual o problema desse processo? A central “pensa” que há apenas 1 bar entrando no motor, o que resulta em parâmetros de injeção e ignição para 1 bar e não para 2 bars. A central então percebe que a mistura está pobre (falta combustível) e tenta injetar mais combustível até encontrar a mistura correta que ela prevê para 1 bar, não para 2 bars. A consequência é detonação, o que leva o sistema a corrigir o avanço para evitar o problema.
Exemplos de piggyback, módulos que “enganam” a central eletrônica e alteram os parâmetros de injeção e ignição para aumento de potência
Ou seja, ao se interceptar o sinal com uma informação errada, cria-se um efeito em cascata de possíveis problemas que a central acaba por tentar corrigir, sem saber as consequências. Com o tempo, a própria central entende que o sistema trabalha desse jeito e grava em sua memória o que fazer para corrigir. Como alguns preparadores dizem: “Na primeira volta no quarteirão bate pino, mas depois o sistema se corrige e não bate mais”.
Há também preparadores que alteram a calibração original do veículo, como um calibrador do fabricante faria. Essa forma é a “menos errada”, pois se consegue acesso aos mapas de calibração (como o de requisição de torque) e se altera o quanto o motorista está realmente solicitando. Se o motor turbo produz 32 m.kgf com acelerador a 100%, o preparador altera para 50 m.kgf e a central fará de tudo para tentar buscar esse valor. Como se vê com frequência, o torque aumenta muito, mas a potência nem tanto, pois se chega ao limite que o turbo consegue produzir — literalmente estrangulado.
Com essa medida, jogam-se pela janela todas as estratégias de proteção do motor criadas pelo fabricante, com risco de atingir temperaturas de combustão e escapamento muito mais altas que o tolerável para longa vida do motor. O turbo trabalhará em rotações excessivas, o que reduz sua vida operacional. Por outro lado, como dito, é a forma menos errada de aumentar a potência do motor: ao menos a central sabe o que está ocorrendo e pode atuar conforme aquela condição. Por exemplo, fica mais seguro a central saber que se têm 2 bars de pressão produzindo 50 m.kgf e trabalhar com isso para buscar avanço de ignição e injeção de combustível ideais.
Não se pode esquecer que os injetores talvez não deem conta da requisição adicional de vazão de combustível e que peças como pistões, bielas, bronzinas, etc. podem não suportar o aumento de torque e potência. Muitos preparadores — e proprietários — já passaram por isso: aumenta-se a potência, quebra-se o motor; colocam-se pistões e bielas forjados para suportar tal potência, quebra-se a caixa de transmissão; altera-se a caixa, quebram-se as homocinéticas…
Texto: Felipe Hoffmann – Fotos: divulgação