Dia a Dia: Citroën DS4 combina acertos e erros

 

Luxuoso, esportivo e com altura do solo não usual, o francês
que mira os alemães deixa a desejar em um aspecto inesperado

Texto e fotos: Fabrício Samahá

 

Competir com os hatchbacks médios de luxo alemães, como Audi A3 e BMW Série 1, é o objetivo da Citroën com o terceiro membro da família DS a chegar ao Brasil, o DS4. Derivado do carro-conceito DS High Rider, o modelo foi lançado em 2010 na Europa e acabou ficando alguns meses para trás do maior DS5 quanto ao início das vendas por aqui — antes deles veio o compacto DS3. O Best Cars passou uma semana com a novidade para a estreia da subseção de avaliações Dia a Dia.

A Citroën oferece o DS4 por aqui em pacote único, dotado de motor de 1,6 litro com turbocompressor, caixa de câmbio automática de seis marchas e garantia de três anos ao preço de R$ 99.970. O único opcional é a pintura metálica, que o carro avaliado trazia na cor Rouge Babylone e eleva o valor a R$ 101.210. Não faltam equipamentos de segurança: controle eletrônico de estabilidade e tração, seis bolsas infláveis (frontais, laterais dianteiras e cortinas laterais), fixação Isofix para cadeiras de crianças e freios antitravamento (ABS) com distribuição eletrônica de força entre os eixos (EBD) e assistência adicional em emergência.

A dotação de conforto passa por bancos revestidos de couro com massageador nos dianteiros, controlador e limitador de velocidade, sistema de áudio com CD/MP3 e interface Bluetooth, navegador, avaliação do espaço disponível para estacionar, retrovisor interno fotocrômico, ar-condicionado automático de duas zonas de ajuste, sensores de estacionamento à frente e atrás, computador de bordo e volante ajustável em altura e distância.

 

 

 
Repleto de detalhes, o DS4 tem carroceria toda diferenciada do novo C4; as maçanetas
traseiras vêm ocultas nas colunas; os faróis de xenônio têm facho autodirecional

 

O DS4 baseia-se na plataforma do C4 de segunda geração, à venda na Europa desde 2010, mas ainda não lançado por aqui — chega nos próximos meses apenas o sedã C4 Lounge. No entanto, assim como faz o grupo Volkswagen com o Audi A3 em relação ao Golf, o desenho da carroceria é todo exclusivo, mais esportivo e refinado.

 

Os bancos dianteiros são excelentes e trazem sistema de massagem: o apoio lombar infla e desinfla para reduzir o cansaço em longos trajetos

 

A frente tem a identidade habitual da Citroën, com faróis que usam refletor elipsoidal e lâmpadas de xenônio para ambos os fachos, dotados de função autodirecional e acompanhados de leds para sinalização diurna. Nas laterais, são criativos os vincos sinuosos nos para-lamas e a forma alongada das janelas traseiras, que são fixas. Ao ocultar as maçanetas das portas posteriores nas colunas (um arranjo bem conhecido, que começou em 1998 com o Alfa Romeo 156), a fábrica tentou lhe dar o aspecto de um três-portas, versão que a linha C4 não mais oferece.

De traseira chamam atenção as lanternas com contornos irregulares, dotadas de leds, e o elemento cromado no para-choque que faz lembrar duas saídas de escapamento — a verdadeira saída está abaixo. O DS4 destaca-se ainda pela altura de rodagem maior que o usual, o que o deixa 44 milímetros mais alto, no todo, que o novo C4. Uma análise atenta revela vãos mínimos e bem regulares entre os painéis de carroceria, mesmo aqueles mais curvos e vincados, o que sinaliza qualidade de fabricação. Estranho a Citroën não informar o coeficiente aerodinâmico (Cx), abrindo a suspeita de que não seja dos melhores por causa do grande vão livre do solo.

 

 
Elevada para deixar um amplo vão livre do solo, a suspensão resulta em grande espaço
entre os pneus 225/45 R 18 e os para-lamas; os vidros das portas traseiras são fixos

 

A série DS costuma surpreender pelo aspecto interno, tanto pelo requinte quanto pelas soluções criativas, e a regra se aplica também ao novo modelo intermediário. O desenho do painel em si não é inovador, mas há detalhes interessantes como os mostradores inseridos dentro do velocímetro e do conta-giros com escolha de cor para sua iluminação (que é permanente) com cinco tons entre azul, roxo e branco — que, no entanto, destoam da luz laranja usada em todos os comandos.

Outro item inusitado para os padrões brasileiros é o revestimento em couro dos bancos, que combina preto com a cor da carroceria nos carros brancos e vermelhos (para modelos em cinza e preto, o interior é apenas preto). Pena não ser oferecido aqui o couro com ressaltos que lembram uma pulseira de relógio, exclusivo do DS5; por outro lado, os puxadores de porta trazem elegantes relevos com múltiplos logotipos DS.

 

 

Embora sem o cubo central fixo do antigo C4 (também abandonado em sua nova geração), o volante traz uma profusão de 16 comandos que abrangem sistema de áudio, telefone por Bluetooth, computador de bordo, limitador e controlador de velocidade e o medidor de vaga. Já conhecido da Grand C4 Picasso, ele analisa o espaço disponível ao lado e classifica o estacionamento em fácil, difícil ou não recomendado. Não restou nenhum comando do tipo satélite, como a empresa usava havia tantos anos.

O motorista encontra boa posição com facilidade e dispõe de perfeito apoio para o pé esquerdo, com aspecto esportivo como os pedais. Os bancos dianteiros são excelentes em conformação e apoios laterais, além de oferecer um sistema de massagem: o ajuste elétrico de apoio lombar (as demais regulagens são manuais) é acionado de modo a inflar e desinflar sua bolsa de ar, comprimindo mais e menos as costas do ocupante para reduzir o cansaço em longos trajetos. Funciona bem, mas seria melhor se o apoio variasse também em altura, como em outros sistemas massageadores. Já na traseira o espaço é bom para cabeças, razoável para pernas e crítico para ombros de três pessoas. O acesso a esse banco poderia ser melhor: o vão é algo estreito, e o teto, baixo.

 

 


O interior sugere requinte e abriga 16 comandos no volante; os bancos dianteiros são

ótimos e incluem massageador; o revestimento pode ter inserções na cor do carro 

 

A tela central multifunção de sete polegadas serve a sistema de áudio, navegador, telefonia e configurações do carro, mas é comandada pelo botão giratório do rádio, o que se torna incômodo para tarefas como inserir um endereço de navegação. Seria melhor um comando mais à mão no console central, como o do DS5, que segue a ideia do sistema IDrive da BMW.

Numerosos bons detalhes podem ser notados. O quadro de instrumentos traz repetidor digital para o velocímetro, computador de bordo com duas medições e mensagens como medição de nível de óleo do motor e indicações específicas de porta mal fechada e de cintos atados (informa que foi atado o traseiro do lado direito, por exemplo). O para-brisa avança um pouco sobre o teto — não tanto quanto no C3 —, mas pode assumir o tamanho normal puxando-se anteparos independentes direita/esquerda; seu limpador usa braços opostos para ótima área de varredura.

Próxima parte

 

 

 

 
A iluminação dos instrumentos oferece cinco tons; há sensor de veículos em pontos
cegos, lanterna recarregável e tela para navegador, áudio e outras funções

 

Outros recursos são porta-luvas carpetado e refrigerado, luzes de cortesia externas, controle elétrico dos vidros com função um-toque e temporizador, comando remoto para abrir e fechar vidros, faróis e limpador de para-brisa com acionamento automático, comutador de farol alto/baixo só de puxar, comando interno do bocal de abastecimento (comum no mercado, mas raro na marca), bocal sem tampa de rosca e acendedor de cigarros. Ausências importantes são de difusor de ar para o banco traseiro, luzes nos para-sóis e faixa degradê no para-brisa ou, ao menos, seção serigrafada acima do retrovisor.

O compartimento de bagagem leva 359 litros, marca na média do segmento, e tem acesso pelo vão do apoio de braço traseiro. Uma de suas luzes é na verdade uma lanterna removível cuja bateria permanece em recarga quando montada no carro, uma boa ideia já vista na C4 Picasso. Sob o assoalho está um estepe de 16 pol (os demais pneus são de 18 pol), restrito a uso emergencial.

 

Motor macio, suspensão dura

Sob o capô do DS4 está um motor bem conhecido: o Prince concebido em parceria entre os grupos BMW e PSA Peugeot Citroën, que equipa diversos modelos de ambas as empresas, do pequeno Mini Cooper S aos grandes Citroën DS5 e Peugeot 508. Com turbo, resfriador de ar, injeção direta e variação do tempo de abertura das válvulas de admissão, esse versátil 1,6-litro obtém a potência de 165 cv e o torque de 24,5 m.kgf, que está disponível desde a baixa rotação de 1.400 rpm. No novo Citroën ele vem associado a uma caixa de câmbio automática de seis marchas.

 

 
O desempenho agrada mesmo em baixa rotação e o motor é silencioso, mas
o DS4 tem um ponto crítico: a calibração da suspensão inadequada ao Brasil

 

Apesar do peso expressivo (1.363 kg), o DS4 anda muito bem, com respostas convincentes desde as rotações mais baixas, como se tivesse cilindrada bem maior. De acordo com a fábrica, acelera de 0 a 100 km/h em 8,6 segundos e alcança a velocidade máxima de 212 km/h. O motor é bastante suave e silencioso, para o que concorre a calibração do câmbio, que mantém baixos regimes a maior parte do tempo quando não se exige muita potência. Como habitual na marca, a caixa — que opera com suavidade — oferece também um modo esportivo, que deixa o 1,6-litro em giros mais altos e favorece o efeito de freio-motor ao desacelerar. Em sexta, a rotação a 120 km/h fica ao redor de 2.500 rpm.

 

Na Europa pode passar despercebido, mas aqui a suspensão deixa saudades dos tempos em que a Citroën se diferenciava pelo conforto de rodagem

 

Mudanças manuais sequenciais podem ser feitas por um canal separado, subindo marchas para frente (não há comandos no volante). Ao chegar à rotação de potência máxima (6.000 rpm) as trocas para cima são automáticas e, como mero efeito visual, a iluminação do conta-giros e do indicador de marcha pisca em vermelho por instantes, repetindo o que ocorre no C4 atual com câmbio manual. Reduções de marcha em modo manual só ocorrem ao se usar o fim de curso do acelerador, ou seja, pode-se adotar o método carga com facilidade.

Por ser derivado do C4, o DS4 abre mão de requintes técnicos na suspensão — a dianteira é McPherson, e a traseira, por um prosaico eixo de torção como em qualquer carro do segmento de entrada. O que o faz bem diferente do “irmão pobre” vendido aqui é a combinação da altura de rodagem acima da média a pneus esportivos e de perfil baixo (Michelin Pilot Sport 3, húngaros, em medida 225/45 R 18 V). Se poderia haver dúvida sobre sua estabilidade, a opção por molas e amortecedores firmes convence do contrário: o carro faz curvas com competência e não mostra reações indesejadas, enquanto o amplo vão livre do solo afasta qualquer risco de interferência em lombadas e valetas, tão comum no C4 atual.

 

 
Com o devido acerto para melhorar o conforto ao rodar, seu conjunto mecânico ficaria
irrepreensível: o motor de 165 cv e o câmbio de seis marchas são suaves e eficientes

 

Mas isso tem um preço: a suspensão traseira recorre a molas muito duras, os pneus transmitem grande parte dos impactos em piso de má qualidade e a carga dos amortecedores em pequenos movimentos é tão alta que, mesmo ao rodar na pista da esquerda de rodovias com pavimento recente, sente-se o carro “copiar” em excesso toda ondulação do asfalto. Na Europa tudo isso pode passar despercebido, mas em nossos pisos deixa saudades dos tempos em que a Citroën se diferenciava no mercado pelo elevado conforto de rodagem das sofisticadas suspensões.

De resto, bons atributos: o controle eletrônico de estabilidade pode ser desativado para quem quiser se divertir mais nas curvas, a direção revela assistência na medida certa em qualquer velocidade e os freios são potentes e repletos de auxílios eletrônicos. Não faltou o assistente de saída em rampas, que retém os freios por alguns segundos ao arrancar. É boa a visibilidade dianteira, com algum prejuízo pelas colunas do para-brisa, mas para trás a visão fica bem limitada pelas colunas e o formato dos vidros. Bom recurso é o monitor de ponto cego nos retrovisores externos (ambos convexos), com um led que avisa se houver veículo (mesmo moto) nas faixas adjacentes em local fora do alcance dos espelhos.

 

 

Tudo considerado, o novo hatch da Citroën reúne boas qualidades para quem procura um carro charmoso, bem equipado em conveniência e segurança, com desempenho na medida certa e que combine certa esportividade a uma altura do solo acima do usual. Uma pena que ele deixe a desejar em um exato aspecto — suspensão — no qual a marca francesa tanto tenha se destacado até hoje. Mais que esse, porém, o maior obstáculo a seu sucesso parece ser mesmo a concorrência alemã que, por valores pouco mais altos, oferece o prestígio de marcas mais consagradas no segmento.

 

Ficha técnica

Motor
Posição transversal
Cilindros 4 em linha
Comando de válvulas duplo no cabeçote
Válvulas por cilindro 4, variação de tempo
Diâmetro e curso 77 x 85,8 mm
Cilindrada 1.598 cm³
Taxa de compressão 10,5:1
Alimentação injeção direta, turbocompressor, resfriador de ar
Potência máxima 165 cv a 6.000 rpm
Torque máximo 24,5 m.kgf a 1.400 rpm
Transmissão
Tipo de câmbio e marchas automático / 6
Tração dianteira
Freios
Dianteiros a disco ventilado
Traseiros a disco
Antitravamento (ABS) sim
Direção
Sistema pinhão e cremalheira
Assistência eletro-hidráulica
Suspensão
Dianteira independente, McPherson, mola helicoidal
Traseira eixo de torção, mola helicoidal
Rodas
Dimensões 18 pol
Pneus 225/45 R 18
Dimensões
Comprimento 4,275 m
Largura 1,81 m
Altura 1,533 m
Entre-eixos 2,612 m
Capacidades e peso
Tanque de combustível 60 l
Compartimento de bagagem 359 l
Peso em ordem de marcha 1.363 kg
Desempenho
Velocidade máxima 212 km/h
Aceleração de 0 a 100 km/h 8,6 s
Dados do fabricante; consumo não disponível

 

 

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