Não é só nas fotos: o Corolla segue na contramão dos demais em termos de motores, ao dispensar turbo e injeção direta em favor de maior cilindrada
Desempenho e consumo
Os quatro sedãs médios podem até ter potências — com exceção ao Civic — e pesos próximos, mas isso não significa que alcancem o mesmo desempenho. Diferenças como curva de torque e tipo de transmissão podem afetar bastante o rendimento do carro em certas situações, como ilustra a análise de desempenho pelo consultor técnico Felipe Hoffmann, da FHB Performance.
Único a não adotar turbo, e sim maior cilindrada, o Corolla fornece o menor torque e precisa de rotações mais altas para alcançar seu ponto máximo. Por outro lado, a Volkswagen tenta focar mais na sensação de desempenho do que em números de aceleração e retomada, ao oferecer um motor que produz torque e potência em rotações mais baixas. Isso favorece a agilidade no dia a dia, mas as relações de marchas mais espaçadas e a calibração da transmissão voltada à economia tendem a fazer o contrário.
Com receita semelhante de configuração de motor, o Cruze demonstra ser o meio-termo entre o Jetta e o Civic — o qual produz menor torque máximo, mas o sustenta em rotações mais altas, o que garante mais potência. A questão de peso tem pouca influência, visto que os sedãs variam apenas 41 kg do mais leve (Civic) ao mais pesado (Jetta).
Pelos números da ficha técnica dos motores com gasolina, pode-se assumir que o Corolla levaria a pior por boa margem, mas o bom trabalho de casamento de motor e transmissão o deixa bem próximo do Cruze em aceleração e até pouco à frente na retomada de 80 a 120 km/h. O grande trunfo está na utilização de CVT que, apesar de simular marchas mesmo em modo automático, garante melhor fornecimento de potência às rodas por variar menos a rotação entre as “marchas”. Claro que o melhor seria manter a rotação constante no pico de potência máxima, mas a variação é pequena comparada à do Jetta.
O Civic usa a mesma receita de CVT com simulações de marchas, o que se alia à maior potência para um resultado bem melhor que o dos concorrentes. Com dois gráficos fica mais fácil de entender esses conceitos.
O Cruze tem bom “pulo” inicial (linha contínua vermelha no gráfico acima) nos primeiros 3 segundos, acompanhando Jetta e Civic. Por outro lado, a linha azul contínua do Corolla mostra que, apesar de o conversor de torque ajudar no primeiro instante (até 0,5 s), o torque menor não permite sustentar tal aceleração. A partir de 3 s sua aceleração começa a ser maior que a do Cruze pelo simples fato de a CVT, uma vez que atinge rotações perto da potência máxima (vide gráfico abaixo), começa a “trocar marchas” com relações mais próximas entre si.
O Cruze sai da primeira marcha a 5.300 rpm (troca um tanto prematura) para a segunda a 3.200 rpm, ou seja, a potência média é muito menor. Já a CVT do Corolla, mantendo entre 5.000 e 5.700 rpm no trecho, transmite potência média maior e faz o modelo “ir buscar” o Chevrolet, andando junto até o fim da prova. O Jetta passa por um problema até maior: sua rotação cai ainda mais entre uma marcha e outra, o que acaba sendo compensado pelo maior torque. Repare que o Volkswagen tenta compensar o espaço entre as marchas “esticando” primeira e segunda até mais de 6.000 rpm, bem acima do pico de potência, para que a rotação não caia tanto na marcha seguinte.
Já o Civic acaba sendo perfeito para dar bons números de aceleração: a CVT fica oscilando entre 5.000 e 6.000 rpm, com a potência máxima bem no meio disso. Seria ainda mais rápido se mantivesse a rotação constante em 5.500 rpm, mas muitos consumidores reclamariam do “barulho de enceradeira” e a opção pela CVT acabaria sendo criticada. Não é à toa que o Touring, medido outra vez com um modelo 2019, confirmou-se mais rápido de 0 a 100 km/h que o esportivo Si de 208 cv e caixa manual.
Olhando cada carro em separado, nota-se que para o Civic (acima) alcançar seus picos de potência e torque ele trabalha com pressão relativamente baixa de turbo. O sensor MAP no gráfico varia entre 130 a 140 kPa, ou seja, apenas 0,3 a 0,4 bar de pressão, mostrando que o cabeçote do Honda “respira” bem. Além disso, como a pressão pouco varia, conclui-se que o turbo estaria longe de seu limite nessa pressão. Isso índica que o segmento de preparação deve ter bons resultados no aumento de pressão sem ter que alterar o turbo.
O Jetta, além de precisar de maior pressão (pela menor cilindrada e a fim de obter o maior torque do grupo), mostra que o turbo precisa trabalhar bem, talvez porque o cabeçote não tenha a mesma capacidade de fluxo do Civic: passa de 200 kPa, ou seja, 1 bar de pressão relativa, mas cai bastante em função da rotação (acima). O emprego de um turbo pequeno para produzir torque em rotações baixas tem um preço. Tivemos problemas em captar os dados de MAP do Cruze, mas podemos estimar que trabalhe com baixa pressão pela potência em rotação mais alta.
Na retomada de 80 a 120 km/h o Corolla se mostrou muito bem perante os concorrentes com torque maior. O Jetta, que deveria ir muito bem, teve uma hesitação passando de marcha por marcha até finalmente reduzir, como mostrado no primeiro segundo no gráfico acima (linha verde contínua). Por algum motivo a Volkswagen não conseguiu tirar proveito da caixa automática epicíclica, que pode “pular” marchas, ao contrário da automatizada de dupla embreagem (leia consulta técnica).
O gráfico não reflete o padrão de manobra de retomada, mas é de grande valia para analisar a resposta das transmissões ao acelerador. O tempo zero representa o momento exato em que o pedal do acelerador foi pressionado. Com exceção ao Jetta — que não foi tão mal assim —, todos conseguiram reduzir a marcha ou a relação de CVT bem rápido, mostrando que hoje as transmissões automáticas conseguem reduções mais rápidas do que o motor consegue vencer a própria inércia para ganhar rotação.
É preciso lembrar que apenas o Civic não tem motor flexível em combustível e que todos foram medidos com gasolina. O uso de álcool beneficia muito o Corolla, pouco o Cruze e nada o Jetta em termos de potência e torque, pelos dados dos fabricantes.
A eficiência da CVT rendeu frutos também em consumo ao Civic, que a associa ao motor turbo com injeção direta, e ao Corolla, que não o faz. O Honda foi o mais econômico nos trajetos urbanos de medição, com o Toyota quase empatado ao Volkswagen e o Chevrolet para trás. No trecho rodoviário, porém, Jetta e Cruze se destacaram e foi o Corolla o último colocado. Nessa condição a CVT pouco ajuda, pois o motor com menos torque do Toyota precisa elevar as rotações para sustentar a velocidade nas várias subidas do trajeto. O Civic foi melhor também em autonomia, empatado com o Corolla (o de maior tanque no grupo) no caso da rodovia.
Cruze | Civic | Corolla | Jetta | |
Aceleração (s) | ||||
0 a 100 km/h | 9,4 s | 7,6 s | 9,6 s | 9,1 s |
0 a 120 km/h | 13,1 s | 10,6 s | 13,2 s | 12,4 s |
0 a 150 km/h | 21,2 s | 16,5 s | 21,8 s | 19,9 s |
0 a 400 m | 16,8 s | 15,5 s | 16,9 s | 16,5 s |
Retomada (s) | ||||
60 a 100 km/h | 5,0 s | 4,6 s | 5,9 s | 4,9 s |
60 a 120 km/h | 8,8 s | 7,5 s | 9,5 s | 8,1 s |
80 a 120 km/h | 7,2 s | 5,7 s | 7,0 s | 6,2 s |
Consumo (km/l) | ||||
Trajeto leve em cidade | 12,3 km/l | 15,7 km/l | 13,8 km/l | 13,9 km/l |
Trajeto exigente em cidade | 6,1 km/l | 8,0 km/l | 7,2 km/l | 7,4 km/l |
Trajeto em rodovia | 14,3 km/l | 13,5 km/l | 12,6 km/l | 14,4 km/l |
Autonomia (km) | ||||
Trajeto leve em cidade | 576 km | 791 km | 745 km | 626 km |
Trajeto exigente em cidade | 285 km | 403 km | 389 km | 333 km |
Trajeto em rodovia | 669 km | 680 km | 680 km | 648 km |
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Dados dos fabricantes
Cruze | Civic | Corolla | Jetta | |
Vel. máxima (km/h) | ND | ND | ND | 210/210 |
0 a 100 km/h (s) | ND | ND | ND/9,6 | 8,9/8,9 |
Cons. cidade (km/l) | 11,1/7,6 | 14,4 | 10,6/7,2 | 10,9/7,4 |
Cons. rodovia (km/l) | 14,2/9,9 | 11,8 | 12,6/8,8 | 14,0/9,6 |
Dados do fabricante para gasolina/álcool (no Civic, apenas gasolina); consumo conforme padrões do Inmetro; ND = não disponível |
O Civic venceu todas as provas de aceleração e retomada e foi também o mais econômico em cidade, embora caia para o terceiro lugar no consumo rodoviário
Comentário técnico
• Com o avanço do turbocompressor e da injeção direta, três dos quatro motores já são equipados com essa combinação, embora no Civic ela se restrinja à versão de topo. Outros recursos em comum são bloco de alumínio e variação de tempo de abertura de válvulas. O Jetta usa correia dentada para levar movimento do virabrequim ao comando de válvulas, e os demais, corrente — solução que consome mais energia, mas dispensa substituição periódica.
• O Civic é mais sofisticado em suspensão traseira: usa o conceito independente multibraço, que permite ao engenheiro definir com mais precisão a posição das rodas em cada situação, como carro carregado e ao acelerar ou cortar o acelerador em curvas. A montagem em subchassi concorre para melhor isolamento de vibrações. Bom detalhe desse modelo, tanto na frente quanto atrás, é o uso de buchas hidráulicas (preenchidas por fluido), que melhora a absorção de irregularidades sem a perda de precisão de respostas que se teria com borracha muito macia.
• Nesse aspecto o novo Jetta representa um retrocesso, pois a geração anterior vinha usando suspensão multibraço em toda a linha — agora, apenas o esportivo GLI a oferece.
• Outra boa solução da Honda é a caixa de direção com relação variável, que a deixa mais rápida quando se esterça mais. Com isso, bastam 2,2 voltas do volante entre os batentes, mas a direção é mais lenta quando próxima do centro, o que pode evitar mudanças bruscas em velocidade. O Civic tem ainda sistema de vetorização de torque, um controle eletrônico que busca evitar a patinação da roda dianteira interna em uma curva e facilitar seu contorno. Atua por meio de frenagem apenas da roda desejada, em geral com o objetivo de fechar a curva e evitar o subesterço.
Ficha técnica