Todos os carros um dia saem de produção, mas alguns mais cedo que outros — por diferentes motivos
Donos de Chevrolet Classic, Renault Clio e de uma série de modelos da Fiat (Siena e Palio de primeira geração, Idea, Bravo, Linea) estão, por assim dizer, órfãos: durante o ano passado esses automóveis deixaram de ser fabricados. Um fim que pode chegar mais cedo ou mais tarde, mas afeta a todos os veículos — tão certo quanto para os seres humanos.
Um carro sair de linha ou ser “descontinuado”, como às vezes anunciam os fabricantes, é plenamente natural: a tecnologia avança e o que foi lançado como moderno, inovador pode tornar-se ultrapassado em alguns anos. Mesmo assim, chama atenção por que certos modelos passam decênios em produção e outros mal duram três. O que acontece?
O “elixir da longa vida” de um carro passa, acima de tudo, pelo cumprimento do que se espera dele — o tal automóvel “honesto”, como alguns dizem, atribuindo-lhe uma característica humana. Para um modelo acessível, são atributos como robustez mecânica, simplicidade e baixo custo de manutenção, economia de combustível. Se tiver relativo conforto e bom porta-malas, melhor ainda.
Alguns modelos duram tanto que sobrevivem aos próprios sucessores — ou aqueles que se esperava que o fossem —, caso do Classic em relação ao Corsa de segunda geração
É o que acontecia com os citados Classic (lançado em 1995 como Corsa Sedan), Clio (entre nós desde 1998), Palio (desde 1996) e Siena (1997), mas também com outros veículos de grande longevidade. No Brasil, o Volkswagen Fusca foi feito de 1953 (montagem) a 1986, voltou em 1993 a pedido do então presidente Itamar Franco e ficou mais três anos, em total de 36. A Kombi durou bem mais, 56 anos entre 1957 e 2013, com evoluções que não afetaram muito o projeto original. Contemporâneo seu, o Toyota Bandeirante ficou em linha de 1958, quando se chamava Land Cruiser, a 2001.
O Fiat Uno inicial, depois renomeado Mille, esteve no mercado de 1984 a 2013 (29 anos); o Chevrolet Opala ficou quase 24 (de 1968 ao começo de 1992) e o Chevette por 20 (entre 1973 e 1993), todos na mesma geração. Para o VW Santana, os 22 anos de 1984 a 2006 compreenderam uma só grande remodelação. Das três gerações do Gol, a primeira ficou em linha de 1980 a 1995 e a segunda de 1994 a 2013. O Chevrolet Celta seguiu por 15 anos, de 2000 a 2015. O Ford Del Rey, variação do Corcel II de 1977, durou até 1991 e a picape Pampa foi de 1982 a 1997. Longeva foi também a sucessora desse utilitário, a Courier, de 1997 a 2013.
O curioso é que alguns modelos duram tanto que sobrevivem aos próprios sucessores — ou aqueles que se esperava que o fossem. O Corsa de segunda geração lançado em 2002, que parecia apto a substituir o Classic, foi-se em 2012. Na mesma Chevrolet, o Vectra hatch de 2007 deveria entrar no lugar do Astra, do qual era nova geração na Europa… acabou em 2011, um ano antes do antecessor. O Palio, de início visto como substituto do Uno, passou à segunda geração em 2011 antes que o Mille saísse de cena (contudo, o primeiro Palio ainda durou três anos a mais que ele). Na Hyundai, o Tucson inicial continua em linha ao lado do sucessor IX35 e do “sucessor do sucessor” novo Tucson na fábrica de Anápolis, GO.
O fenômeno da longevidade não se restringe ao Brasil. A francesa Citroën manteve a produção do simples e genial 2CV por 42 anos (1948 a 1990), mesmo tempo do Mini inglês (1959 a 2001) e do sedã tradicional da Lada russa, vendido sob vários nomes e siglas entre 1970 e 2012. O Ford Falcon argentino durou 29 anos, entre 1962 e 1991.
Em segmentos ou mercados mais específicos há casos como o Morgan 4/4 (81 anos de 1936 até hoje), o indiano Hindustan Ambassador (56 anos de 1958 a 2014), o romeno Dacia 1300 (35 anos de 1969 a 2004), o Trabant da Alemanha Oriental (34 anos de 1957 a 1991) e o Wartburg 353 do mesmo país (22 anos de 1969 a 1991). O VW Golf de primeira geração ficou na África do Sul por 31 anos, de 1978 a 2009, mas existia na Alemanha desde 1974. E o Santana, lançado em 1980 na Europa, foi até 2012 (32 anos) na China.
Alguns vão embora cedo
Enquanto alguns automóveis atravessam gerações de consumidores, outros são tirados de produção em dois ou três anos. Caso típico de pouca duração foi o de três modelos Volkswagen derivados do Ford Escort durante a Autolatina, associação entre as empresas que vigorou de 1987 a 1995. O sedã Apollo ficou no mercado de 1990 a 1992, sendo substituído pelo Logus (1993 a 1997), e o hatch derivado deste, o Pointer, durou ainda menos: de 1994 a 1996. Apesar de atributos como o belo desenho, havia problemas de qualidade e sua continuidade perdeu o sentido com a dissolução da Autolatina, pois eram fabricados pela Ford para a VW vender.
Da mesma época é um automóvel que nunca teve sucessor na indústria nacional: a perua Omega Suprema da Chevrolet, feita entre 1993 e 1996. Sua combinação de conforto, espaço, comportamento dinâmico e o desempenho das versões de seis cilindros estava muito acima do que se produziu por aqui, antes ou depois, nesse formato. Por que não deu certo, se peruas faziam sucesso entre os brasileiros desde os anos 70? A tese mais provável é o desinteresse da rede de concessionárias, que em 1995 ganhava a missão de vender o utilitário esporte Blazer — bem mais lucrativo, pois baseado em chassi de picape com tecnologia inferior.
Caso mal explicado é o da picape Dodge Dakota feita em Campo Largo, PR, de 1998 a 2001. Atributos ela tinha, embora a versão de cabine dupla tenha chegado tarde demais, meses antes do fim da produção. Há quem afirme que o fechamento da unidade foi uma decisão mal pensada dos alemães — então vigorava a associação Daimler Chrysler.
Na Fiat, a estratégia de extrair infinitos derivados do 147 chegou ao limite com o Oggi, sedã lançado em 1983, que em dois anos virava ontem
Erros de marketing e de engenharia explicam algumas despedidas precoces. Os esportivos SP1 e SP2 da VW impressionaram pelo estilo ao ser lançados em 1972, mas o desempenho não convencia — nem no SP2 de 1,7 litro, muito menos no 1,6 do SP1. O mais potente ficou em linha até 1975. Pouco depois houve a perua Variant II, em 1977: com suspensão problemática, que não correspondia à fama de confiabilidade da VW, durou apenas três anos.
Outro do período, o Ford Maverick, seria resultado de insistência em algo que o mercado não queria. Conta-se que, embora pesquisas de público indicassem a preferência pelo Taunus alemão, a marca insistiu em trazer o projeto norte-americano, mais simples e barato. Ofuscado em vendas pelo Opala desde o início, em 1973, ficou em linha por seis anos, pouco diante da praxe da indústria naquele tempo de pouca competição.
Na Fiat, a estratégia de extrair infinitos derivados do 147 chegou ao limite com o Oggi, de 1983. Apesar do ótimo espaço para bagagem, o sedã era um tanto feio comparado ao concorrente VW Voyage e se baseava em um projeto com sete anos de mercado. Em mais dois, o Oggi virava ontem.
Também na marca de Betim, MG, o Tipo chegou ao Brasil em 1993 mediante importação e teve grande êxito. No entanto, quando passou a ser fabricado aqui, em 1996, sua imagem estava abalada por casos de incêndios: no ano seguinte deixava o mercado. Não teria melhor sorte seu substituto Brava, feito entre 1999 e 2003.
A GM, embora responsável por modelos de longa vida no mercado, também colecionou carros de vida curta, em geral por má estratégia de marketing. O esportivo Calibra ficou por aqui de 1993 a 1996, o Tigra por alguns meses em 1998 e 1999, o Astra belga entre 1994 e 1996, a picape Silverado de 1997 a 2001 (entre produção local e na Argentina) e o utilitário Grand Blazer, dela derivado, só de 1999 a 2001. Mais tarde, hatch e sedã Sonic foram trazidos do México apenas entre 2012 e 2014.
E pode ter sido erro de marketing ou de engenharia, mas também durou pouco a incursão da Peugeot entre as picapes pequenas com a Hoggar, derivada do 207. Eficiente em sua proposta, parece ter sido vítima da imagem de manutenção cara da marca, logo em um segmento de ferramentas de trabalho. Com vendas tímidas, ficou em linha de 2010 a 2014 e poucos acenderam velas depois que ela se foi.
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