A Fiat apenas aproveitou a Copa das Confederações, mas a
campanha acabou virando grito de guerra das manifestações
Esses italianos têm muita sorte, mesmo. Quando eles imaginariam que uma campanha institucional, criada com a Copa das Confederações em mente, fosse causar tanta publicidade espontânea assim? Enquanto seus rivais alemães da Volkswagen resolveram seguir a cartilha básica e associar-se ao jovem craque (e já multimilionário) Neymar, acostumados a investir no futebol como vetor de valores de sua marca, a Fiat, com o comportamento dos bons italianos efusivos, jogou com a emoção em campo.
O enorme grupo Fiat tem inúmeras empresas e marcas, dentre elas as famosíssimas Ferrari, Maserati, Alfa Romeo e Lancia. Escapou de uma quase-morte após o rompimento da associação com a General Motors pelas mãos arrojadas de um tal Sergio Marchionne, chamado de insano ao convencer seus furibundos investidores de que seria uma jogada espertíssima irmanar-se com a norte-americana Chrysler, à beira da morte. E não é que a Chrysler virou a mesa dos italianos?
É inegável o quanto eles trabalharam, desde 1976, para tirar das mãos dos alemães da VW a liderança histórica de mercado no País
Larga-se o espaguete, frita-se hambúrguer: Chrysler, Jeep, Dodge, SRT e Ram tornam-se responsáveis por uma importante diversificação geográfica nos negócios da Fiat, descentralizando as vendas e os riscos. Enquanto a Europa ainda respira por aparelhos, a Chrysler e suas marcas representam novas oportunidades de negócios e a captura de sinergias em outros mercados. Um pouco de visão de futuro, um pouco de sorte, talvez.
Se focarmos de modo específico na marca Fiat, aí não tem jeito — só o Brasil salva. É inegável o quanto esses italianos trabalharam, desde 1976, para tirar das mãos dos alemães da VW a liderança histórica de mercado no País. Foi necessário lançar três gerações de modelos, quebrar paradigmas e vencer preconceitos para apagar pequenos percalços de principiante, como uns câmbios duros aqui, uns motores problemáticos acolá.
Minguada lá, forte aqui
O tempo passou e o brasileiro aceitou o novo. Cresceram tanto em vendas e na preferência que se tornou impossível para os italianos prescindir do Brasil. A Fiat minguou terrivelmente na Europa, vítima do excesso de capacidade produtiva na Itália, que consumiu todos os recursos que deveriam ser usados para manter competitiva sua linha de carros. Bravo e Punto são bons exemplos: estão em segmentos críticos para a marca, mas o primeiro está no último fio de vida, incapaz de competir com mitos como o VW Golf, e o segundo completou oito anos na atual geração, com a próxima sendo adiada demais.
A concorrência com os sul-coreanos e modelos europeus de muito sucesso, como Ford Fiesta e Peugeot 208, está tirando os cabelos dos italianos. A Fiat ainda tem uma participação relevante na Itália, mas não é preciso ser nenhum Carlos Ghosn para saber que um mercado só não salva as gigantes da indústria em um cenário globalizado. Ghosn que, sendo tão idolatrado quando hoje é Marchionne, só tirou a Renault do buraco porque foi capaz de convencer os franceses de que uma marca sozinha não faz verão. Era preciso aumentar as possibilidades de sucesso e partilhar o fracasso, nem que fosse preciso cruzar o mundo e buscar alianças do outro lado do globo. Ponto para o sortudo Marchionne.
A Fiat brasileira reposicionou-se como “cult-retrô”, mantendo a linha do “movidos pela paixão”, abandonada no resto do mundo
Com todo esse cenário de competitividade, a Fiat decidiu que o Brasil vai virar sua Itália do futuro. O site de internet da marca no Brasil é exclusivo, feito para brasileiros, enquanto o resto do mundo tem sites padronizados. O posicionamento da marca por aqui é igualmente exclusivo: depois do resgate nostálgico do 500, a marca reposicionou-se como “cult-retrô”, mantendo a linha do “movidos pela paixão”, abandonada no resto do mundo. Puseram no ar um belo filme, estimulando os brasileiros a irem “de carro” para a rua, comemorar o futebol como união, festa. Bem latino.
Num desses revezes do destino, o país entra em uma convulsão e se apropria do tema de sua campanha como bandeira: o “vem pra rua, que a rua é a maior arquibancada do Brasil”. Uma ironia danada. O povo reclama do excesso de subsídio ao transporte individual — o carro —, mas ignora que a dona da frase é uma das maiores produtoras de automóveis do País. Ainda assim, usa-se a música produzida para o comercial como grito de guerra. Um pouco sorte, um pouco fruto da conexão além-molho que une os italianos aos brasileiros.
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