
Belo como poucos, sonoro como um verdadeiro Alfa, o 156 e a Sportwagon trouxeram sua elegância ao Brasil
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
Existem carros que nunca serão esquecidos por seu estilo, a elegância de suas linhas, que atravessam décadas sem parecer superadas. O Mercedes-Benz 300 SL “asas de gaivota” da década de 1950 é certamente um deles, assim como o Jaguar E-Type, o Lamborghini Miura e o Ferrari 288 GTO. Entre os sedãs, é fácil se lembrar de desenhos atemporais da Mercedes, como o Classe S dos anos 80, e da BMW, caso do Série 3 E36 e do Série 5 E39. Mas a Alfa Romeo, sem dúvida, garante seu lugar nesse mural da fama.
Desde que fora absorvida pelo grupo Fiat, em 1986, a Alfa havia lançado carros atraentes como o 164 e outros nem tanto, caso do retilíneo 155. A necessidade de compartilhar plataforma com produtos da empresa-mãe vinha criando limitações de estilo, mas um novo sedã médio traria o necessário sopro de renovação. No Salão de Frankfurt, em setembro de 1997, o 156 era apresentado como sucessor do 155.
O italiano Walter de Silva — que mais tarde seria chefe de estilo do grupo Volkswagen — fez mesmo um trabalho brilhante à frente do Centro Stile da marca: de qualquer ângulo, o 156 esbanjava equilíbrio e atraia atenções, com certa inspiração nos clássicos Giulia e Giuletta dos anos 50 e 60. Na frente, o escudo da Alfa vinha incrustado no para-choque e ladeado por pequenos vãos. Sem espaço ali, a placa de licença ficava à esquerda, mesmo em mercados com volante à direita. Para-lamas levemente abaulados com vincos sugeriam um ar musculoso. Em um desenho “limpo” que não era comum nem na época, não havia outros adornos nas laterais.
Escudo incrustado no para-choque, maçanetas traseiras discretas e notável equilíbrio de linhas marcavam o desenho do 156; no interior, elementos de esportividade
Se as maçanetas dianteiras cromadas eram nostálgicas, as traseiras vinham discretamente embutidas na peça plástica ao fim das janelas, de modo a transmitir a sensação de duas portas ao primeiro olhar — recurso que teria imitadores por longo tempo, como a Peugeot 206 SW e o Honda HR-V. As lanternas de perfil baixo estavam no tamanho certo para uma traseira compacta. Ele media 4,43 metros de comprimento e 2,59 m entre eixos e tinha bom coeficiente aerodinâmico (Cx), 0,31.
A suavidade e a elegância esportiva do desenho externo repetiam-se no interior do 156, com os principais instrumentos em dois “copos” (com ponteiros apontados para baixo quando em repouso) e outros três na parte central do painel, acima do sistema de áudio. Dos difusores de ar à chave, tudo era desenhado com bom gosto. O volante podia vir com aro de madeira, outro detalhe de outros tempos.
Fabricado em Pomigliano d’Arco, na região de Nápoles, o 156 usava uma plataforma de motor transversal e tração dianteira evoluída do 155, mas com novas suspensões — dianteira por braços sobrepostos e traseira McPherson, ambas com certo uso de alumínio. Os motores iniciais de quatro cilindros eram de 1,6 litro com potência de 120 cv, 1,8 litro com 144 cv e 2,0 litros de 155 cv, todos com 16 válvulas e duas velas por cilindro, sistema chamado de Twin Spark (dupla centelha). O 1,9-litro de 105 cv e o cinco-cilindros de 2,4 litros e 136 cv eram as opções turbodiesel e, no topo da linha, estava o sonoro V6 de 2,5 litros e 24 válvulas com 192 cv e torque de 22,6 m.kgf, apto a velocidade máxima de 230 km/h e 0-100 km/h em 7,3 segundos.
O 156 usava motores de 120 a 192 cv, este um V6 de 2,5 litros; a perua Sportwagon vinha em 2000 com desenho atraente e tampa traseira que avançava pelo teto
O Best Cars comparou o 156 de 2,0 litros, em 1999, ao Volkswagen Passat 1,8 turbo: “O 156 ‘acorda’ a 3.500 giros, quando o ronco entusiasma e vai até os 7.000 giros da faixa vermelha. Os alfistas acostumam-se a esse comportamento, mas o motorista médio pode ficar decepcionado. O Passat contorna curvas com grande neutralidade e segurança. Mais nervoso, o 156 permite uma pilotagem alegre, com tendência a desgarrar a traseira ao cortar a aceleração. Se os preços são muito próximos, o consumidor terá de apelar à simpatia por um estilo mais esportivo ou por uma personalidade mais sóbria”.
As primeiras novidades da linha 156 foram a transmissão manual automatizada Selespeed de cinco marchas (para motor 2,0) e a automática de quatro marchas com conversor de torque Q-System (para o V6), ambas em 1999. A Selespeed inspirava-se no sistema F1 lançado pouco antes no Ferrari F355, com trocas manuais por botões no volante, mas esbarrava na limitação de tempo de troca dos sistemas de uma só embreagem. A Q-System distinguia-se pela seleção manual de marchas em “H”, como em uma caixa manual.
O 156 GTA, com a sigla do cupê Giulia nos anos 60, usava motor V6 de 3,2 litros e 250 cv para acelerar de 0 a 100 km/h em 6,3 segundos e alcançar 250 km/h
Com o lançamento da 156 Sportwagon, em 2000, a Alfa voltava a ter uma perua média longo tempo depois da 33 Sportwagon dos anos 80. As soluções de estilo seguiam as do sedã, incluindo as maçanetas embutidas, e lhe conferiam um dos mais belos desenhos já vistos nesse tipo de automóvel. A tampa traseira avançava alguns centímetros sobre o teto, mas o compartimento de bagagem era bem modesto — 360 litros, similar ao de um hatch médio. Opcional era o sistema hidropneumático de nivelamento da suspensão traseira, que compensava o peso transportado para corrigir sua altura de rodagem.
A Sportwagon 2,0 enfrentou no Best Cars a Volvo V40: “O interior da Alfa lembra em alguns aspectos um carro de corrida de tempos passados. Inconveniente de uma sport-wagon: a bagagem não tem prioridade sobre seu prazer ao volante; logo, o espaço para as malas da família não é dos maiores. A 156 apresenta limitações como perua, mas cumpre muito bem o papel de esportivo para a família. O desenho primoroso ainda é um de seus pontos mais positivos. Em relação custo-benefício, a Alfa parece vantajosa com o preço inferior, mas a Volvo oferece potência bem superior, mais itens de conforto, conveniência e segurança”.
Com motor V6 de 3,2 litros e 250 cv, o 156 GTA — também disponível como Sportwagon — revivia a clássica sigla e acelerava de 0 a 100 em 6,3 segundos
Um 156 de alto desempenho aparecia em setembro de 2001: o GTA, sigla para Gran Turismo Alleggerita (aliviada, ou seja, de peso reduzido), usada no cupê Giulia nos anos 60. O motor V6, da mesma família do 2,5-litros, vinha em sua versão de maior cilindrada — 3,2 litros — e fornecia 250 cv com torque de 30,6 m.kgf, o bastante para 0-100 km/h em 6,3 segundos e máxima de 250 km/h. A caixa Selespeed com seis marchas podia ser aplicada. O sedã de 1.410 kg mantinha a tração dianteira.
Entre os painéis metálicos, apenas capô, portas e tampa traseira do GTA eram iguais aos de outro 156 — todo o resto vinha refeito para um aspecto mais esportivo e para obter sustentação negativa, mesmo sem o aerofólio traseiro opcional. Freios Brembo de maior diâmetro, direção muito rápida (relação de 11,3:1 e 1,7 volta entre batentes), rodas de 17 polegadas com pneus 225/45 e suspensão recalibrada fechavam o conjunto. Não havia controle de estabilidade, que a Alfa julgava dispensável diante de seu equilíbrio. Com menos de 2.000 unidades produzidas do sedã e 1.700 da Sportwagon, esse esportivo é hoje um item de coleção.
“Ele oferece desempenho próximo aos de BMW M3, Mercedes-Benz C32 AMG e Porsche 911“, destacou o site australiano Go Auto, “e revive a filosofia que fez o Giulia Sprint GTA famoso mais de três décadas atrás. Ele tem não só a nota de admissão rouca e imponente dos Alfas do passado, mas também torque suficiente para acelerar a menos de 2.000 rpm mesmo em sexta marchas. O controle de tração opera até 60 km/h, mas somente se as rodas dianteiras girarem em diferentes rotações. A direção é uma surpresa, super rápida e direta”.
Nas demais versões, o modelo 2002 ganhava faixas dos para-choques e retrovisores na cor da carroceria. Por dentro, recebia sistema de áudio Bose, navegador, ar-condicionado automático de duas zonas e novo mostrador no painel central. A caixa Selespeed trocava os botões por alavancas junto ao volante e havia novos recursos como controle de estabilidade e tração, cortinas infláveis e faróis de xenônio. O motor JTS de 2,0 litros com injeção direta de gasolina e 165 cv substituía o Twin Spark.
Frente e traseira renovadas por Giugiaro para 2003 não conflitavam com o desenho original; embora mostradas no Brasil, as mudanças não vieram a nosso mercado
Essas alterações não chegaram ao Brasil, onde a linha 2003 vinha com motor V6 2,5 e transmissão Q-System como padrões. O sedã foi comparado pelo Best Cars ao BMW 325i: “O interior dá a sensação de estar em um carro esporte. O motor V6 é mais esportivo e seu ronco desde baixas rotações é um convite a desligar o sistema de áudio. O câmbio Q-System tem posições definidas para cada marcha, mas não poderia ter desprezado a quinta: as rotações caem muito a cada mudança. A suspensão dura o deixa desconfortável. O controle de estabilidade atua apenas em situação-limite e pouco interfere ao dirigir com vigor, não afetando o divertimento de motoristas mais habilidosos. Uma questão de optar entre a razão — que leva ao BMW na análise fria dos quesitos — ou a emoção, uma vez que o Alfa toca o coração de modo especial”.
Difícil de alterar como todo grande desenho, o do 156 foi retocado em 2003. O escudo dianteiro estava mais proeminente, os para-choques perdiam os frisos e havia novos capô, faróis, tampa do porta-malas e lanternas traseiras. Apesar da diferente autoria, as partes modificadas por Giorgetto Giugiaro combinavam bem com o estilo original de Silva. Outras novidades eram a versão TI (Turismo Internazionale, sigla clássica na marca), com rodas de 17 pol e acabamento mais esportivo, e motores turbodiesel com quatro válvulas por cilindro (1,9 de 150 cv e 2,4 de 175 cv).
Embora as mudanças de 2003 tenham sido mostradas no Salão de São Paulo, não chegaram a nosso mercado — a Fiat preferiu encerrar as operações da marca por aqui. O GTA não seguia as alterações visuais. Na época, apareceu no Salão de Bolonha a versão conceitual GTAM, com o V6 ampliado para 3,55 litros e 300 cv, rodas de 19 pol e para-lamas alargados. O GTA Super 2000 com motor e 2,0 litros e 260 cv foi bicampeão do Campeonato Europeu de Carros de Turismo (ETCC) em 2002 e 2003, seguindo-se ao título do 156 D2 em 2001.
Ao receber tração integral, a Sportwagon passava a oferecer a versão Crosswagon Q4, com suspensão elevada; apenas o motor 1,9 turbodiesel estava no catálogo
A Sportwagon Q4 estreava em 2004 com sistema de tração integral permanente Quadrifoglio 4 — referência ao trevo de quatro folhas, tradicional símbolo esportivo da Alfa —, dotado de três diferenciais e repartição variável de torque entre os eixos. A proposta não era de alto desempenho, mas de aumentar sua capacidade de tração em pisos com neve e gelo. O motor 1,9 turbodiesel era o único disponível.
A partir dessa versão a Alfa Romeo lançava também a Crosswagon Q4, uma perua com jeito fora de estrada, assim como Audi A6 Allroad, Subaru Outback e Volvo XC70. Apesar da aparência sutil, sem o excesso de plásticos pretos comum em carros com sua proposta, essa variação do 156 tinha maior altura de rodagem e rodas de 17 pol, mantendo o 1,9 turbodiesel. A revista inglesa Auto Express aprovou-a: “O sistema é bastante seguro, eliminando de uma só vez o subesterço e o esterçamento por torque. A suspensão é mais macia, mas com ótima aderência e comportamento neutro”.
Com o lançamento do 159, em 2005, chegava ao fim a trajetória do 156 depois de quase 700 mil unidades — embora a Crosswagon tenha ficado em linha por mais dois anos. O sucessor evoluía sua filosofia de estilo com um desenho elegante, mas não resta dúvida: nessa linhagem, o 156 é o sedã que que melhor representa o talento da Alfa Romeo em cativar os olhos pelo estilo e os ouvidos pela sonoridade dos motores.
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