Arredondado como o ZX não foi, o hatch francês empolgava em desempenho e estabilidade no esportivo VTS
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
Por seis anos, de 1991 a 1997, o ZX representou bem a Citroën entre os hatches médio-pequenos. Foi um projeto tão bem-sucedido que a Dongfeng chinesa o manteve em produção até 2009, sem grandes alterações, e mais quatro anos com reestilização (conheça esse e outros carros que ganharam sobrevida). Com a rápida sucessão de automóveis no mercado europeu, porém, a marca do duplo chevron sabia que um substituto não poderia demorar.
Ele aparecia em setembro de 1997 no Salão de Frankfurt: o Xsara. O nome iniciado com “X”, lido como “csara”, seguia a linha do Xantia e usava uma letra associada à marca por longo tempo em modelos como AX, BX, CX e XM, além do ZX. Se o antecessor tinha um desenho retilíneo, o Xsara buscava o extremo oposto: era todo arredondado, seguindo um padrão comum a competidores como Fiat Brava/Bravo e Renault Mégane — outros da mesma época, como Ford Focus, Opel Astra e Volkswagen Golf, adotavam outras filosofias de estilo.
O Xsara trocava as linhas retas do ZX pelas arredondadas, por fora e por dentro, e lembrava o Xantia em várias partes do desenho; os motores iam de 68 a 167 cv
Na frente de perfil baixo, nos “ombros” pronunciados e na tampa traseira com um “meio volume”, o Xsara lembrava o Xantia. A versão de três portas, chamada de Coupé para sugerir esportividade, aparecia em janeiro seguinte. Com 4,17 metros de comprimento e 2,54 m de distância entre eixos, o Xsara oferecia espaço interno condizente com sua categoria, mas era dos mais baixos da classe com 1,43 m de altura. Esse aspecto o deixaria em evidente contraste ao concorrente Peugeot 307, do mesmo grupo, a ser lançado em 2001.
O interior, também com formas curvas e suaves no painel e nas portas, oferecia opções como comando automático do limpador de para-brisa e do ar-condicionado, teto solar com controle elétrico e volante com comandos de áudio e ajuste em altura e distância. Opção avançada era o sistema desenvolvido com a Intel que aplicava ao painel tela de vídeo, toca-DVDs, navegador e interface para viva-voz de celular. Por uma conexão GSM à internet, o motorista acessava informações de trânsito e podia ouvir mensagens de e-mail com uma voz sintetizada.
Nessa fase os motores a gasolina da linha Xsara foram de 1,4 litro (potência de 75 cv e torque de 12,2 m.kgf), 1,6 litro (90 cv e 13,8 m.kgf), 1,8 litro com duas válvulas por cilindro (90 cv e 15 m.kgf com transmissão manual, 101 cv e 15,6 m.kgf com a automática de quatro marchas) ou quatro válvulas (112 cv e 15,8 m.kgf), 2,0 litros com quatro válvulas (135 cv e 18,3 m.kgf) e ainda o 2,0 de alto desempenho da versão VTS, com 167 cv e 20,1 m.kgf.
O VTS (aqui e no alto) dava tempero esportivo ao Xsara três-portas; entre as opções de motores estava um potente 2,0-litros capaz de levá-lo de 0 a 100 km/h em 6,9 s
A sigla desse esportivo, pronunciada em francês como a palavra vitesse (velocidade naquele idioma), justificava-se pelo atraente conjunto. Embora sem a caixa manual de seis marchas usada pelo Peugeot 306 GTI de mesmo motor, era muito rápido e veloz: máxima de 225 km/h e 0-100 km/h em 6,9 segundos. A suspensão firme tinha altura de rodagem bem menor e o interior recebia bancos mais envolventes.
O Xsara VTS de 167 cv foi avaliado pelo Best Cars: “A resposta suave não permite antever o ‘canhão’ escondido sob o capô. A engenharia da PSA merece parabéns”
A linha a diesel incluía motores de 1,4 litro com turbo (70 cv e 16,3 m.kgf), 1,9 litro sem turbo (68 cv e 12,2 m.kgf) ou com turbo (90 cv e 20 m.kgf) e 2,0 litros com turbo (110 cv e 25,5 m.kgf). Ainda em 1998 a família crescia com a perua, chamada de Break como era comum na Citroën na época. Ela mantinha o entre-eixos e até as portas traseiras do hatch, mas crescia em 18 cm na traseira (para um comprimento de 4,35 metros), obtinha um estilo elegante e amplo compartimento de bagagem, 517 litros.
Com plataforma derivada do ZX e do Peugeot 306, o Xsara mantinha a suspensão traseira independente típica dos carros franceses da época, com braços arrastados e barras de torção. Seria o último Citroën desse segmento com tal solução, também abandonada pela Peugeot e a Renault nos competidores lançados depois dele (307 e o segundo Mégane, na ordem). Por meio de buchas com deformação programada, o eixo traseiro ganhava um sutil esterçamento na direção da curva quando submetido a tal esforço, sem usar qualquer atuador ou mecanismo de controle.
A perua Xsara Break, de amplo porta-malas, mantinha o entre-eixos do hatch e crescia na traseira; em 2000 ela servia ao conceito híbrido Dynactive (embaixo)
A Citroën o trouxe ao Brasil já em 1998, importado da França salvo pela versão GLX, que vinha do Uruguai para evitar Imposto de Importação. O Best Cars aprovou a versão Exclusive 1,8 no primeiro contato: “Aberta a porta, impressão das melhores: acabamento bem-feito e agradável aos olhos e ao tato. Boas sensações vão-se sucedendo, do ótimo isolamento de ruídos ao desempenho alegre do motor. A suspensão digere bem as irregularidades. A Citroën obteve no novo médio-pequeno uma combinação rara de desempenho, conforto, segurança e preço competitivo”.
O VTS de 167 cv foi comparado pelo site ao Alfa Romeo 145 2,0 de 150 cv: “A resposta suave do Xsara não permite antever o verdadeiro ‘canhão’ escondido sob o capô. A engenharia da PSA merece parabéns pelo compromisso, com bom torque em baixa e desempenho que entusiasma. Nas curvas rápidas o VTS sobresterça (sai de traseira) de início para logo assumir a trajetória prevista. Em alguns minutos o motorista se vê confiante, contornando curvas em velocidade espantosa e colocando a traseira onde desejar através do volante. Verdadeira terapia antiestresse”.
Com o lançamento do VTS de 1,8 litro, o Best Cars comparou-o ao Chevrolet Astra GLS: “Ao reunir o estilo esportivo à mecânica simples e eficiente, a Citroën obteve um hatch de preço mais acessível. Alguns aspectos carecem de aperfeiçoamento, mas o conjunto justifica sua liderança entre os importados e lhe permite galgar posição ainda mais interessante no mercado. O Astra é mais rápido e parece bem mais resistente a nosso padrão viário, mas perde em acabamento e na relação equipamentos vs. preço”.
A remodelação frontal de 2001 foi controversa; no Brasil, o motor 1,8 dava lugar ao 1,6 e desaparecia o 2,0-litros de alta potência, embora viesse depois o de 138 cv
Uma versão híbrida da Xsara Break aparecia como conceito no Salão de Genebra de 2000, combinando o motor 1,4 a gasolina de 75 cv a um elétrico de 34 cv. Ela podia rodar até 20 km em modo elétrico e usava regeneração de energia para recarga da bateria, que ficava na parte traseira.
O Xsara recebia uma polêmica reestilização frontal na linha 2001: grandes faróis em formato de gota e grade dianteira maior, inspirados nos do primeiro C5, deixavam dúvidas se ganhava ou perdia em beleza. A estrutura era reforçada e a central elétrica integrada reduzia o volume de cabos. A linha de motores ganhava o 1,6 de quatro válvulas (110 cv e 15 m.kgf) e perdia o 2,0 mais potente. Em nosso mercado esse 1,6 assumia o lugar do 1,8-litro e rodas de 15 pol vinham em todas as versões.
Em 2002 o motor 2,0 com 138 cv e 19,4 m.kgf vinha ao Brasil no VTS com três portas e na versão Paris de cinco portas. Na avaliação do Best Cars, esse VTS revelou vivacidade e suspensão bem acertada: “As acelerações são ágeis e não se precisa recorrer às altas rotações para obter um desempenho convincente. A Citroën obteve um bom compromisso: sem incomodar nas valetas e lombadas, o Xsara ‘cola’ no asfalto em curvas e transmite muito bem a potência”.
O VTS acompanhava as alterações do cinco-portas, ambos tirados de linha em 2004; embaixo, os Xsaras de rali, Kit Car (à esquerda) e WRC de tração integral
O Xsara brilhou em ralis. A versão Kit Car foi às provas ainda em 1998, com motor de 2,0 litros e 300 cv e tração dianteira, e faturou o Campeonato Francês de pilotos em 1998, 1999 e 2001. A Citroën então elaborou para o WRC (Mundial de Rali) uma versão com tração integral e motor 2,0 turbo de 300 cv, a WRC. Ele faturou o campeonato de construtores em 2003, 2004 e 2005 e o de pilotos em 2004, 2005 e 2006 (os três com Sebastien Löeb), seu último ano em competição.
As últimas alterações ao Xsara, no começo de 2003, afetavam apenas os para-choques e não chegaram ao Brasil. O hatch saía de produção na Europa em novembro de 2004, para abrir caminho ao primeiro C4, mas a perua permanecia por mais dois anos. Ele também seguiu até 2006 na China, pela associação com a Dongfeng, e foi feito no Egito e na Espanha. Tudo somado, mais de 3,3 milhões de unidades ganharam as ruas mundo afora.
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