Sucesso nas ruas europeias e nos ralis africanos, ele permaneceu em fabricação por 22 anos por mãos asiáticas
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
Embora o segmento de carros médio-pequenos — a classe do Volkswagen Golf, seu líder por muito tempo — seja um dos mais importantes da Europa, a francesa Citroën deu-se ao luxo da ausência por longos cinco anos desde o encerramento do modelo GSA, em 1986. O médio BX (da classe do Passat, para ficar na linha VW) supriu em parte essa lacuna, mas só em março de 1991 a marca do duplo chevron lançava um novo automóvel para o segmento: o ZX.
Desenhadas pelo estúdio italiano Bertone, também responsável pelos modelos BX, XM e Xantia, suas linhas agradaram. A frente usava grade bem estreita, seguindo a tendência da época, e a carroceria de poucos adornos destacava a ampla área envidraçada. O friso lateral que cortava o arco dos para-lamas traseiros era típico Citroën. Na interessante versão de três portas, lançada no ano seguinte com o nome Coupé, as janelas faziam uma quebra no fim das portas, onde se montavam maçanetas verticais; as colunas traseiras eram mais largas que no cinco-portas e não havia o friso sobre os pneus.
O ZX nasceu em 1991 com cinco portas e ampla linha de motores entre 1,1 e 2,0 litros
Com 4,06 metros de comprimento, 2,54 m de distância entre eixos e peso ao redor de 1.000 kg, o ZX competia com Fiat Tipo, Ford Escort, Honda Civic, Opel Kadett e logo depois Astra, Peugeot 305 (depois 306), Renault 19 e o citado Golf. No interior funcional, com comandos do painel próximos ao volante (outra tradição da marca, que no passado usou “satélites” para esse fim), uma inovação era o banco traseiro com assento ajustável em distância, para ampliar o espaço às pernas dos passageiros ou à bagagem, de acordo com a necessidade, e encosto com inclinação regulável.
A gama de motores da linha ZX foi bem variada, com unidades a gasolina de 1,1 litro (potência de 60 cv e torque de 9,3 m.kgf), 1,4 litro (75 cv e 12,2 m.kgf), 1,6 litro (90 cv e 13,7 m.kgf), 1,8 litro (103 cv e 15,6 m.kgf), 1,9 litro (130 cv e 17,3 m.kgf) e 2,0 litros (123 cv e 17,9 m.kgf) com duas válvulas por cilindro, além das opções a diesel de 1,9 litro (65 cv sem turbo, 91 cv com ele). A transmissão manual de cinco marchas permitia opção por uma automática de quatro em alguns motores. A tração era dianteira.
O hatch três-portas tinha laterais próprias e mais esportivas; a perua vinha em 1993
Mais “quente” era o ZX 16V, com quatro válvulas por cilindro e coletor de admissão variável no motor de 2,0 litros para obter 155 cv e 18,6 m.kgf. Capaz de acelerar de 0 a 100 km/h em 9,5 segundos e alcançar 220 km/h, era um bom rival ante Tipo 16V, Escort RS 2000, Astra GSi, Mégane 16S e Golf GTI, entre outros. Rodas de 15 pol, defletor traseiro e molduras plásticas nos arcos dos para-lamas formavam o visual esportivo.
O motor de 2,0 litros do esportivo 16V passava para 167 cv em 1997: “Há muito torque e você pode senti-lo”, descreveram os holandeses
Grande parte da arquitetura desse Citroën era típica dos carros da classe: motor transversal, suspensão dianteira McPherson, freios a disco em duas ou nas quatro rodas com sistema antitravamento (ABS) em algumas versões. Já a suspensão traseira independente por braços arrastados com barras de torção, típica dos carros franceses de seu tempo, tinha uma peculiaridade: buchas deformáveis que produziam um leve efeito de esterçamento das rodas em curvas. O objetivo era direcioná-las para dentro, seguindo as dianteiras, a fim de manter a aderência de tais pneus no uso mais vigoroso.
No comparativo ao Civic VTI e ao Golf GTI pela revista inglesa Car, o ZX 16V agradou: “Ele tem um dos motores aspirados de 2,0 litros mais potentes do mercado. Com 5 cv a mais que o Golf, fornece uma curva de torque mais ampla. O ZX normal tem um dos melhores chassis da classe, de modo que não surpreende que ele mantenha sua excelência quando ‘esquentado’. Ele parece mais preciso em curvas que o GTI. O esterçamento da traseira é realmente perceptível, mas quando o Golf começar a desgarrar, o ZX já terá batido em uma barreira com a traseira primeiro”.
A grade aumentava em 1995: uma das poucas mudanças visuais do ZX em sete anos
Ao confrontar a versão Furio de 1,8 litro ao Escort XR3i, a também britânica Autocar destacou sua “precisão de direção e equilíbrio de chassi. Ele permite acessar os limites de aderência dos pneus de forma livre e segura. O rodar do Furio mantém a tradicional vantagem da Citroën, com molas bastante macias. Mesmo sem considerar o menor preço, percebe-se que o ZX é um carro melhor, com estilo de hot hatch e prazer de dirigir com muito refinamento”.
A linha crescia com a perua ZX Break de cinco portas, 19 cm mais longa, em 1993. A grade dianteira era ampliada para 1995, conforme a tendência — Escort, Civic e Passat também voltaram a ter ampla grade nessa época, alguns anos após eliminá-la. O estúdio francês Heuliez apresentava o Vent d’Ouest, um conversível com base no hatch de três portas desenvolvido em cooperação com a ASC, especialista norte-americana nesse tipo de conversão. Não chegou à produção em série.
A versão esportiva chegava a 167 cv em 1997; o conversível foi obra de Heuliez
O motor 2,0 16V passava para 167 cv e 20,2 m.kgf no modelo 1997, o que a revista holandesa Autoweek aprovou: “Há muito torque e você pode senti-lo. O ZX empurra firme e imediatamente ao ser acelerado. No 0-100 km/h registramos 9 segundos. O ótimo desempenho é acompanhado por suspensão firme e direção muito direta. A assistência está lá, mas nos bastidores: um pouco de músculos é exigido do motorista. Adicione a isso a excelente aderência com o solo e o resultado é um carro que você controla com precisão. É mais que rápido, é um verdadeiro GTI”.
A alemã Auto Motor und Sport incluiu-o em comparativo de oito hatches esportivos: “O ZX é o mais potente do grupo, o que se manifesta na maior velocidade máxima. O motor fornece potência de forma muito suave, empurra já na faixa de rotações mais baixa e não incomoda pelos ruídos. Um ponto criticado, que infelizmente permanece, é a geometria variável do eixo traseiro: se for necessário tirar o pé do acelerador com alta aceleração lateral, a pronunciada neutralidade de seu comportamento de repente acaba — a traseira sai e precisa ser estabilizada com um contraesterço”.
O ZX Rallye Raid venceu o Dakar quatro vezes, mas era um protótipo de 300 cv
O Brasil recebeu o ZX em 1992 por meio da importadora XM, representante da marca na época, pertencente ao mesmo empresário Sérgio Habib que seria presidente da empresa mais tarde no País. Veio com motores de 1,8, 1,9 e 2,0 litros, incluindo os esportivos de 150 cv (versão Coupé) e 167 cv (Dakar) e opções de três e cinco portas. A fabricação em Barra de Carrasco, no Uruguai, de 1995 em diante permitiu evitar o Imposto de Importação e obter preço mais competitivo por conta do Mercosul.
A Citroën substituía o ZX em 1998 pelo Xsara, de estilo atualizado — bem mais arredondado, como era norma na época —, mas com grande semelhança em termos técnicos. Não era, porém, o fim da linha para o modelo: a associação chinesa Dongfeng Peugeot-Citroën garantiu-lhe longa sobrevida. Produzido por lá desde 1992 com o nome Fukang como hatch cinco-portas, ele ganhava em 1998 uma versão sedã quatro-portas que os europeus nunca tiveram.
Com reestilizações e versão sedã, o Fukang chinês passou a C-Elysée e foi até 2013
O sedã era renomeado Elysée em 2002, quando recebia retoques de estilo e o painel do Xsara. Três anos mais tarde aparecia a versão VIP, com 15 centímetros a mais entre eixos, e uma remodelação em 2008 tentava modernizá-lo na frente e na traseira. Hatch e sedã passavam então a se chamar C-Elysée, nome que seria mantido no sucessor do sedã. Foram fabricados até 2013, nada menos que 22 anos após o lançamento do ZX europeu. Somados os dois continentes a produção alcançou 2,1 milhões de exemplares.
Foi um Citroën bem-sucedido também em competição — embora pouco houvesse em comum entre essas versões e as de venda ao público. O ZX Rallye Raid, revelado em 1990 antes mesmo do carro de série, tinha motor central-traseiro turbo de 2,5 litros e quatro cilindros com 300 a 330 cv, transmissão de sete marchas, tração integral e carroceria com fibras de carbono e de aramida. Pelas mãos talentosas de Ari Vatanen e Pierre Lartigue foi o vencedor por quatro anos — em 1991 e de 1994 a 1996 — do Rally Dakar, um severo percurso fora de estrada que ligava Paris (ou Granada, Espanha, em 1995 e 1996) a Dakar, no Senegal. Ganhou também o Rali Paris-Moscou-Pequim em 1992.
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