O último produto da Autobianchi, do grupo Fiat, teve interior requintado, tração integral e até motor brasileiro com turbo
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
A autoria do conceito de carro pequeno e luxuoso pode ser discutida, mas o grupo Fiat também pode reivindicar sua cota com o Y10, modelo vendido pelas divisões Lancia e Autobianchi. Apresentado em março de 1985 no Salão de Genebra, o Y10 representava a quebra de um longo jejum para a Autobianchi. A marca fundada em 1955, que havia inovado dentro do grupo Fiat ao adotar motor transversal e tração dianteira em seu modelo A112 em 1969, desde então não havia lançado qualquer outro carro. Com o fim da produção do sedã A111, em 1972, a marca ficou restrita a um só automóvel — e um tanto envelhecido após 16 anos na mesma geração.
A partir da plataforma do Fiat Panda foi desenvolvida uma nova carroceria de linhas modernas e angulosas, com traços simples, amplos vidros e o mesmo corte reto na traseira. Era oferecido apenas com três portas e tinha a curiosidade de trazer a terceira delas sempre em preto, qualquer que fosse a cor da carroceria — um arranjo aproveitado pela Fiat brasileira no Uno 1.5R, no ano seguinte, e de certo modo pela Volkswagen no Up TSI, agora em 2015. Como no Panda e no Uno, o limpador de para-brisa usava um só braço.
Bem menor que um Uno da época, o Y10 media 3,39 metros de comprimento, 1,51 m de largura, 1,42 m de altura e 2,16 m de distância entre eixos e pesava a partir de 780 kg. O coeficiente aerodinâmico (Cx) 0,31 era muito bom para um carro tão curto. No interior predominavam linhas retas, caso do painel de instrumentos, e os grandes vidros traziam ampla visibilidade. Também a exemplo do Uno brasileiro (o italiano não), o estepe junto ao motor abria mais espaço para bagagem e facilitava a troca de pneu em caso de porta-malas carregado.
O Y10 trazia comodidades e requintes em apenas 3,4 metros, usando as marcas Lancia e Autobianchi
Itens convenientes como controle elétrico de vidros (até mesmo das janelas traseiras basculantes) e travas, teto solar, volante regulável em altura (de 1986 em diante) e sistema de verificação e controle de funções deixavam clara a proposta de oferecer mais requinte e conforto do que o habitual em carros de seu porte. Opcional ousado era o painel de instrumentos digitais Stato Solido, fornecido pela Veglia Borletti e dotado de computador de bordo, que equipou poucas unidades. Apenas França, Itália e Japão o compravam sob a marca Autobianchi: como acontecia desde os anos 70 com o A112, o logotipo mais prestigiado da Lancia era aplicado nos demais mercados.
Com turbo e injeção no motor enviado de Betim, MG, o Y10 Turbo obtinha 85 cv e acelerava de 0 a 100 km/h em 9,5 segundos
A arquitetura do Y10 seguia conceitos comuns nos carros pequenos de seu tempo, como motor transversal, tração dianteira, caixa de câmbio manual de cinco marchas e suspensão dianteira McPherson, enquanto na traseira era usado um eixo rígido no formato conhecido como ômega (referência à letra grega), com a seção central elevada. Das três versões, duas tinham desempenho discreto: a Fire, com o motor homônimo da Fiat italiana de 999 cm³ e potência de 45 cv, e a Touring, que usava a unidade brasileira de 1.049 cm³ (então empregada aqui por 147 e Uno) com 56 cv, ambas com comando de válvulas no cabeçote e carburador.
A estrela era o Y10 Turbo, que aplicava um turbocompressor IHI, resfriador de ar e injeção eletrônica ao motor enviado de Betim, MG, para obter 85 cv e torque de 12,4 m.kgf. Com baixo peso e boa aerodinâmica, o pequeno Lancia (ou Autobianchi) acelerava de 0 a 100 km/h em apenas 9,5 segundos e alcançava a velocidade máxima de 180 km/h. Rodas e para-choques diferenciavam a aparência da versão — o menor carro europeu com turbo na época — das demais. O Y10 enfrentava no mercado uma concorrência variada, com modelos italianos como os Fiats Panda e Uno, os franceses Peugeot 205 e Renault 5/Super Cinq, os japoneses Daihatsu Charade e Nissan Micra, o inglês Austin Metro e os alemães Ford Fiesta, Opel Corsa e Volkswagen Polo.
O Turbo levava a 85 cv o motor de 1,05 litro da Fiat brasileira; embaixo, radiografia e o painel digital
Na revista inglesa What Car? o Turbo foi comparado ao Charade Turbo, ao MG Metro 1.3 e ao R5 TSE e mostrou qualidades, mas com ressalvas: “Ele trata seus ocupantes da frente muito bem, com a cabine com uma sensação arejada e os bancos confortáveis. A partir de 2.000 rpm a pressão do turbo é suave e progressiva e o pequeno Y10 se torna um carro impressionantemente rápido. Com seu visual ame-odeie, ele tem muito caráter e brio italiano, mas ficamos desapontados com o acabamento interno e o conforto de rodagem. Estas e outras falhas precisam ser corrigidas antes que suas vendas possam decolar”.
A linha ganhava uma opção mais simples e barata com o motor Fire em 1986, quando surgia também o Y10 4WD. Ao tracionar as quatro rodas do pequeno de luxo, com a tração traseira acionada a partir de um comando no painel, o motor Fire de 50 cv permitia alcançar locais a que a versão original não chegaria. Era fácil identificá-lo pelas rodas de aço sem calotas e a moldura negra nas laterais que acompanhava os para-choques. Nessa versão o eixo traseiro rígido era convencional, sem o formato ômega.
O teste da italiana Quattroruote apontou boa aptidão fora de estrada: “Como um carro que se move com certa segurança e agilidade em pisos de baixa aderência, seu comportamento é ótimo. Com tração apreciável, aderência notável e peso contido, desempenha-se muito bem também em situações difíceis. A capacidade de arrancar é quase insuperável na neve e no fora de estrada leve. Uma limitação é a reduzida altura do solo, que obriga a proceder com cautela”. A revista elogiou ainda o motor “de temperamento muito brilhante, com ótima potência e elasticidade apreciável mesmo em baixos regimes”, e a estabilidade, com “notável segurança no molhado com a tração integral inserida”.
Tração integral, transmissão CVT, pacote Style, séries limitadas: a variedade de opções do Y10
Três edições especiais ganhavam as ruas em 1987. A Fila vinha com motor Fire e visual externo todo em branco, incluindo para-choques, grade, calotas e a tampa traseira. Na Martini, inspirada no patrocinador de longa data dos Lancias de rali como o Delta, a base era a versão Turbo em cor branca com faixas decorativas, rodas de alumínio opcionais e as mesmas cores das faixas no revestimento interno. Por fim, a Missoni fazia alusão ao estilista Ottavio Missoni com faixas, acabamento interno mais luxuoso (com apliques de camurça sintética no painel e nas portas) e o motor Fire. No ano seguinte aparecia a Fila 2, dessa vez monocromática em preto. Houve também o pacote Style, que aplicava a qualquer versão volante Nardi com aro de madeira e raios metálicos e bancos de couro.
Pequenas alterações visuais vinham em fevereiro de 1989, como grade, luzes de direção, lanternas traseiras e acabamento. O ar-condicionado podia ter controle automático de temperatura, item incomum até em carros bem maiores na época. O motor brasileiro de 1.049 cm³ deixava de equipá-lo, dando lugar ao Fire de 1.108 cm³ com injeção monoponto e 56 cv. No caso da versão LX i.e. os bancos podiam ser revestidos em camurça sintética. O 4WD também recebia o motor de maior cilindrada.
O Turbo ficava na história, ausência compensada em parte pelo Y10 GT i.e. com motor de 1.301 cm³ (também brasileiro, mas restrito a exportação: aqui deslocava 1.297 cm³), injeção, 78 cv e 10,2 m.kgf. Não era tão rápido quanto o anterior, mas oferecia bom desempenho e visual esportivo, com rodas de alumínio e quadro de instrumentos completo. Na linha 1990 a Lancia aplicava uma transmissão automática de variação contínua (CVT), chamada de Selectronic e produzida pela Fuji japonesa, à versão de 1,1 litro.
Retoques de estilo e motor 1,1-litro no GT i.e. (em prata) em 1989; o azul é a versão Avenue de 1992
Seguiram-se novas edições limitadas: Mia, com motores de 1,0 e 1,1 litro e várias opções para o acabamento de camurça sintética, como vermelho, azul turquesa e bege; Ego, um LX com bancos revestidos de couro da grife Poltrona Frau em vermelho; e Avenue, que deixava a tampa traseira na cor do carro e oferecia a caixa CVT. Retoques de estilo vinham em 1992 com faróis, grade, lanternas traseiras e para-choques remodelados, mantendo a característica tampa em preto. A versão Elite assumia a posição intermediária entre a básica e a Avenue. Novos itens internos eram comando de trava das portas a distância, ajuste elétrico dos retrovisores e comandos de áudio no volante; o comando da caixa de câmbio era aprimorado.
A produção era deslocada da fábrica de Desio para a de Arese, próxima à da Alfa Romeo, ambas as cidades na região de Milão (a unidade de Pomigliano d’Arco, em Nápoles, também o produziu de 1987 em diante). Embora fossem mantidos os motores, o 1,3 seria oferecido só até 1994. A carreira do Y10 encerrava-se em 1995, depois de cerca de 1,5 milhão de unidades produzidas, com o lançamento do ousado Lancia Y ou Ypsilon, que seguia sua proposta de pequeno requintado, mas adotava a plataforma do primeiro Punto como base. A marca Autobianchi passava à história.
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