Versões de bom desempenho notabilizaram esse longevo modelo médio, que terminou seus dias com desenho sóbrio
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
Dos 98 anos de atividade da Mitsubishi como fabricante de automóveis (começou em 1917 com um sedã de origem Fiat, primeiro carro japonês fabricado em série), nada menos que 43 se passaram com a fabricação de um de seus carros mais longevos: o Galant, feito entre 1969 e 2012 em nove gerações.
Então chamado de Colt Galant, ele surgiu como um sedã médio de quatro portas com 4,08 metros de comprimento e 2,42 m entre eixos; um cupê hardtop (primeiro Mitsubishi sem coluna central) e uma perua de cinco portas vinham no ano seguinte, 1970. Concorrente de Mazda Capella, Nissan Bluebird e Toyota Corona, esse Galant usou motores de 1,3, 1,4, 1,5, 1,6 e 1,7 litro. A tração era traseira com eixo posterior rígido.
A primeira geração já tinha as versões esportivas GTO e FTO; na segunda, para-lamas ondulados
A versão fastback GTO lançava uma sigla que ganharia projeção no Japão, a ponto de ser reaproveitada em 1990 como denominação local do 3000 GT. Seu motor 1,6 com duplo comando de válvulas e dois carburadores obtinha 125 cv, o suficiente para alcançar 200 km/h. Houve também o FTO, um cupê mais curto com o motor 1,4. O primeiro Galant fez a estreia da marca nos Estados Unidos, onde era vendido pela parceira e acionista Chrysler sob o nome Dodge Colt, e ganhou produção pela Chrysler australiana como Valiant Galant.
Destinado a homologação para rali, o Galant VR-4 tinha motor turbo de 2,0 litros e 205 cv e tração integral, que serviriam de base ao Lancer Evolution
A segunda geração vinha em 1973 mais longa (4,20 m) e larga, sem alterar o entre-eixos. Embora seu desenho lembrasse muito o da anterior, o cupê ganhava elegância com para-lamas traseiros ondulados ao estilo “garrafa de Coca-Cola”. As versões de carroceria eram preservadas, mas agora havia apenas motores de 1,6, 1,9 e 2,0 litros (este com dois carburadores e 125 cv no GTO) e opções de câmbio manual de cinco marchas e um automático de três. Inovação dos dois maiores motores era a árvore de balanceamento Silent Shaft, que reduzia vibrações.
Comparado pela revista inglesa Car ao Fiat 132 1,8, o Colt Galant 2,0 mostrou-se competitivo: “Motores fortes com alto torque têm sido uma marca registrada dos Mitsubishis. Seu comportamento é um ponto alto: apesar da primitiva suspensão traseira, ele mostra neutralidade e estabilidade. O Colt tem os benefícios dos níveis japoneses de equipamentos, robustez e boa aparência. Ele merece mais seu dinheiro que a maioria dos carros japoneses, mas tem um rodar duro e ruído demais. Resolva isso, Mitsubishi, e você estará quase lá”.
Motor de 2,6 litros vinha no terceiro modelo; o quarto estava maior e oferecia motores turbo
Linhas mais retas, típicas de sua época, marcavam o terceiro Galant lançado em 1976. Oferecido como sedã de quatro portas e perua, estava maior (4,33 m com entre-eixos de 2,52 m) e recebia os nomes Galant Sigma no Japão e Chrysler Sigma na Austrália. Os motores 1,6, 1,9 e 2,0 permaneciam, mas havia um inédito de 2,6 litros. Faróis retangulares eram adotados em 1978, seguindo uma tendência mundial. O cupê Galant Lambda, sucessor do GTO, chegou aos EUA como Dodge Challenger e Plymouth Sapporo.
Sem revoluções em estilo, a quarta geração aparecia em 1980 com comprimento bem maior, 4,57 m (o entre-eixos só ganhava 1 cm), e frente mais inclinada. Novidades expressivas estavam sob o capô: a linha de motores Sirius, incluindo versões com turbocompressor de 1,8 litro/135 cv e 2,0 litros/156 cv, e o primeiro turbodiesel oferecido em um carro japonês, de 2,3 litros. Opções de 1,6, 2,0 e 2,6 litros também existiam, conforme o mercado. Como antes, foram oferecidos sedã, perua e cupê, este chamado de Scorpion para os australianos.
Como vários fabricantes na época, a Mitsubishi passava à tração dianteira no Galant 1983, o de quinta geração. Agora havia apenas sedãs quatro-portas normal e hardtop, sem perua (substituída pela minivan Chariot em vários mercados) ou cupê; as medidas cresciam para 4,58 e 2,60 m. A gama do sedã incluía motores de 1,6, 1,8, 2,0 e 2,4 litros a gasolina, com 150 cv no 2,0 turbo, e 1,8 turbodiesel. Atração era o Sirius 3/2 Valve de 2,0 litros, oferecido no sedã Super Exceed e no hardtop VR, que podia operar com uma ou duas válvulas de admissão por cilindro (havia só uma de escapamento), o primeiro modo favorável a baixas rotações e o segundo às altas. A suspensão traseira agora empregava eixo de torção.
O quinto Galant adotava tração dianteira e versão hardtop; com o sexto aparecia um hatchback
O hardtop era tratado como modelo superior, com motores V6 de 2,0 litros (no Japão) e 3,0 litros (para os EUA) em alternativa aos de quatro cilindros, enquanto a Europa o recebia com o 2,4 e o nome Sapporo. Por algum tempo a fábrica aplicou a algumas versões um câmbio de quatro marchas com caixa de transferência — como a reduzida de utilitários —, que na prática o deixava com oito marchas. A caixa automática agora tinha quatro marchas. Na Nova Zelândia foi fabricado o sedã V3000 com motor V6 3,0 depois que o Japão substituiu essa geração, em 1988, a fim de competir com os australianos Ford Falcon e Holden Commodore.
A inglesa What Car? comparou a versão a diesel ao Audi 80 e ao Toyota Camry. O Galant saiu-se terminou em segundo: “Toyota e Mitsubishi oferecem o mesmo alto padrão de desempenho, conforto e acomodação e há pouca diferença em economia. Optaríamos pelo Camry pelo maior espaço e o menor custo de seguro. Se ele não tem o comportamento preciso do Galant, o conforto de rodagem superior compensa. Mas ambos desempenham admiravelmente em todos os aspectos”.
Mais arredondado, o sexto modelo vinha em 1987 com motor transversal, dimensões semelhantes (4,56 e 2,60 m) e a inédita opção de tração integral. Motores 1,6, 1,8, 1,9, 2,0 e 2,0 turbo a gasolina (150 cv) e 1,8 a diesel formavam o catálogo e havia, ao lado dos sedãs normal e hardtop, um hatchback de cinco portas chamado de Eterna no Japão. Inovadora era a suspensão opcional Dynamic ECS com controle eletrônico, a primeira do gênero em carros de produção.
O VR-4 tinha motor turbo de 205 cv e tração integral; na sétima geração, linhas “orgânicas”
No teste da britânica Autocar, o Turbo 2000 destacou-se pelo desempenho, espaço e equipamento, mas não agradou em refinamento e comportamento dinâmico no uso vigoroso. “Esse carro impressiona: é difícil mantê-lo abaixo de 160 km/h na rodovia, pois o turbo aumenta facilmente a velocidade. O tempo de 0 a 96 km/h em 8,6 segundos é muito bom para o tamanho dele. Dirija-o como um carro executivo e rápido e não há problema algum, mas em curvas rápidas há muito subesterço e, quando o turbo subitamente entra, causa esterçamento por torque. Afirmam que o Galant tem a sensação de um Mercedes e a suavidade de um BMW, mas não o colocaríamos nessa classe: ele não atinge tais níveis de refinamento”.
Nessa fase a Mitsubishi ofereceu versões atraentes como a VR-4. Destinado a homologação para o Mundial de Rali, no qual correria entre 1988 e 1992, o esportivo tinha motor turbo de 2,0 litros, 16 válvulas e 205 cv, tração integral — itens que serviriam de base para o Lancer Evolution anos depois — e máxima de 230 km/h. Outro “quente” era o MX-4, com um 2,0 aspirado de 16 válvulas e 160 cv, também com quatro rodas motrizes. Na Europa a alemã AMG (ainda não associada à Mercedes-Benz) fez um GTI 16V com o 2,0-litros preparado de 145 para 170 cv e pacote visual esportivo, mas de tração apenas dianteira.
Linhas suaves, “orgânicas” no dizer da época, marcavam a sétima geração do Galant em 1992. Com as mesmas versões de carroceria, sendo o hardtop restrito ao mercado japonês, ele estava maior (4,63 e 2,64 m) e superava os limites do governo nipônico para um carro compacto, o que aumentava a tributação. Motores de quatro cilindros (1,8, 2,0 e 2,4 litros) e V6 (1,8, 2,0, 2,0 biturbo e 2,5) formavam o catálogo ao lado do 2,0 turbodiesel. Avançadas eram as suspensões multibraço à frente e atrás. O VR-4 dava lugar nos ralis ao Lancer Evolution e tornava-se mais refinado, com motor V6 biturbo de 2,0 litros e 241 cv e opção de caixa automática de quatro marchas. Com a manual, acelerava de 0 a 100 km/h em 6,5 segundos. Os EUA começavam a produzir o Galant sedã em 1993. Foi a primeira geração vendida no Brasil, em versões sedã ES de 2,4 litros e hatch GS V6 de 2,0 litros, entre 1992 e 1996.
Havia algo de BMW no estilo da oitava geração; o VR-4 chegava a 280 cv no V6 de 2,5 litros
Imponente, com certo ar de BMW, o oitavo modelo desse Mitsubishi aparecia em 1996 como sedã e perua, sem o hatch, com mais 3 cm em comprimento e igual entre-eixos. As opções de motores eram os quatro-cilindros de 1,8, 2,0 e 2,4 litros e os V6 de 2,0, 2,5 e 3,0 litros (com versão biturbo dos dois últimos), além do 2,0 turbodiesel para a Europa. O 2,4 ganhava em 2000 injeção direta, uma das primeiras do mercado. A caixa automática de cinco marchas com seleção manual era outra novidade. Essa série foi oferecida no mercado brasileiro desde 1997 com motores 2,0 de quatro cilindros e 2,5 V6.
Na avaliação da Motor Trend, nos EUA, o Galant GTZ 3,0 mostrou conforto: “Suavidade descreve suas características dinâmicas, com aceleração, comportamento e freios refinados, mas ele fica para trás dos competidores de mais de 200 cv. Os bancos são confortáveis, embora o interior não seja inspirado. O GTZ fornece visual e estabilidade esportivos, mas pede mais potência”. O VR-4 continuava apimentado: agora com um V6 biturbo de 2,5 litros, 24 válvulas e 280 cv, trazia controle eletrônico de estabilidade e, claro, tração integral. Em alguns mercados a versão de topo era o V6 de 2,0 litros com 200 cv, mais potente que o próprio 3,0 (195 cv).
A perua VR-4 agradou a Jeremy Clarkson na revista Top Gear: “É como uma daquelas mulheres que não parecem atraentes, mas depois de algumas horas você está a seus pés. Você pode argumentar que o Galant está imitando a Audi, mas o que dizer do controle de estabilidade? O sistema de transferência de torque detecta a condição da estrada e o estilo do motorista, ajustando a trajetória de acordo. O motor é um grupo de superalta tecnologia, projetado para travar guerra com o livro de regras dos automóveis. E isso faz do Galant VR-4 um apaixonante companheiro. Ele faz de 0 a 96 km/h em 5,9 segundos e vai bater 240 km/h. Que 280 cv, que nada! Desilude apenas o interior miserável com imitação de madeira no console”.
O último modelo tinha um bom V6 de até 258 cv, mas não sugeria a mesma esportividade
Lançada em 2003, a nona e última geração do Galant seguia um estilo tradicional, ao gosto norte-americano, e crescia de forma considerável: 4,84 e 2,75 m. Oferecido em mercados como América do Norte, China e Oriente Médio, usava motores 2,4 de quatro cilindros (160 cv) e 3,8 V6 (235 cv), sempre com caixa automática e tração dianteira. Se o VR-4 ficava para a história, em 2007 aparecia nos EUA o pacote esportivo Ralliart com o V6 de 258 cv, rodas de 18 pol e suspensão mais firme. No mesmo ano o interior era renovado; em 2009 vinham retoques visuais.
No comparativo da Motor Trend ele foi segundo colocado diante de Chevrolet Malibu, Honda Accord e o Camry: “Com o maior entre-eixos, o Galant tem espaço abundante para os joelhos dos passageiros e é o mais largo do grupo. O motor V6 é o maior no teste e, com caixa automática, levou o GTS de 0 a 96 km/h em 6,8 segundos, o segundo melhor tempo. O motor parece realmente forte e é muito suave e silencioso. O Galant liderou em comportamento, com os melhores slalom e aceleração lateral: parece um bom sedã esportivo alemão, mas com penalização ao conforto de rodagem. Compradores de sedãs procurando certa esportividade devem considerar este Mitsubishi”.
Dessa fase do sedã derivaram os modelos Grinder, feito em Taiwan com motor 2,4, e 380, fabricado na Austrália com o V6 3,8, ambos com desenho específico. O Galant saiu de produção em agosto de 2012.
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