Sucessor do longevo 200, ele firmou a tração dianteira e os
potentes motores turbo como padrões para os suecos que viriam
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
A transição da tração traseira para a dianteira afetou grande parte dos fabricantes durante o século passado. Houve os pioneiros, como Auto Union, Citroën e Cord, e houve os que resistiram à tendência até o novo milênio, como a BMW — mas, para uma maioria, as vantagens de “empacotar” motor e transmissão na frente foram bastante convincentes.
A Volvo fabricava carros de tração dianteira desde 1986, quando lançou o hatchback esportivo 480, seguido pelos mais comportados 440 (hatch) e 460 (sedã). Mas a configuração só chegaria a seus automóveis médio-grandes em 1991 com a estreia do 850, também seu primeiro carro a levar tal solução ao mercado norte-americano. Oferecido como sedã e perua, ambos com quatro portas, esse sucessor da longeva série 200 — fabricada entre 1974 e 1993 — media 4,66 e 4,71 metros de comprimento (na ordem), 1,76 m de largura e 2,66 m entre eixos.
Embora conservador na visão de muitos, o estilo do 850 era moderno e arredondado para os padrões da Volvo, então habituada a carros tão curvilíneos quanto um tijolo. Novidade na perua eram as lanternas traseiras subindo pelas colunas (como nas minivans lançadas dois anos antes pela GM), mais visíveis a distância e através dos vidros de outros carros no tráfego em fila. O interior era sóbrio e refinado, com comandos e instrumentos voltados à fácil utilização e opções como revestimento em couro e apliques de madeira.
Embora retilíneo, o desenho do 850 era arredondado para os padrões da
Volvo na época; a perua trazia lanternas que subiam pelas colunas
Ele não seria um legítimo Volvo sem inovações em segurança. Foi o introdutor do SIPS, Side-Impact Protection System ou sistema de proteção em impactos laterais, que previa a distribuição da força de uma colisão por uma extensa área. No centro do banco traseiro podia-se formar um assento elevado para crianças. Outros recursos (de série em alguns mercados ou versões) eram freios com sistema antitravamento (ABS), controle eletrônico de tração, encostos de cabeça e cintos de três pontos para os cinco ocupantes e bolsas infláveis frontais. Mais tarde, em 1995, ele traria bolsas laterais dianteiras como primazia mundial.
As coisas ficavam “quentes” em 1995 com
o T5-R, esportivo com motor turbo de 243 cv que
acelerava de 0 a 100 km/h em 6 segundos
Montado em posição transversal, o principal motor do 850 era um cinco-cilindros em linha de 2,4 litros com bloco de alumínio, quatro válvulas por cilindro e injeção, que produzia potência de 170 cv e torque de 22,4 m.kgf. Mais apimentada era a versão Turbo ou T5 (o nome variava conforme o mercado), com cilindrada reduzida a 2,3 litros e valores aumentados para 225 cv e 30,6 m.kgf — estes disponíveis já a 2.100 rpm, regime bastante baixo para um motor turboalimentado da época.
Mercados como o italiano, que impunham pesada tributação a carros de cilindrada superior, receberam o 850 com unidades de 2,0 litros. A aspirada desenvolvia 143 cv e 18,7 m.kgf, e a turbo, 210 cv e 30,6 m.kgf. Houve também motores de duas válvulas por cilindro em alguns países — de 2,0 litros com 126 cv e de 2,5 litros com 144 cv. Câmbios manual de cinco marchas e automático de quatro (apenas para o motor turbo) estavam disponíveis.
Faróis e para-choques mudavam em 1994; o interior sóbrio evidenciava
cuidados com a segurança; a Estate T5 (acima) tinha motor turbo de 225 cv
A suspensão dianteira era uma convencional McPherson, mas a traseira Delta-Link usava braços semiarrastados e buchas que, quando comprimidas pelo peso do carro em curvas, provocavam um leve efeito de esterçamento nas rodas para manter a aderência desses pneus. Ligeiras renovações visuais apareciam em 1994, com faróis de duplo refletor e novos para-choques e rodas; as lanternas traseiras do sedã mudariam um ano depois.
No teste da revista Car sul-africana com a perua T5 couberam elogios ao desempenho, ao mínimo retardo de atuação do turbo e à estabilidade: “Potência é o que distingue a versão turbo, mas ela não compromete os aspectos práticos da Volvo, como itens de segurança, farto espaço para bagagem e o ar geral de durabilidade do interior. A 850 combinou virtudes de desempenho, praticidade, segurança, sofisticação e entretenimento. Isso não sai barato, mas a Volvo mira um segmento superior, na faixa de BMW Série 5 e Mercedes-Benz Classe E“.
As coisas ficavam realmente “quentes” em 1995 com a chegada do T5-R, um esportivo no qual o motor turbo operava com maior pressão por até 30 segundos para obter 243 cv. Acelerava muito bem (de 0 a 100 km/h em cerca de seis segundos) e alcançava a velocidade limitada de 250 km/h; com a caixa automática conseguia 245. Com visual esportivo garantido pelas rodas de 17 pol em tom grafite, defletor dianteiro e aerofólio traseiro, o T5-R vinha com apliques de camurça sintética nos bancos, pneus Pirelli P-Zero 205/45 e suspensão mais firme. Apenas 5.500 unidades foram feitas entre sedã e perua, nas cores preta, amarela e verde-esmeralda.
O esportivo T5-R cumpria o 0-100 em 6 segundos com motor de 243 cv
e podia vir em amarelo, cor eliminada mais tarde no 850 R (foto da perua)
Sem concorrentes diretas nos EUA, a T-5R Estate foi confrontada pela Motor Trend aos sedãs BMW 540i, Jaguar XJR e Mercedes-Benz C36 AMG. Embora fosse a menos potente e tenha obtido a mais lenta aceleração (de 0 a 96 km/h em 7,1 segundos), mostrou ótimos freios e comportamento: “Ela é mais estável e inspira mais confiança no limite, permitindo a motoristas não profissionais extrair mais do potencial do carro. É a mais rápida perua de série já oferecida nos EUA. Se uma perua de 246 km/h atende a suas necessidades, agarre uma logo”.
O êxito da versão de alto desempenho levou a Volvo a lançar um sucessor no ano seguinte, o 850 R, também com ambas as opções de carroceria. Além de alterações visuais como nas rodas e no aerofólio, ele trazia volante de couro em dois tons, sistema de áudio com toca-CDs no painel e amplificador de 200 watts e mais opções de cores, mas sem a amarela. O motor ganhava torque (35,7 m.kgf), sem alteração na potência, mas um câmbio manual associado a diferencial autobloqueante Torsen e 250 cv estava no catálogo apenas no primeiro ano.
A Motor Trend comparou o 850 R ao BMW 328i Sport e ao Mercedes-Benz C280 Sport. O Volvo foi o segundo em aceleração, frenagem e aceleração lateral, sempre atrás do BMW, mas convenceu pela esportividade: “Apesar de um pequeno retardo do turbo, o 850 ainda traz emoção de primeira. Ele segue curvas suavemente com uma gentil transição de neutralidade para subesterço no limite, mas a suspensão firme e os pneus de perfil baixo significam que ruído, vibração e aspereza são companheiros de viagem”.
As designações S70 e V70 eram adotadas em 1997, mantendo a versão R de
253 cv (em dourado); a V70 XC (marrom) era uma perua para sair do asfalto
O 850 também foi oferecido com motor turbodiesel de 2,5 litros, 140 cv e 29,6 m.kgf. A opção de tração integral, destinada a mercados com inverno rigoroso, era lançada em 1996 com o motor a gasolina de 2,4 litros. No ano seguinte, o último do modelo, o 850 GLT ganhava um turbo de baixa pressão no motor 2,4 para fornecer 190 cv e 27,5 m.kgf (a apenas 1.600 rpm).
Na linha 1997 para a Europa e um ano depois nos EUA, a denominação mudava para S70 no sedã e V70 na perua, de acordo com o padrão iniciado em 1995 com os S40 e V40. O estilo estava pouco mais arredondado e havia novos recursos como imobilizador de motor, bolsas infláveis de duplo estágio, controle eletrônico adaptativo para a caixa automática e a opção de sistema de áudio da renomada marca Dynaudio.
Continuava no catálogo uma versão de alto desempenho, o S70-R, com motor turbo de 2,4 litros, 253 cv e 35,7 m.kgf com câmbio manual ou, no caso do automático, 243 cv e 33,6 m.kgf. Caixa automática de cinco marchas e tração integral como alternativa no sedã apareciam em 1999. A V70 ofereceu também a versão Cross Country, ou XC (mais tarde chamada de XC70), com suspensão elevada, pneus maiores, decoração externa ao estilo fora de estrada e, claro, tração nas quatro rodas. Assim foram fabricados até 2000, quando o S60 substituiu o sedã e a V70 foi reprojetada, ambos com a plataforma do sedã grande S80.
Sedã e perua ganharam espaço nas pistas, correndo pelo Campeonato
Britânico de Turismo ou BTCC (fotos) e em provas australianas
A série 850 participou de competições. Uma parceria com a Tom Walkinshaw Racing (TWR) levou a perua ao Campeonato Britânico de Carros de Turismo (BTCC) em 1994. Chamou atenção pelo formato, mas conseguiu apenas um quinto lugar e deixou a marca em oitavo entre os construtores. Alterações no regulamento quanto à aerodinâmica no ano seguinte fizeram a TWR mudar para o sedã, que venceu seis provas e levou a Volvo ao terceiro lugar entre os fabricantes — posição repetida em 1996 após cinco vitórias. Sedã e perua também correram na Austrália, incluindo o Super Turismo local e a prova 12 Horas de Bathurst.
A tração dianteira e o apelo esportivo trazidos pelo 850 a seu segmento na Volvo solidificaram-se na marca, que depois dele abraçou ambas as soluções em seus modelos de maior porte — com tração integral, porém, quando a potência fosse demais para apenas dois pneus despejarem ao solo.
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