Fabricado por 24 anos na mesma geração na Polônia, ele
teve numerosas versões de carroceria e uma infinidade de motores
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
Durante os regimes socialistas o leste da Europa produziu diversos automóveis de longa vida, projetos que se mantiveram no mercado por decênios com base na robustez mecânica e na baixa demanda por evoluções técnicas — eram mercados, afinal, fechados ou de escassa concorrência. Foi assim com o sedã da Lada que conhecemos no Brasil como Laika, feito na Rússia de 1970 a 2012; com o Trabant alemão-oriental, de 1957 a 1991; e com o romeno Dacia 1300, de 1969 a 2004.
Outro caso de longa produção na mesma geração foi o do FSO Polonez, que deu origem a uma família fabricada na Polônia de 1978 a 2002. A Fabryka Samochodów Osobowych (FSO), fábrica de automóveis de passageiros, foi fundada em 1951 na capital Varsóvia pelo governo polonês e começou produzindo o Warszawa, versão local do GAZ-M20 Pobeda sob licença dos soviéticos. Um modelo popular de desenho próprio, o Syrena, vinha em 1957.
Apesar das linhas modernas para 1978, que lembravam as do Passat, o
Polonez era ultrapassado na mecânica herdada do 125p (à esquerda)
Por meio de acordo com a Fiat, a FSO partia em 1965 para a construção de carros licenciados pela marca italiana com a marca Polski Fiat, sendo o primeiro o 125p. Essa combinação da carroceria do Fiat 125 à mecânica dos antigos 1300 e 1500 rendeu variações perua e picape e, até o encerramento da fabricação em 1991, venderia mais de 1,4 milhão de unidades. A partir de sua plataforma e sua mecânica a FSO iniciou outro projeto próprio, que em maio de 1978 daria origem ao Polonez.
A grande variedade de versões incluiu hatches
de três e cinco portas, cupê, o sedã Polonez
Atu, a perua, a picape Truck e o furgão Cargo
Um projeto da Fiat de 1970 para o programa europeu de carros de alta segurança (ESV), o 2000, foi o ponto de partida. O polonês Zbigniew Watson, da FSO, trabalhou em parceria com os italianos Giorgetto Giugiaro e Walter de’Silva (então na Fiat, hoje chefe de Estilo do grupo Volkswagen) para adequar as formas básicas do ESV à plataforma do 125p e elaborar o interior. A participação de Giugiaro explica a certa semelhança de linhas do Polonez ao primeiro Volkswagen Passat (1973) e mesmo ao soviético Lada Samara (1984), também desenhados pelo italiano.
Apesar das origens técnicas antiquadas, o novo FSO fazia boa presença pelo estilo. Era um hatchback médio com cinco portas, 4,27 metros de comprimento, 2,51 m de distância entre eixos (o Passat media 4,19 e 2,47 m, na ordem) e peso de 1.050 kg. Tinha quatro faróis circulares, para-choques mais integrados ao desenho que o habitual na época e largas colunas traseiras. O Cx 0,352 era um destaque para seu tempo. No interior, bom espaço para suas dimensões, bancos dianteiros reclináveis, volante regulável em altura e painel com instrumentos quadrados como em antigos Fiats, incluindo conta-giros.
Frente renovada, motores mais eficientes e versão a diesel vieram nos
anos 80; à direita, réplica do 2000 Turbo de rali (foto: Basilex/Wikipedia)
Motores de 1,3 litro (com potência de 65 cv para lenta aceleração de 0 a 100 km/h em 22 segundos) e de 1,5 litro (com 75 cv para 0-100 em 17,5 s) eram oferecidos, ambos longitudinais com comando de válvulas no bloco, carburador, câmbio manual de quatro marchas e tração traseira — solução em desuso na época para carros de seu porte, mas imposta pelo aproveitamento da mecânica do Polski.
Também as suspensões seguiam as antigas técnicas do “irmão mais velho”, a dianteira independente por braços sobrepostos e a traseira com eixo rígido e feixe de molas semielípticas. Certo requinte estava nos freios a disco nas quatro rodas. Em termos de segurança passiva, a FSO fugiu ao padrão do leste europeu e atendeu a normas de proteção em impactos que ainda entrariam em vigor no oeste do continente e nos Estados Unidos, com foco nas exportações. Entre seus concorrentes ocidentais estavam Citroën GS, Fiat Ritmo, Ford Escort, Opel Kadett, Renault 14 e Volkswagen Golf.
Uma versão bem mais potente, a 2000, foi produzida sobretudo para atender a oficiais do governo. Trazia motor Fiat de 2,0 litros, duplo comando no cabeçote e 110 cv — o mesmo do modelo 132, similar ao que teríamos no Tempra — associado a câmbio de cinco marchas. Outra variação com esse motor, mas preparado para 180 cv, participou do Campeonato Mundial de Rali em 1979 e 1980.
A tampa traseira abria até o para-choque na mudança de 1989, seguida pelo
emprego de motores Ford e Peugeot-Citroën: diversidade de fornecedores
O Polonez rendeu ainda grande variedade de carrocerias. O hatch foi oferecido com três portas, em produção reduzida, e existiu uma série ainda menor de cupês com três portas e perfil diferenciado na traseira. O sedã Polonez Atu (Celina em alguns países), lançado em 1996, era seguido após três anos pela perua. A picape Truck teve cabines normal e estendida, esta com pequenos bancos na parte traseira, e o furgão Cargo era um hatch com teto bem mais alto e alongado na parte posterior, feita de plástico, além de servir para ambulância.
Duas versões do hatch eram acrescentadas em 1981: uma simples, com bancos revestidos em vinil e sem conta-giros ou faróis de neblina, e a mais luxuosa 1500 X, com câmbio de cinco marchas. No ano seguinte aparecia ignição eletrônica no lugar do platinado. Uma opção a diesel com motor da VM Motori italiana de 2,0 litros, com turbo e 83 cv, era apresentada em 1983. Um ano depois o Polonez 2000 Turbo recebia motor a gasolina de 2,0 litros e até 270 cv para ralis. O modelo 1985 ganhava nova frente para o hatch, a mesma então usada no cupê.
A revista inglesa What Car? comparou nesse ano o Polonez ao Lada Riva (Laika), ao Skoda Estelle e ao Yugo. Mais caro dos quatro, o FSO sobressaiu em espaço e acelerou de 0 a 96 km/h no menor tempo (13,7 segundos), mas foi fraco em estabilidade, conforto de rodagem, o convívio com o carro e o custo, terminando em último lugar: “O desafortunado Polonez nem mesmo tem o preço a seu favor. Tudo o que pode oferecer é espaço e um painel decente. Tem direção pesada e vaga, estabilidade direcional ruim, motor ruidoso e ainda menos refinado que o do Lada”. O Yugo foi o melhor do grupo.
Com o Caro, de 1991, o Polonez ganhava outro refresco visual; embaixo
o pacote esportivo Orciari, a versão Caro Plus de 1997 e seu painel
O Polonez 1.6 LE vinha 1987 com motor 1,6 de 86 cv. Mais uma vez de olhos em ralis, a fábrica revelava no ano seguinte uma versão 1,5 turbo com 188 cv — apta a 220 km/h e 0-100 em 8,5 segundos — de acordo com o regulamento do Grupo A. Para sua homologação era lançado ao público o Polonez 1.5 SLE Turbo, com 105 cv e máxima de 180 km/h. Uma remodelação na traseira, com novas lanternas e a tampa do porta-malas aberta até o para-choque, estreava em 1989 assim como catalisador para o motor 1,5. Outra novidade do ano era o 1,4 turbodiesel de 60 cv.
No modelo seguinte aparecia o 2.0 SLE com o motor de 2,0 litros, comando no cabeçote e 103 cv e o câmbio cedidos pelo Ford Sierra, pois o acordo com a Fiat estava terminando — e com ele a produção do arcaico 125p. Renomeado Polonez Caro, o hatch tinha frente, para-choques e volante renovados em julho de 1991, quando recebia motor Peugeot-Citroën a diesel de 1,9 litro e 67 cv. Um ano depois as versões 1,6 e 2,0 a gasolina recebiam injeção eletrônica e opção de catalisador.
Em 1993 o entre-eixos era ampliado em 6 cm e chegava a versão Orciari, com rodas de alumínio, saias laterais e defletores na frente e na tampa traseira. Painel redesenhado, bitolas mais largas e mais um motor — o Rover inglês de 1,4 litro, 16 válvulas e 102 cv, que passava a 123 cv na versão Prima para competições — surgiam no ano seguinte. Depois que o sedã Atu chegou às ruas, toda a linha recebia novos para-choques e painel e o hatch ganhava extensão entre as lanternas traseiras no Caro Plus de 1997, ano em que terminavam as exportações — os Países Baixos foram seu último mercado externo.
Grande família: o sedã Atu, a perua (lançados já nos anos finais de produção),
a picape Truck e o furgão Cargo, um hatch com carroceria alta de plástico
Com a colaboração firmada em 1995 entre a FSO e a sul-coreana Daewoo, seu modelo Lanos começava a ser feito na Polônia, deixando o Polonez ainda mais antiquado em comparação. Mesmo assim ainda foram lançados o sedã Atu Plus (com o mesmo arranjo entre as lanternas, de gosto questionável) e a perua Kombi (1999) com uma traseira reta, funcional, mas nada atraente. Uma série de 2001 saiu com ar-condicionado.
A produção do longevo Polonez era encerrada em abril de 2002 depois de mais de um milhão de unidades. Seu alcance abrangeu os quatro continentes, com países do oeste europeu, da América do Sul (foi apresentado no Brasil nos anos 90, mas não confirmamos se algum chegou a ser vendido), a China e a Nova Zelândia; o Egito montava conjuntos importados (CKD). Uma picape de cabine dupla com tração nas quatro rodas e suspensão elevada, a Analog 4, foi exposta em 1994 mas não chegou ao mercado. A empresa Polska Fabryka Samochodow (PFS), fábrica polonesa de carros, tentou sem êxito relançar a picape original em 2003, com o nome Poltruck e algumas alterações de estilo.
O trinômio de baixo custo, simplicidade de manutenção e robustez, associado à baixa competição em seu país de origem, garantiu ao FSO Polonez um longo ciclo de produção: 24 anos sem grandes alterações de estrutura e mecânica, além das numerosas trocas de motores e renovações parciais de estilo — uma história similar à de outros modelos daquela região da Europa.
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